Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista

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05 XII 2011:
ILUMINURA TURCA*

Luiz-Olyntho Telles da Silva


Meu nome é Vermelho. Esse é o título do romance publicado por Orhan Pamuk oito anos antes de receber o Nobel, em dezembro de 2006. É uma história fantástica e, como uma pintura renascentista, vale por si só. Seu autor nasceu e vive em Istambul, que já foi Bisâncio, que já foi Constantinopla quando Constantino quis cristianizar o Oriente. Istambul (cenário do romance), às margens do Bósforo - cujo sentido de caminho de vaca, remonta à mítica Europa em sua passagem pelo famoso estreito no retorno a Fenícia -, é uma cidade no meio do mundo, entre o Oriente e o Ocidente, ainda Europa e já Ásia! A obra de Pamuk os aproxima.

Em seu discurso de Estocolmo, Orhan Pamuk, ao contar da herança de seu pai, nos diz dessa relação. Recebida a mala de documentos que ele conhecia desde criança, com os escritos do pai, sentam-se os dois para conversar, como de hábito, sobre coisas sem importância: a vida, os inesgotáveis assuntos políticos da Turquia, os projetos inacabados! E, ainda antes de examinar seu legado, nos confidencia uma lembrança de infância: certa vez, ao remexer nos papéis aí guardados, rescendeu uma fragrância de água de colônia e de países estrangeiros; respirou então os ares do mundo!

É disso que trata o romance do Nobel que hoje nos visita. Ambientado no ateliê de pintura de um Sultão, no século XVI, onde se faziam miniaturas e iluminuras para os livros destinados a imortalizar a vida dos nobres, seus personagens são os humildes artistas que, para pintar um cavalo tal como visto e desejado por Alá, precisam ter desenhado cavalos por cinquenta anos, conforme aos mestres de Shiraz e Herat. Mas constam ainda outros personagens menos ortodoxos, como uma árvore, ou melhor, o desenho de uma árvore, um cão, mas um cão, como os de Cervantes, que fala para os que são capazes de ouvi-los!  Não se surpreendam, passa-se o mesmo como o primeiro personagem a entrar em cena: um cadáver. E como conta coisas! Na verdade, os leitores já estão acostumados com os relatos póstumos de Brás Cubas. Alguns se lembrarão do amigo da Morte, de Pedro Antonio de Alarcon, contemporâneo do nosso Machado, e mesmo de Odisseu indo ao Hades para ouvir as recomendações de Tirésias já falecido. Mas isso é apenas literatura, dirão! Pois perguntem a um policial, quantas coisas um cadáver é capaz de contar? Claro, depende sempre de quem seja capaz de ouvir. E o que dizer da versão da história contada por uma moeda de ouro de vinte e dois quilates, um escudo otomano cunhado em Veneza?

O tema é o clássico amor e morte. Se o cadáver é um personagem, seu assassino também o é! Estamos frente a um romance polifônico, com diversos narradores, onde se nota claramente a interinfluência das diversas culturas. Através do desenho, antiga paixão do autor, ele mostra as influências sofridas, pelos iluminadores, dos árabes e dos chineses, assim como dos venezianos, retratistas de individualidades. Istambul é o lugar onde as influências se mesclam. Reconheço na narrativa a valorização do início do romantismo, iluminador das figuras mais simples e menos valorizadas da sociedade, para o quê a presença da moeda bem pode indicar, através do capitalismo emergente, uma estrutura social menos rígida e homogênea e com um sistema político menos absolutista e mais democrático capaz de aumentar a liberdade de escolha individual. Mestre Cegonha, um iluminador, por exemplo, havia amealhado, em três meses de trabalho, outros quarenta e sete escudos de ouro iguais ao narrador. E a história de amor que nos encanta, entre Negro e Shekure, ela está baseada em uma antiga lenda persa, da Princesa Shirin e do Príncipe Khosrow que, apaixonado, se fez amar apresentando à Princesa um retrato onde ele aparecia, como era o costume da época, igual ao retrato de todos os outros homens. E o Vermelho? Um hápax legomena para falar do sangue sem o qual nada é possível na história. Um livro para ser lido.


* Publicado em ZH, no Caderno de Cultura do dia 03 de dezembro de 2011.





 


















































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