Luiz-Olyntho Telles da Silva
Psicanalista |
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O POSITIVO E O NEGATIVO
Luiz-Olyntho
Telles da Silva
Nossa cultura adora novidades. No campo da Psicologia, os estudos mais recentes apontam a psicologia positiva. Um esforço para os psicólogos contemporâneos adotarem uma visão mais aberta e apreciativa dos potenciais, das motivações e das capacidades humanas (Sheldon, K. M. e King, L. (2001). Why positive psychology is necessary. "American Psychologist", 56(3), 216-217). Uma proposta bem interessante, embora não seja nova. Nova é a denotação do termo, agora empregada com base em nossa formação moral: positivo é o bom! A nova psicologia positiva busca a felicidade! Critica-se aí, embora sem muita detenção, as correntes mais atentas à doença, como a Psicanálise, e privilegiam os psicólogos humanistas, como Carl Rogers, Erich Fromm e Karl Jung, cujos estudos teriam aberto o caminho para a conquista da felicidade. Como a própria proposta aconselha, o positivo consiste em por, em adicionar, em somar algo que não estava. Isso é uma coisa que acontece, independentemente da conotação moral. Na linguagem fotográfica, por exemlo, o positivo é a revelação do negativo; o que não está no negativo não tem como aparecer no positivo. Do mesmo modo, é impossível ao sujeito reconhecer o que ainda não tem referência. As novidades nem sempre estão mal. Lembro-me, por exemplo, de quando surgiu a teoria da atribuição: sofrendo enormes prejuízos com os vendavais, tanto em vidas humanas como em bens materiais, impotentes frente às forças da natureza, alguns psicólogos, entre eles Heider (1958), Jones & Davis (1965) e Kelley (1967), chegaram à conclusão de que quando o homem se atribui alguma responsabilidade em seu infortúnio, independente dos fatores externos, essa atitude pode proporcionar-lhe melhores condições de vida e sobrevivência. Assim, não podendo nem interromper, nem desviar, nem diminuir a força do vento, os moradores daquela região da Flórida, regularmente assolada por furacões, abatidos por tantas perdas, cansados de se tomarem por vítimas, começaram a olhar para si mesmos em busca de outras saídas e terminaram por construir abrigos subterrâneos, fazer construções mais sólidas e contratar seguros contra as calamidades. Depois de encontradas, as soluções parecem simples. E é o que costuma acontecer quando o sujeito olha para dentro de si e faz as perguntas certas. Sem esse gesto inicial, de reconhecimento de uma impotência, é difícil que uma palavra vinda de fora, mesmo dotada do mais bem intencionado gesto positivo, possa ajudar. Quando inventou a Psicanálise, Freud não descurou da importância do positivo. Entre outros lugares, quando fala da Modernidade [Zeitgemässes] de guerra e morte, em 1915, ele deixa claro que no inconsciete não há lugar para o negativo, motivo para o qual, aí, ninguém acredita na morte. As pulsões entram no inconsciente sempre de modo positivo, por acréscimo. Leonardo Da Vinci dizia que as artes se davam per via de porre e per via de levare. As primeiras são as cosméticas, positivas, como a pintura, a formação da cultura e a própria constituição pulsional, quando se acrescenta algo; as segundas, negativas, como a escultura, e mesmo a Psicanálise, são aquelas que, ao retirar-se um excesso, deixamos aparecer o subjacente. Ao publicar Da miséria neurótica à infelicidade comum (Porto Alegre, Movimento, 1989 [1ª ed.] e 2009 [2ª ed. revista, corrigida e ampliada]), posicionei-me na contramão da dita psicologia positiva. O título de meu livro expressa o escopo da Psicanálise, tal como proposto por Freud. Como se vê, não buscamos a felicidade como meta, como estado permanente. A felicidade é feita de pequenos momentos, em geral quando a proporcionamos a outro, e, como a cura proporcionada pela Psicanálise, vem por acréscimo. Oferecer a felicidade seria como oferecer a ilusão. Prioritário, do ponto de vista psicanalítico, é reconhecer no infortúnio de nossa condição humana, não um voto particular dos deuses que querem nos fazer sofrer pela culpa de ter nascido, mas sim uma condição para todos. É por reconhecer esta condição de impotência, de solidão, de abandono, que o homem se agiganta ao tornar-se criador de novas soluções. Não requer que se lhe ofereça outras saídas. Se para as crianças temos de dizer como é a vida e apontar-lhes seus compromissos, para um adulto já não temos esse direito. Aí estamos. |
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