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ORELHA PARA
A LEI PRIMORDIAL
de
Franklin Cunha
Porto Alegre, AGE, 2004.
Ars longa, vita
brevis. Cantado em verso pelo Maestro Antonio Jobim, o aforismo de Hipócrates,
lido por Sêneca, é cantado em prosa pelo Mestre Franklin Cunha. Desde o ângulo
de sua especialidade, a Ginecologia e a Obstetrícia, ele nos dá sua visão
de mundo. Aí estão a Medicina e a Arte, mas também a Arte da Medicina. Como
um especialista, ele fala da mulher, da procriação e dos filhos, da Vida.
Mas ele logo nos faz saber, contudo, que seu conceito de especialidade é
- digamos assim - de amplo espectro. Para chegar ao seu objeto de trabalho
ele nos mostra neste seu A Lei Primordial a importância de conhecer
o objeto desde suas mais remotas origens e em toda sua abrangência, tanto
social quanto política e econômica. Assim ele vai examinando os problemas
da humanidade desde a Vênus de Willendorf, hoje com 30.000 anos, passando
pelo longo período da humanidade em que o homem não reconhecia a relação
entre coito e nascimento cujos vestígios são encontrados ainda hoje. Daí
o conseqüente endeusamento das mulheres, o que não as impedia de serem vítimas
da gravidez e do parto tanto quanto os recém-nascidos impedidos de ver a
luz. Por que, com toda a evolução, a mortalidade infantil, e mesmo a materna,
mantêm ainda números tão alarmantes?
A preocupação não é de hoje. Na Idade Média, o Concílio de Trento inventou
o Limbus Puerorum, um lugar intermediário entre o céu e o inferno
para abrigar as almas dos recém pagãos. E hoje?
Conseqüência do que fomos, o autor retoma os pressupostos da arte rupestre
e suas relações com a retórica. Examina as vicissitudes de Eva e também as
origens da fala e do alfabeto, sem descurar que a estrutura de cada língua
é fruto da visão de mundo de cada povo.
A mulher não é apenas objeto da Ginecologia e da Obstetrícia, é ainda antes
enigma em todos os tempos e para todos. Centrado nela está o enigma da vida.
Daí que interessa saber por que somos como somos, como é a composição da
mulher, seu corpo, suas doenças e a cultura na qual está envolvida. Para
isto, mesmo as teorias do cômico Aristófanes são consideradas e ele nos leva
ainda ao ano 1.000 para assistir os Cardeais da Igreja, reunidos no Concílio
de Macon, discutindo sobre o lugar da mulher. As aventuras de Ra e Athor
também são consideradas assim como as da Morte Rubra, de Poe. E a
Deusa Tara aparece frente aos nossos olhos em toda sua doçura e sensibilidade,
como um suave fruto do engano.
Centrada na mulher, a cultura implica o homem diretamente. Entre os dois
a atração de Eros, mas também as interdições decorrentes da lei primordial:
a barreira contra o incesto. Para examinar estas relações, ele lança seu
olhar sobre intimidades como a de Alfonsina Storni, tanguista, poeta e jornalista
argentina e seu amor pelo poeta Horácio Quiroga, onde se pode ler também
a presença do Quiron, conhecedor profundo da medicina e outros tantos saberes.
Os êxtases de Santa Teresa d’Ávila também são considerados e mesmo o sexo
de Deus não é deixado de lado.
O texto do Dr. Franklin nos revela um pesquisador incansável na busca de
detalhes que possam nos ajudar a compreender o mundo em que vivemos. Ele
se coloca assim como conseqüência de uma linhagem que, tendo passado por
Giovanni Morelli, Arthur Conan Doyle e Freud, remonta suas origens a dicotomia
de um Heráclito sendo que Platão, Descartes e o poeta Horácio não lhe são
nada estranhos. Ele nos mostra então, entre outras coisas, que na noite de
24 de agosto de 1572, enquanto eram massacrados milhares de protestantes
franceses por ordem de Catarina de Medicis, fugia para a Inglaterra o médico
Guillaume Chambellan, cuja descendência inventará o fórceps salvador de tantas
vidas. A importância do fato não lhe impede, contudo, de criticar a atitude
dos inventores ao procrastinarem na entrega da invenção à comunidade médica,
uma atitude que certamente teria merecido o prêmio igNobel.
Quando suas críticas apontam para os cuidados com a saúde e com a saúde pública,
os exageros da indústria farmacêutica e o uso inadequado de grande número
de exames médicos, elas são fortes e podem ser polêmicas, mas certamente
são bem fundamentadas. Se ele critica um Johan Friedrich Blumenbach por seus
esdrúxulos critérios ao classificar as raças humanas, não deixa de considerar
as sábias reflexões do filósofo Sir Isaiah Berlin, quando ele nos diz que
a verdade pode estar mesmo com nossos antagonistas.
A Lei Primordial é um livro de um médico preocupado com a
saúde de nossa cultura e nosso tempo, um livro a ser lido por todos os médicos
e certamente por todas as pessoas ocupadas em melhor conhecer o mundo em
que vivemos.
Luiz-Olyntho
Telles da Silva
Porto Alegre, 9 de agosto
de 2004
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