Luiz-Olyntho Telles da Silva
Psicanalista |
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O ENGANO
DE CALVERO Luiz-Olyntho Telles da Silva
Fevereiro/março de 2013 Calvero foi um homem
bom. Entrou no século XX com a experiência e a bagagem adquirida
no século anterior. Grassava uma grande insatisfação
entre o povo que, pelas mãos dos anarquistas, começou a matar
os governantes. Primeiro mataram o Presidente da França, Sadi Carnot,
em 1894; o fato chamou a atenção porque seu assassino, o anarquista
italiano Geronimo Caserio, em vez de fugir, ficou correndo em torno da carruagem
presidencial gritando Viva a Anarquia! Viva a Anarquia! Três
anos depois, assassinaram o Primeiro-Ministro da Espanha, Antonio Canovas.
No ano seguinte, foi a vez da Imperatriz Elizabeth da Baviera, a inesquecível
Sissi, casada com o Imperador Francisco José. Na virada do século,
em 1900, acabaram com a vida do Rei Humberto I, da Itália. Em setembro
de 1901 aconteceu o assassinato de William McKinley Jr., o vigésimo
quinto presidente dos Estados Unidos da América. A insegurança
generalizada alcançou o ápice com o assassinato do Príncipe
Francisco Ferdinando da Áustria e de sua esposa, em Sarajevo, no dia
28 de junho de 1914, estopim da Primeira Guerra Mundial. Nesse clima aparece
Calvero. Como palhaço, divertindo as multidões, tornou-se famoso.
Mas se entediou! Ao alcançar um momento de sua vida, quando
sua percepção da realidade já não lhe permitia
cooptar com o status quo, abandonou a profissão. Se o riso
ajuda a desabafar e a prosseguir, ele já não pode fazer nada
que possa servir de antolhos. Sem um pouco de depressão as pessoas
não pensam! Mas, além de divertir as pessoas, acreditando não
poder fazer outra coisa, Calvero pensa que não sabe fazer mais nada!
E entrega-se à bebida.
Embriagado,
salva Thereza, uma jovem dançarina, de uma tentativa de suicídio,
acompanhando-a durante toda sua convalescença, ajudando-a a recuperar
seu amor-próprio e a incentivando a retomar sua carreira. Isso também
o anima. Precisa fazer alguma coisa. A ribalta o chama! Mas ele o faz com
pseudônimos, e fracassa, uma vez depois da outra. Não sabe que
o nome conquistado serve para valorizar novas conquistas. Nada é para
sempre! Sua piada mais sem graça envolvia uma sardinha apaixonada
por uma baleia. Uma vítima da Síndrome de Estocolmo avant
la lettre! As barbatanas horizontais da cauda da baleia o fascinavam!
Na outra cena, Thereza, que também precisava fazer algo para sobreviver,
atende em uma livraria onde, para proteger um jovem compositor, chamado Neville,
vende pautas de música por um preço menor e dá troco
à maior. Charles Chaplin, o autor, ator e diretor de Luzes da
Ribalta, sabe o que faz! O nome de de bastismo atribuído ao compositor
lembrou-me de Herman Melville, e tomei-o por homenagem ao autor de Moby
Dick, a baleia. Aí, além de chamar a atenção
para a peculiar barbatana da cauda da baleia, diferente de todos os outros
peixes que as têm sempre na vertical, Melville deixa claro que, em um
barco de caça - metáfora de nossa vida -, todos têm de
ajudar uns aos outros.
Ao final,
quando Thereza retorna ao balé, reconhecido por um grande empresário,
Calvero também volta à ribalta, agora com seu próprio
nome. O sucesso de ambos é estrondoso! Calvero, contudo, mesmo com
o seu beau geste de convidar Buster Keaton - seu antigo rival no cinema
mudo -, já no estertor desse tipo de teatro, para contracenar nos
esquetes, acreditando que o sucesso vinha de atuar embriagado, bebe antes
de subir ao palco e, na gag da última cena, cai mal, fere a
coluna vertebral e morre.
Seu engano: pensar que nossa embriaguez faz bem aos outros, enquanto se trata justamente do contrário. Fazer bem ao outro é que é embriagador. Embora os dicionários tendam a dar como primeiro significado da palavra o estado alcançado pela ingestão de bebidas alcoólicas, não podemos esquecer que seu segundo sentido, tornado aqui primeiro, diz de uma exaltação, de uma enlevação, de um êxtase causado por grande alegria ou admiração. Talvez Aristóteles estivesse com razão ao falar de retorno à natureza. Se ambos os sentidos de embriaguez dizem de uma intoxicação pela natureza, a derivada do álcool e similares são sempre, necessariamente, artificiais, enquanto a embriaguez pela alegria de ajudar o próximo advém de uma conquista sobre nossa humanidade! |
FORTUNA CRÍTICA: - Ester Menda CRÔNICAS: 05.03.2013: O engano de Calvero @ 06.02.2013: Garrafas ao mar @ 27.11.2012: O belo gesto do maestro @ 03.08.2012: A Messias @ 26.07.2012: Maria e Herodes @ 23.12.2011: Ler é uma grande aventura @ 05.12.2011: Iluminura turca @ 12.08.2011: O rapto de Lucrecia @ 13.06.2011: Shirin Ebadi e o exílio @ 1º.06.2011: Música, Maestro! @ 25.03.2011: Almas à venda @ 31.07.2010: Corra como um coelho @ 28.05.2010: Um tablao flamenco @ 15.03.2010: Os vizinhos @ 15.01.2010: Tsuru @ 31.12.2009: Pombo de papel @ 30.12.2009: A quebra-nozes @ |