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13 VI 2011:
SHIRIN EBADI E O EXÍLIO
Luiz-Olyntho
Telles da Silva
Ao longo dos anos tenho aprendido que a vida dá muitas voltas. E na recente
conferência da Dra. Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz de 2003, pude dar-me
conta, mais uma vez, o quanto essas voltas são necessárias à vida. Quando
ela dizia, sem citar nomes, muito discreta, que não adianta nada trocar um
ditador por outro, o que acontecera no Irã, em 1979, minha cabeça saiu a passeio
e lá estava eu, outra vez, naquele deck de Cortina d’Ampezzo. Onze
e meia da manhã de um fevereiro bem frio de 1980, com um sol magnífico fascinando
a todos. Foi aí, recostado em uma espreguiçadeira, com um babeiro refletor
para melhor bronzear o pescoço, que tive meu primeiro e único encontro com
Reza Pahlavi! Isso mesmo, sentado a menos de dois metros de mim estava o Xá
da Pérsia, deposto há exatamente um ano. A seu lado, a lindíssima Farah Pahlavi,
mais conhecida como Farah Diba, simplesmente deslumbrante na sua simplicidade.
Foi impressionante! Parecia não haver seguranças, e era tão natural que só
fui me dar conta disso anos depois. Havia me chamado a atenção o quanto ambos
estavam curtindo aquele banho de sol, naquela gelada montanha das Dolomitas,
mas quando ouvi a Dra. Ebadi falar do generoso sol do Irã, e em seguida
lembrei de Azar Nafisi, que morava, em Teerã, em um beco também chamado Azar,
falando sobre o maravilhoso sol iraniano, logo compreendi que Mohammad Reza
Pahlavi estava ali naquela terrazza italiana tomando mais do que um
banho de sol. Ele, exilado para sempre, por certo estava tentando reaver
um pouco de sua perdida pátria; morreu no ano seguinte, aos sessenta anos,
muito provavelmente de saudade, de banzo, como se dizia morrerem os negros
arrancados da África e trazidos para cá. Mas não foi só isso que pensei! Não
me passou despercebida a diferença entre esses dois expatriados, pois Shirin
Ebadi também mora no exílio, em Londres. Enquanto ele foi desfrutar longas
férias, ela curte suas saudades lutando pela liberdade de seus conterrâneos.
Foi o que ela fez vindo falar em Porto Alegre sobre A luta pacifista do
povo iraniano.
Esse foi o título de sua palestra. Falou em persa, ou, como se diz por lá,
no idioma farsi, a língua oficial da terra dos arianos, chamada Irã a partir
de 1935. Dito em farsi, sua luta é pelos kokuka bashar (حقوق بشر), se consigo transliterar a pronúncia
de Shirin Ebadi quando diz direitos humanos. Havia, é claro, uma tradução
simultânea, muito boa, aliás, mas não me furtei ao prazer de ouvir sua voz
falando naquele idioma tão antigo, com suas origens no aramaico no qual também
estão as origens de nosso alfabeto.
Shirin Ebadi luta pelos direitos das pessoas à igualdade. Ela não quer os
homens e as mulheres iguais, ela quer para eles o mesmo direito; ela não quer
que todos tenham a mesma opção sexual, quer que, qualquer seja a opção, tenham
direitos iguais; ela não vê no estado o poder de decidir qual a religião verdadeira,
e também não quer ela decidir qual será a confissão do estado; para ela,
cada cidadão deve ter a liberdade de escolher seu credo. Não lhe parece possível
um crime de traição ser punido, em um muçulmano, com cem chibatadas e, em
um judeu, com a morte. Pobre Shirin, ela nem critica as cem chibatadas! Condenar
um traidor – e aqui, traidor não é um termo aplicado a quem negou a pátria,
e sim a quem sucumbiu às fraquezas da carne –, a uma pena capital é desconhecer
nossa fragilidade! Todos lembramos bem do processo de Sakineh Ashtiani, no
ano passado, condenada à morte por lapidação. Quantos de nós assinamos listas
e listas de solidariedade contra uma decisão tão cruel! Condenar alguém
à morte, por crime de homossexualismo? Mon Dieu! Então não sabem ser
uma opção disponível a todos?! Imputar responsabilidade criminal desde os
quinze anos aos meninos, e desde os nove anos às meninas? Amadurecem assim
tão cedo nessa terra plena de sol? Ou acreditam que por decreto uma menina
de nove anos já pode casar? Sei que a dor ensina a gemer, não que amadureça.
Por aqui, em nosso país, também tem gente obrigando crianças muito pequenas
a quebrar pedras para se sustentarem, quando deveriam estar aprendendo a
sonhar.
Shirin Ebadi, humana, demasiadamente humana, engana-se quando diz não ter partido! Não é difícil
de entender seu engano: ela quer dizer de sua não opção nem pelos de direita
nem pelos de esquerda, qualquer seja a sigla em qualquer parte do mundo.
Seu engano consiste em se acreditar assim fora de qualquer partido; mas não!
