Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista |
CONTOS
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A FORMATURA Luiz-Olyntho Telles da Silva
Fevereiro, 2018 Ah! O cinema.
Quem não gosta? Eu o adoro desde sempre. Acho que foi meu pai quem
pela primeira vez me levou ao cinema. Mamãe não gostava muito,
mas ele sim, era um aficionado. Embora não tenha lembranças
de infância, lembro-me de acompanhá-lo, à noite, por
volta dos doze anos, e isso fazia sentir-me gente grande. Gostava tanto que
ganhei um Cine Barlan, cujas fitas eram desenhadas em papel e funcionava
com uma manivela. Canini, o grande cartunista, meu colega de colégio,
uma vez desenhou um filme para mim, uma partida de futebol em que a bola,
com vida própria, infernizava os jogadores, ora escondendo-se deles,
ora puxando seus calções. E nós nos divertíamos.
Lembranças
como essas nós as guardamos no coração, embora alguns
digam que não se pode confiar na memória! Mas não concordo!
No meu modo de entender, ela é de grande ajuda na construção
do mundo de cada um. Pensei nisso ao dar-me conta de como é difícil
aceitar que o mundo não seja exatamente como pensamos. Somos mesmo
capazes de brigar por isso, tamanha a confiança demonstrada nessas
horas em nossa memória, pois é ela quem corrobora as ideias
conformadoras de nosso mundo. Pensando assim, posso acreditar que o mundo
tenha sido feito em seis dias. Às vezes penso até que construí
o meu em menos tempo, e melhor, embora reconheça não estar
pronto! Sempre que posso, dou uma melhoradinha aqui e ali, e até acrescento
algum apêndice copiado de outros mundos. Amei, por exemplo, quando
o Aldyr Garcia Schlee contou os filmes de sua lembrança alterando
os artistas por aqueles que, na sua imaginação, representariam
melhor o papel de certos personagens. Ruy Castro, aliás, é
outro dos autores de minha admiração que também gosta
de trocar os atores dos filmes; para a película O vento será
tua herança, dirigdo por Stanley Kramer, em 1960, para o papel
do irreverente crítico H.L.Menken, em vez de Gene Kelly, ele preferia
um Walter Matthau, com toda a razão. No final, imagino ser assim que
se constrói o mundo, com uma ideia de um e outra de outro, mas sempre
com tempero próprio.
Outro dia,
por exemplo, assisti à Caminhando nas nuvens. Uma história
de colonos espanhóis plantadores de uva e fabricantes de vinho. Uma
história que poderia passar-se na Serra gaúcha. Anthony Quinn
fazia Don Pedro Aragon, pai de Alberto Aragon, representado por Giancarlo
Giannini, e avô de Victória Aragon, representada por Aitana
Sánchez. Com exceção de Giancarlo, em minha opinião
todos os outros representaram muito bem seus papéis. Se fosse para
trocar algo, seria o nome e a origem da família. Com nome italiano,
eu a situaria nos arredores de Bento Gonçalves. Mas os atores não
os trocaria, nem mesmo o Keanu Reeves, no papel de Paul Sutton, o herói
de guerra bonzinho. O beijo dado por ele na mocinha, durante a lagarada,
quando eles mesmos participavam do pisoteio das uvas, foi emocionante. E
o melhor foi ter ativado a lembrança de outro filme, checo, se bem
me lembro, assistido ainda nos dias da Universidade, tempo de meus primeiros
amores.
Ao término
da Faculdade, diploma na mão, emprego garantido, motivos não
faltavam para os formandos comemorar. Os bares, os clubes e as ruas eram
pura música. Lovek, com a passagem no bolso para levá-lo, ao
amanhecer, à Žilina, sua nova cidade, onde o emprego de engenheiro
o aguardava, só pensava agora em se divertir. Um bom vinho era merecido.
Pois foi enquanto erguia um brinde imaginário, ao futuro, aos pais
ausentes, que seu olhar distraído cruzou com o de uma moça,
lá noutro canto do bar, dançando com as amigas, e ela o convidava.
O copo ainda no ar, mal podia acreditar. Era linda! Seus olhos acinzentados
eram os de uma gatinha. Quando viu, dançava com ela e logo a abraçava
e a beijava. Quando tinha sentido aquele carinho? Nunca! Agniezka também
celebrava. Formara-se em pedagogia e começava a trabalhar em uma
escola, próxima de sua casa, no início da semana seguinte.
Os beijos eram arrebatadores e Lovek só pensava em levá-la
para a cama. Mas a história se passava em meados do século
passado, quando a Checoslováquia ainda era uma só, e ir para
a cama, sim, disse ela, mas só casando. Lovek admirou-se, mas não
titubeou. Com o entusiasmo da segunda garrafa de vinho, quase falando pelo
gargalo, explodiu: — Pois eu caso com você! E abraçados saíram
porta afora, em busca de um juiz que os casasse, naquela mesma hora. Pois
não é que encontraram um juiz de plantão! E casaram!
Mas foi casar, sair do juizado, os amigos, que até aí os incentivavam,
irem para suas casas, e acordaram. A bebedeira passou, de repente, por completo.
Restava apenas um gosto incompreensível e a consciência do
ato impensado. Dia seguinte anulariam o casamento. Agora precisavam dormir.
Mas onde? Ele já tinha entregado as chaves de seu quarto de estudante
e suas malas já estavam no depósito da Rodoviária a
sua espera. Ela, então, o convida à casa dos pais. A esta hora
estariam dormindo e eles sairiam bem cedo. Mas os pais de Agniezka estavam
acordados. Esperavam-na. E ela, surpreendida, não sabendo como explicar
a presença de Lovek, um pouco atrapalhada, conta que haviam se casado.
Espantados, os velhos não sabem no que acreditar e Agniezka mostra-lhes
a certidão de casamento. Até então incrédulos,
seus pais agora exultam. Enquanto o pai abre uma garrafa de vinho para comemorar,
a mãe abre o sofá-cama da sala e prepara um leito conjugal
com seus melhores lençóis. Estão todos contentes, mas
é tarde e precisam se recolher, os pais para seu quarto e eles para
o sofá. Ficando a sós, Lovek propõe-se a dormir no chão
e aí estende uma coberta e o travesseiro. Tira apenas o casaco e,
enquanto se acomoda, as luzes principais já apagadas, inadvertidamente,
vê a silhueta de Agniezka que, por detrás de um biombo, tirava
a roupa... E se encanta outra vez. Em seguida, mal ela se deita, um barulho
na porta do quarto dos pais indica que alguém precisará passar
pela sala para ir ao banheiro, quase não dando tempo de Lovek correr
para a cama com cobertas e tudo. Enquanto o pai passa, pé ante pé,
Agniezka olha para o rosto de Lovek que, naquela meia luz, parece brilhar.
E dorme.
Na manhã
seguinte, quando Lovek acorda, Agniezka já está preparando
o café. Ele se aproxima dela e lhe diz: — Sabes, estive pensando,
vou procurar um emprego aqui em Praga. E ela, rapidamente, responde: — Não!
Também estive pensando. Vou para Žilina contigo.
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