Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista

Abertura

Biografia

Publicações

Traduções

Textos:
 - Psicanalíticos
 - Crítica
 - Contos
 - + recente

 Fortuna crítica

 Comentários

 Atividades

 Links

 Contato

28 V 2010:

UM TABLAO FLAMENCO

Luiz-Olyntho Telles da Silva

                                                             Physis kriptesthai philei
                                                             (A natureza ama esconder-se).
                                                             HERÁCLITO, Fragmento123

Fui assistir à peça Bodas de Sangue, de Federico García Lorca. No palco, a experiente Sandra Dani, marcando de modo indelével o caráter forte da matrona, contracena com a jovem Sissi Venturini, muito bem no papel da mimada e desorientada noiva. Fabrizio Gorziza representa o jovem e ingênuo noivo apaixonado; Marcelo Adams, o único personagem com nome próprio – Leonardo –, é uma furiosa vítima das negociatas familiares que não reconhecem os sentimentos amorosos; Margarida Leoni Peixoto faz uma dedicada babá da noiva capaz, com sua atuação, de mostrar a relevância das cenas. E mais um grande e talentoso elenco.

Assisti a apresentação inaugural. Cheguei com os quinze minutos recomendáveis de antecedência. No palco já estava todo um corpo de baile sobre um tablao flamenco. E bailavam! Por sobre o tablao, a volta do tablao, desbravando limites, bailavam. Estavam ali todos os atores. Lembrou-me o valor da antecedência. A vida sempre tem um antecedente. A cada episódio antecede sempre toda uma história. São momentos de um jogo, momentos de um baile. Da Andaluzia para a Espanha, e daí para o mundo, o flamenco conta uma história sempre turbulenta. Os mouros, os ciganos, os judeus, a santa inquisição; a tolerância e a intolerância religiosa a constituir o estofo das histórias, das vidas, dos bailes.
 
Ver a vida como um baile revela, de entrada, toda uma perspectiva. É o flamenco! Está a música, estão os cantos, está o discurso comum. Bodas de sangue é uma história desse discurso comum, uma história de camponeses. Uma das etimologias possíveis para flamenco pode ser o árabe felag mengu, o camponês, felag, felah, que está de passagem, que está fugindo, mengu. Vítimas de suas histórias, as relações só são possíveis com a interposição de quilômetros de distância ou então da morte, cujo signo é a navalha.

O jovem noivo já tem as terras para a vinha e quer se casar. Sua mãe, uma viúva de cujo casamento desfrutou por escassos três anos, perdendo marido e um filho para a navalha, espreita a cada movimento sua ação; dividida entre uma história de perdas e o chamado das gerações, em determinado momento do primeiro ato emerge um significativo ato falho: ao dizer não vou calar, disse não vou casar. Embora ceda ao apelo da carne e já sonhe com os netos, prevalece a força da história.

Em casa da noiva, morte precoce fora a da mãe. Carente, demasiado carente, a noiva já havia tido outro noivo, sem terras suficientes, porém, para ver os sarmentos da vinha. Na sogra, como lhe diz o pai, terá, por fim, uma mãe. Mas os presságios antecipam a desdita: enquanto a noiva, siderada, joga ao chão a grinalda, o noivo, descuidado, deixa o presente de casamento cair. Aproveitando-se da situação, Leonardo, o ex-noivo insatisfeito, rapta a noiva da festa do casamento. É o momento apoteótico em que o pai da noiva cai em si. Mauro Soares, no papel do pai que só pensava na extensão de suas terras, representa nesse momento toda a força da tragédia: com sua filha isso não podia acontecer! Mais fácil acreditar tivesse se atirado a um poço! Mas o poço é reservado apenas ao suicídio das mulheres puras.


É chegada a hora do sangue. Das vinhas abertas escorrerá o sumo da raça para saciar a exigência da honra e não mais se verão os esperados racimos. A noiva será como sua admirada nova mãe, uma viúva com dois mortos enterrados no pátio.

Inerente ao flamenco, a música é sempre presente, afinadíssima. Intrincadas com maestria, a voz da canção segue às notas do violão. E o coro canta: Que desperte a noiva a manhã das bodas. A noiva sabe que tem um passo importante a dar, mas, para isso, sabem os outros, ela tem que despertar. Quem nos desperta para esta verdade são os diretores Luciano Alabarse e Luiz Paulo Vasconcellos ao trazer, com seu maravilhoso elenco, a luz da Andaluzia aos nossos palcos.


(clique na foto par ver em tamanho grande)
Sandra Dani e Sissi Venturini
em Bodas de Sangue




































































escreva aqui seu comentário