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Apresentação de
A
Lei Primordial
de
Franklin Cunha
Senhoras e Senhores
É um privilégio apresentar-lhes um livro do Dr. Franklin Cunha.
Ademais do privilégio, devo dizer-lhes que é também um grande prazer fazer
esta apresentação do seu A Lei Primordial, ainda que a responsabilidade
seja grande. Imaginem apresentar um livro que traz na quarta capa um elogio
assinado por ninguém menos que o nosso querido e respeitado Luis Fernando
Veríssimo, com fotografia e tudo. Um livro que é prefaciado pelo recém eleito
Patrono de nossa importante Feira do Livro, uma de nossas mais importantes
referências literárias – e não só de nossos pagos, diga-se de passagem –,
o eminente Prof. Dr. Donaldo Schüler. Imaginem só! Um livro que ainda tem
um importante Posfácio assinado pelo Dr. Paulo Canela, renomado Ginecologista,
Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Escritor de
rara sensibilidade. Embora todos sejam amigos pessoais do autor, o Canela
é ainda seu companheiro no Clube da Placenta, clube internáutico onde se
discute temas da mais alta relevância obstétrica, ginecológica e social,
muitas vezes temperados com o mais fino humor. Pois Canela tem um livro chamado
Compadre Bastos, onde uma crônica intitulada Sexo, cópulas
e salários começa assim: “Sábado. Chuva fina. O Rio de pijama. Ponto
facultativo nos bares e feriado na areia e no mar. Nada para fazer e cada
um a falar húmido como o dia. Sem qualquer perspectiva, sorrateiramente,
vinham as dúvidas e as inquietações.” Que lhes parece? Eu acho uma beleza
o modo como ele rapidamente compõe uma cena. Pois ele encerra sua advertência
ao livro do Dr. Franklin assim: A Lei Primordial nos mostra que seu autor
nunca se completará e que continuará sem tréguas em busca do inalcançável
e “doce mistério da vida”.
Pois me parece que este é o ponto a destacar e a elogiar neste livro: sua
incansável busca pelos mistérios da vida. Ao fazer isto ele se inscreve na
linhagem de um Galeno, me refiro a Cláudio Galeno que foi médico em Roma
no segundo século de nossa era. Pois Galeno costumava dizer que Ou ameinon
iatros kai filosofos, que o médico, em seu melhor, é também
um filósofo. A Sofia, o saber aqui é este apontado pelo Dr. Paulo
Canela, a do reconhecimento de que a aprendizagem nunca se completa. Galeno
aprendia com seus pacientes. Com um deles, talvez o mais famoso, o Imperador
Marco Aurélio, que exigia fosse o próprio Galeno a verter os remédios que
receitava, aprendeu que o médico ao receitar, receita-se a si mesmo. Por
isto a necessidade de buscar um cada vez maior conhecimento de si mesmo.
O valor disto nós encontramos já em seu prefácio. E neste momento tenho de
confessar-lhes meu gosto pelos prefácios. Em geral aí já se mostra o estilo
do autor e o que virá pela frente. Em geral é nesta passagem que o leitor
se decide pela continuação da leitura ou por sua aposentadoria. Pois nesse
momento de seu livro o Dr. Franklin já nos revela sua sagacidade: começa
desfazendo um pouco da importância dos prefácios, lindeiros das oratórias
de sobremesa, dos panegíricos funerários, uma crítica lateral enfim. Mas,
atenção! Ele diz isto de mãos dadas com Borges. E ao assim fazer ele logo
nos avisa que sua referência primeira é Jorge Luis Borges. Borges é para
ele aquele que sabe das coisas. Depois vem Montaigne, seu amigo Veríssimo,
o Acadêmico Moacyr Scliar, o Historiador Voltaire Schilling, orelheiro
de seu livro anterior, Deusas, Bruxas e Parteiras, mais o Décio Freitas
de saudosa lembrança, o agudo Sérgio da Costa Franco e o nosso inesquecível
Drummond. Pois é! E em meio a tudo isso, como que cercado por tudo isso,
está uma discreta referência a amizade. O Franklin pede que os amigos que
lhe prefaciam o julguem autêntica e severamente. Pois posso dizer-lhes, acho
até que posso assegurar-lhes, que para o Dr. Franklin Cunha, que para o Fran,
os amigos são para isto, instrumento de crescimento e desenvolvimento pessoal.
A amizade é para o Fran um caso mesmo muito sério. Neste propósito, sua citação
de Montaigne sobre os ensaios me catapultou a um outro ensaio do mesmo autor,
porém sobre a amizade, um ensaio em que tomava em consideração a Aristóteles,
estudo este que depois foi retomado por Jacques Derrida - a quem presto aqui
também minha póstuma homenagem - no seu Políticas da amizade, resultado
de um seminário ditado nos anos 1988-89. Aí, em cada seção, ele partia sempre
do mesmo apotegma aristotélico Oh meus amigos, não há nenhum amigo!,
para depois, em um dos seus seminários, acrescentar: Isto é uma coisa
que só se diz aos amigos. Mas eu diria que não é assim que o Fran entende
este assunto. Para ele, com os amigos não é preciso discutir a amizade. Para
ele, como para Borges, a amizade é uma coisa que se vive. Acredito mesmo
que isto possa ter algo a ver com sua preferência por este conto das Ficções
de Borges, o Tlön, Uqbar, Orbis Tertius. Pois aí Borges nos conta
de como se passava a amizade de seu pai com Herbert Ashe que, em vida, conforme
nos conta Borges, padeceu de irrealidade, assim como tantos ingleses; morto,
não se tornou sequer o fantasma que então já era. Parece ainda que este Senhor
Ashe era viúvo e sem filhos e que ia de tantos em tantos anos à Inglaterra
para visitar um relógio de sol e uns carvalhos. Diz o Borges que era uma
destas amizades tipicamente inglesas que começam por excluir a confidência
e que em seguida omitem o diálogo. Costumavam trocar livros e jornais e jogavam
xadrez, taciturnamente...
Pois é isto. Se gostarem do Prefácio sigam com a leitura. Eu segui e gostei,
o que vem depois é ainda melhor.
Muito obrigado.
Luiz-Olyntho
Telles da Silva
P.Alegre, 15 de outubro de 2004
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