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Razão e sensibilidade.
Comentário sobre
ILUMINURA TURCA e outras crônicas
de Luiz-Olyntho Telles as Silva\ EDA – Edições do Autor, 2015.
Virginia H. Viana Rocha
A palavra serve ao exercício da profundidade e ao domínio da razão quando
convoca ao ensaio. A sensibilidade, na palavra, é a permanência do transitório
- aparência atual do passado - quando evoca a criação de lembranças na crônica.
A razão assemelha-se ao corte cirúrgico; preciso e rigoroso na dissecação
interna. Depois, devolve as correlações à superfície recomposta. Residual
presença na cicatriz da cura ou forma-pensamento do autor. Aos seres
e lugares imateriais chega-se por fragmentos - roubados na legibilidade paralisada
no tempo - nas ausências.
O dilema ao utilizarmos sensibilidade e razão, na liberdade permitida nas
crônicas, está no equilíbrio de preservar a pureza dos significados sem estabelecer
predomínio de um sobre outro. Esse aspecto, ao meu juízo de leitor, é o grande
dom do recorte havido na escrita que está no conjunto de Iluminura Turca.
A razão é iluminura (lógica articulada no ensaio) ou recorte das peças - sempre
desigual - para ajuste com outras na composição de quebra-cabeças. Apropriação
dos afetos, havidos na experiência do passado, é entendimento do que foi
posto a salvo quando transmitido na atualidade. E, assim sendo, não há coincidências
ou justaposições aleatórias no texto das crônicas o que nos obriga a passar
ao espaço da disponibilidade que transforma a palavra (signo fechado) em
sensação - kairós - no curso da linguagem (sinal aberto). Exatamente,
aqui, encontramos a fluidez do encarte - preciso no quanto formatado (conformado,
talvez) – para haver o rastro da posse na vida privada em várias camadas
de significados (quiçá, vagalumes).
Luiz-Olyntho Telles da Silva dá ao efêmero (passado) a permanência da memória
(presente e futuro) sem transigir com a existência das perdas (luto) em estilo
culto e leve como requer o estilo na espécie-crônica.
De fato, há extrema depuração na apresentação dos textos, em gradual crescendo,
na linha ajustada na marcação das datas nas quais criadas. Percebe-se, no
conjunto, refinamento do olhar sobre o cotidiano até a explosão da intimidade
ao universo (a última no livro). As crônicas ressoam como Um brilho de
aluguel*, finda minha leitura nas datas nas quais criadas as crônicas.
Porto Alegre, Novembro de 2015.
*O bêbado e a Equilibrista
Elis Regina
Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos
A lua tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel
E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil
Meu Brasil!
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Que sonha com
a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora
A nossa Pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses
No solo do Brasil
Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar
Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar
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VIRGINIA H. VIANNA ROCHA é poeta e advogada. Exerce em Porto
Alegre.
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