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31VII2010:
CORRA COMO UM COELHO
Luiz-Olyntho
Telles da Silva
Fui assistir Corra como um coelho como quem vai prestigiar
o trabalho de um filho, de sangue doce, sem preconceitos. A atriz, Carolina
Bianchi, filha de uma amiga querida, tinha, a priori, a mesma simpatia
que eu dedico à sua mãe, uma simpatia enorme. Fui como quem vai assistir a
uma peça na escola. Surpresa! Logo vi que não era nada disso! Um cenário rico,
pleno em detalhes, e uma cena armada. No primeiro plano de um palco muito
próximo do público – estávamos no Teatro do SESC, em Porto Alegre –, uma
mulher estendida no chão, de bruços, e, na parte posterior do palco, aos
fundos, uma pessoa sentada em uma poltrona, ao que parecia, lendo um jornal.
E lendo este jornal ficou, desde antes do início até o fim. Vindos da platéia,
entram em cena outros dois atores para dar início ao espetáculo e representam
algo do tipo pastelão, até reconhecerem a presença do corpo caído, que logo
erguem. Não era a menina da minha imaginação, e sim the woman in red!
Adorável. Diz coisas e as repete, na mesma ordem, em outra ordem, como composição,
como refrão, sucessivamente. Reconhece-se no texto referências a David Lynch,
Dorothy Parker, née Rothschild, e Charles Lutwidge Dogson sob a máscara
de Lewis Carrol, entre outros. A história de Alice e o coelho maluco passam
a constituir o pano de fundo. Tudo gira. Giram até os móveis, todo o décor.
Ao final, a maior parte dos objetos do cenário está em posição diametralmente
oposta ao início. Imóvel, permanece apenas o leitor de jornal. Lembro de
Donaldo Schüler dizendo que a legião de leitores vai perdendo seus bravos
à medida que marcham do jornal em direção ao livro. Lembro também de um quadro
de Roth, de João Luiz Roth, de 1988: um bico de pena, representando, no primeiro
plano, um homem sentado segurando, diante do rosto, embora um pouco afastado,
uma máscara; está vestido à rigor, mas os pés estão nus. Em um segundo plano,
um homem, que pode estar nu, carrega nos braços uma mulher nua. O modelo
pode ter sido o rapto das sabinas. O leitor de jornal tem no matutino uma
máscara. Já ninguém sai à rua sem ao menos ter passado os olhos pelo jornal.
Os homens vêem o mundo pelos olhos dos tablóides. Os personagens, mudando
constantemente de perucas e disfarces, são como todos os transeuntes do cotidiano.
Enquanto lê o jornal, o homem sonha, a balbúrdia, a confusão, a troca de
lugares, o que não impede o mundo de continuar girando. Algo do Finnegans
Wake, de Joyce, está presente. É o mundo viconiano preparando o retorno.
As fantasias de sempre, a cultura do mundo, e o coelho a gritar: É tarde,
é tarde. E o sangue já não é doce, é quente e arde. É uma peça madura. Se
o homem contemporâneo passa por um momento difícil, estamos certos de que
alguém está pensando o mundo em que vivemos. Corre, corre Carrolina
Bianchi. Palmas. Palmas.
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Roth, Sem título, 1988.
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