Seu partido é o das pessoas, o mesmo meu, o mesmo partido de meus colegas,
pelo menos daqueles que praticam a Psicanálise tal como eu a entendo, respeitando
o direito de cada um antes de tudo mais, o mesmo partido das pessoas que
acreditam no direito de ir e vir para todos, que a lei deve ser a mesma para
todos. Quando se trata dos kokuka bashar (حقوق بشر), dos direitos
humanos, todos devem estar sob a mesma lei. É desde esse princípio que
sua crítica à construção e à manutenção de Guantánamo, pelos Estados Unidos,
se sustém. O erro de um não pode nunca abonar o erro de outro. Não há justificativa
para a matança de estudantes na China, entre tantos outros horrores praticados
todos os dias. Aqui, não matamos estudantes, mas, devemos perguntar: prepará-los
do jeito que são preparados, quero dizer, mal, é prepará-los para a vida?
E isso não é coisa de agora! Lembro meus tempos de colégio. Difícil de aprender,
muitas vezes apelávamos para a cola, e dávamos graças a Deus quando o professor
fazia vista grossa. Hoje sei: ele deixava passar, porque de algum modo reconhecia
não poder ensinar melhor. A diferença de hoje, quando o processo de não saber
dos conhecimentos básicos está autorizado, é já ninguém se sentir culpado,
pensando que tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis,
como imaginava o Prof. Pangloss, de Voltaire. E agora, quando em Bolonha
querem privatizar a Universidade, entregando-a aos financistas e aos industriais,
é para melhorar o nível de ensino, ou é para os alunos aprenderem o que interessa
a quem paga? E pensar que por aqui isso vem acontecendo há tanto tempo que
até já parece natural!
Soube de pessoas frustradas com a conferência, e eu, de certo modo, também.
Ouvi críticas à falta de reflexão em seu discurso. Pode ser! Por outro
lado, pode ter sido por seu discurso refletir tão bem a situação dos
kokuka bashar (حقوق بشر) no Irã que ela foi aplaudida em pé
pelo lotado Salão de Atos da UFRGS. Minha particular frustração foi de outra
ordem, seu discurso pareceu-me curto demais! Eu já conhecia Shirin Ebadi desde
o prêmio de Estocolmo, quando se tornou mundialmente reconhecida, e estava
muito curioso. Por outro lado, quando eu soube ser a cidade em que nascera,
Hamadã, a mais antiga do Irã, já não pude deixar de associar essa informação
com seu nome, também muito antigo.
Talvez a saudação inicial, feita por Olinda Allessandrini, tocando músicas
de nossa Chiquinha Gonzaga, da argentina Lia Cimaglia e da uruguaia Beatriz
Lockhart, tenha criado um clima idílico (apesar de uma discreta microfonia),
favorecendo minha associação com o nome de uma princesa do antigo folclore
persa. Conta a lenda que certa vez estando a princesa Shirin a banhar-se,
sob a luz da lua, em um lago formado por um braço de rio, nua, foi avistada,
de longe, pelo rei Khosrow. Embora apaixonado, ele não conseguia aproximar-se.
Ela vivia em um castelo muito bem vigiado e era muito difícil fazer-lhe a
corte. Foi quando Khosrow teve a ideia de mandar pintar seu retrato para dar
a ela. Acontece nessa época - muito muito antes do veneziano século XVI, quando
se começou a pintar retratos das pessoas, tal como elas eram -, no oriente,
as pessoas, vale dizer, os príncipes, serem retratados todos com a mesma
cara. O argumento era de que, se diferente fosse, seriam facilmente reconhecidos
e assim presa fácil de bandidos. Vejam só! Pois Khosrow manda pintar seu
retrato e, com a ajuda de seu fiel valete, Shapur, dá um jeito de pendurá-lo
em uma árvore sob a qual Shirin descansava de um passeio no campo junto com
suas aias. E o mais incrível: ela olha para aquele retrato, igual a todos
os retratos, e se apaixona justamente por Khosrow. Bem, o final, depois,
é trágico, como tendem a ser todas as histórias de amor. Mas naquele momento
da conferência, junto com todo aquele público, parecíamos todos um só Khosrow (com algumas exceções, claro), apaixonados
por aquela nova Shirin desnudando a situação das mulheres, dos homens, dos
jornalistas presos, dos escritores censurados, dos advogados presos por defenderem
os injustiçados, envolvendo nossa atenção e pedindo-nos ajuda. Para quê?
Em última instância para que respeitando o direito dos outros tenhamos assegurado
também o respeito aos nossos próprios.
Muito obrigado, Shirin Ebadi.
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Shirin Ebadi
Fortuna crítica:
Hilda Simões Lopes Costa:
Parabéns, percebemos a qualidade da palestrante num texto com imagens e reflexões.
Virgínia Helena Vianna Rocha:
Muito bom o texto. Beleza de foco - a nobre senhora
tem muito mais além do registro no passaporte; discute situação que é comum
e universal.
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