Luiz-Olyntho Telles da Silva
Psicanalista |
|
Garrafas
ao mar A propósito do documentário televisivo homônimo sobre Joel Silveira (1918-2007) Produzido e apresentado pelo canal Globonews, no domingo, 3 de fevereiro de 2013, às 10h20m. Dirigido por Geneton Moraes Neto. Luiz-Olyntho Telles da Silva
Porto Alegre, 06 de fevereiro de 2013 Gosto
da expressão garrafas ao mar. Ela diz ao mesmo tempo de uma
solidão e de um desejo, quase impossível, de estar com o outro,
de ser ouvido e reconhecido pelo outro. Ela é parenta dos oximoros.
Quem embarca suas mensagens nas garrafas sabe que elas competirão,
inexoravelmente, com os pélagos existentes entre um e os outros. O
reconhecimento dessa dificuldade costuma ser o primeiro passo das viagens
bem sucedidas.
Geneton
Moraes Neto reconheceu-as. Seu tema, a vida e a obra do jornalista Joel Silveira,
subscreve-se ao capítulo fundamental das humanidades, a memória.
Joel Silveira encarna, para esse Diretor, a memória da memória.
Ao deixar claro o profissional honesto que ele foi, a boa pessoa reconhecida
por seus pares e amigos, Moraes Neto assume uma posição, define-se
por um lado. E esse lado, ele o estabelece de entrada quando fala de Darcy
Ribeiro: mesmo fracassando na defesa dos índios que ele tanto estudou,
especialmente os da cultura kadiwéu, sempre preferiu estar do lado
dos defensores dos índios, do que do lado dos outros, do mesmo modo
que, embora fracassando também na defesa da educação,
em nosso país, preferiu estar sempre do lado dos que a defendiam, do
que do lado desses que a usam apenas como promoção política.
Por essa linha, segue com as entrevistas a Nelson Rodrigues, a Carlos Drummond
de Andrade, a João Cabral de Melo Neto que, nem por ter seu poema
Vida e Morte Severina festejado pela mídia o considera
sua melhor obra. Nessas entrevistas iniciais, na escolha dos curtos trechos,
Moraes neto vai dizendo de sua visão de mundo, por exemplo, quando
tenta entrevistar o Presidente Ernesto Geisel, que, ao negar-lhe uma entrevista,
confessou, aos ouvidos atilados do jornalista, quem ele era! Moraes Neto sabe:
do que está pode-se chegar ao que não está! Sua passagem
por Fernando Sabino, um mestre da crônica, e por Paulo Francis, ajudam-no
a melhor caracterizar seu retratado Joel Silveira.
O que
queremos dizer deve ser encaminhado de uma determinada maneira. Como no jogo
de xadrez, há saídas clássicas as quais, dependendo da
escolha, levam por um atalho ou por outro até o emaranhado da selva
escura do meio do caminho, onde cada um precisa exercer sua criatividade.
Por isso, Geneton começa seu documentário mostrando a baía
de Copacabana, a linda baía de Copacabana. Como na maravilhosa fotografia
do entardecer, seu filme nos mostra o ocaso de um dos mais importantes jornalistas
brasileiros que aí viveu.
Joel
Silveira foi um jornalista e escritor da estirpe de Paulo Francis, Fernando
Sabino e Nelson Rodrigues, mas também foi um poeta da raça dos
Drummond e dos João Cabral, e um estudioso como os Darcy Ribeiro. Estava
sempre atento aos detalhes: as mãos lisas, quase femininas, os cabelos
sempre bem penteados e os trajes elegantes de Getúlio Vargas, cuja
distância das pessoas ele faz contracenar com a proximidade quase familiar
de Jânio Quadros que, se intrinsecamente elegante, conhecia como os
melhores teatrólogos o valor da boa caracterização de
um personagem! Geneton não deixa passar o respeito de seu colega pelas
diferenças individuais, mesmo quando se trata da idiossincrática
ojeriza de Ruben Braga pelo som das cordas de um violino. Repórter
de guerra, em meio à carnificina, Silveira identifica por nome e sobrenome
um sargento metralhado enquanto esse, os dedos cruzados sobre o ventre, dava
seu último suspiro. Seu relato é tão terno e comovente
a ponto de levar, anos mais tarde, a filha desse valente soldado a uma visita
de agradecimento ao jornalista. Quando todos pensam no ideal de um amadurecimento
rápido, Joel Silveira que, por causa da guerra, amadureceu quinze anos
em dez meses, sente que esse tempo lhe foi roubado. Preferia ter amadurecido
passo a passo! Talvez isso possa lançar um pouco de luz sobre seu enigmático
sonho de estar sempre voltando para casa e não achar o caminho. A
casa não encontrada podem ser os anos considerados perdidos. Por outro
lado, porém, podemos ler aí um grande ensinamento filosófico:
não há retorno possível ao passado. Podemos voltar apenas
à sua memória.
Meu comovido agradecimento a Geneton Moraes Neto por ter nos propiciado, nos noventa minutos de seu documentário, essa importante memória de nossa história comum. |
Joel Silveira |