Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista |
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A QUEBRA-NOZES
Luiz-Olyntho
Telles da Silva
Vasos de barro somos nós,
quebradiços e achacados. (ALMEIDA GARRETT) Estamos passando as festas de Natal de 2009, festas da família e dos amigos. É assim desde muito tempo. Com neve ou sem neve, sempre estão o pinheiro de Natal, o presépio, os doces, a alegria das crianças e as nozes. Um tema sempre pungente. Setenta anos após a morte de Ernst Theodor Amadeus Wilhelm Hoffmann, em 1822, autor de O quebra nozes e o rei dos camundongos, Pyotr Ilyich Tchaikovsky apresentou, em 1892, o seu balé Quebra nozes, contando a história de Clara e o presente de Natal ganho de seu padrinho durante a festa organizada por seu pai, médico e prefeito da cidade: um quebra-nozes em forma humana, vestido com um uniforme militar. Corroído de inveja, seu irmãozinho termina por quebrar o braço do soldadinho, levando Clara a dormir abraçada com o boneco, e a sonhar. Agora, é a segunda parte do balé: na sala transformada em floresta, Clara é atacada pelos camundongos e o soldadinho, transformado em capitão de um regimento, investe contra o Rei dos Camundongos, pondo-os em fuga. Uma lágrima de Clara desfaz o encanto e o soldadinho de madeira revela-se um príncipe que a leva de passeio pela Terra Encantada, seguindo um roteiro parecido ao que o autor já desenhara no mapa de mademoiselle de Scudéri: da Terra da Neve, com seus flocos dançantes, passam à Terra dos Doces onde o pas de deux dançado pela Fada Bombom com o Cavalheiro, em homenagem aos viajantes, é uma linda alegoria do que passa em seu coração. Já desperta, Clara leva o quebra-nozes quebrado para ser consertado por Herr Drosselmeyer, seu artífice, que neste momento está envolvido com o sobrinho em quem ela reconhece o sonhado príncipe. Pois outro dia, eu mesmo, às voltas com um quebra-nozes, enquanto ouvia a história de uma mocinha, cuja avó quebrava, por dia, sessenta quilos de nozes, no muque, ocorreu-me perguntar se ela sabia como tirar a noz inteira, sem quebrar aquele minúsculo cérebro que tem dentro, uma antiga curiosidade minha. E a resposta foi de que a mocinha passava por longe do trabalho de sua avó, não querendo saber de nada disso! E então a conversa mudou para recente debate na televisão, sobre o Ato Médico. Foi no seu desenrolar que me ocorreram as histórias de Hoffmann e a da netinha da Quebra-nozes. No debate, a discussão parecia ser antes em torno do quem pode mandar do que quem pode fazer, com o moderador claramente do lado do Prefeito, quero dizer, do Médico. Bons tempos aqueles quando o que fazia era convidado a também participar, e gerava personagens nobres. |