Abertura
Biografia
Publicações
Traduções
Textos:
- Psicanalíticos
- Crítica
- Contos
- + recente
Fortuna crítica
Comentários
Atividades
Links
Contato
|
O filho eterno
Cristovão Tezza
Rio de janeiro, Record, 9ª ed., 2010, 222p
.
Comentários de
Luiz-Olyntho Telles da Silva
Muita gente anda no mundo
sem saber para quê: vivem, porque veem os outros viverem. Alguns aprendem
à sua custa, quase sempre já tarde pra um proveito melhor. Eu sou desses.
(J. SIMÕES LOPES NETO,
Artigos de fé do gaucho.)
|
O filho
eterno é um romance de amor, de amor e gratidão. O amor diz de
um primeiro tempo necessário às relações, e a gratidão é um jeito de dizer
que se aprendeu a lição.
Conta a história da construção de um escritor, em cujo percurso surge um
filho com uma malformação conhecida hoje como síndrome de Down. As críticas
a esse livro, inúmeras, de modo geral enfocam a questão da angústia gerada
no pai por um filho deficiente. Pois a mim esse romance conta também como
esse filho trissômico ajudou esse pai a transformar-se em um homem adulto,
em um homem, pode-se dizer, com todas as letras.
A narrativa está estruturada em torno de vinte e cinco capítulos, quase
tantos quantos eram os anos de vida do filho na data da publicação do livro,
2007. Supondo que o livro tenha começado a ser escrito dois anos antes, em
2005, a correspondência do número de capítulos com a idade daria a pensar
em uma homenagem a quem tanto lhe ajudou a chegar onde queria.
Em um primeiro momento ficamos com a ideia de que o único personagem a
ter nome próprio é justamente esse filho, Felipe, mas, ao final, depois
de termos chegado à última página do expresso 222 – como um crítico
batizou o romance –, vemos que não é bem assim: além dos nomes envolvidos
em seu primeiro amor (penúltimo capítulo), estão também os nomes dos escritores
que o ajudaram e serviram de orientação em sua rota. E não foram poucos!
Muitos aparecem uma só vez, outros de modo repetido, como o de Aldous Huxley,
talvez o mais reiterado de todos, seja diretamente pela menção de obras como
As portas da percepção, de 1954, seja principalmente pela
referência ao seu Admirável mundo novo, de 1932, no qual as pessoas
são feitas em provetas. Outros são aludidos apenas pelas suas obras, como,
por exemplo, entre os que reconheci, Kant, por meio de seus estudos da coisa
em si (p.41), Ivan Pavlov, estudioso dos reflexos
condicionados (p.45), Hergé, autor de As aventuras
de Timtim, por meio de um dos seus personagens, o Capitão Haddock
(p.197), e ainda outros, cujos nomes aparecem como
que ao acaso, não raro em grupos, como quando se refere à mítica Alemanha
dos livros que leu – Goethe, Thomas Mann, Günter Grass (p.97).
Felipe, junto ao nome de seus autores favoritos, irá fazer parte, para o
narrador, dos nomes-do-pai.
Goethe, a propósito, que ele cita assim, sempre en passant, tem uma obra
com muitos pontos em comum a O filho
eterno. Trata-se
de Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, o qual, se bem tenha
começado a ser escrito em 1777, como peça para teatro, só foi publicado
como romance por volta de 1806. Acontece esse romance ter inovado o campo
da literatura, com o que passou a ser conhecido como romance de formação,
o Bildungsroman. Vejam as coincidências: enquanto o personagem de O filho
eterno viaja
por [quase] todo o Brasil (e uma parte da Europa), o jovem Wilhelm Meister
viaja por toda a Alemanha, conhecendo suas cidades e povoados, em uma época
em que esse país não tinha a unificação de hoje, e sem o concurso dos TGVs. Ao contrário do personagem de Tezza, Wilhelm
logo descobre que não tem vocação para artista, quer ter uma vida simples,
casar e ter filhos. O auxílio para a consecussão de seus objetivos vem da
sociedade da Torre, formada por nobres que observavam e ajudavam a juventude
a conseguir seus ideais. Uma versão do iluminismo. Sua dedicação passa a
ser, então, a educação de seu filho, batizado de Feliz. Parece com
Felipe, não é mesmo? Embora Wilhelm Meister seja considerado pronto – pela
Torre –, quando decide ocupar-se da educação do filho, com o pai de Felipe
seu caminho em direção à maturidade começa quando ele assume a paternidade.
Mas, se quisermos classificá-lo como um romance de formação, teremos
de reconhecer também outras influências e, entre elas, a mais notável há
de ser a do fluxo de consciência. James Joyce, em cujo Ulisses não
se encontra nenhuma referência a um personagem trissômico (p.36), como nos conta, por certo é uma marca forte sobre
o autor.
Tem vinte e oito
anos de idade e ainda não começou a viver. É assim que o personagem
se autodescreve, ao receber a notícia de que o filho estava para chegar
ao mundo. Amanhã
ele seria tão novo como o filho (p.9).
Mesmo os capítulos não tendo título e não sendo numerados, os cinco primeiros
passam-se ainda na maternidade. Sobressai sua preocupação com o tempo e
a própria expressão do título, eterno, faz pensar em um tempo sem
marcas: embora o romance se desenvolva em um tempo cronológico, no primeiro
capítulo é mencionada a sensação de um tempo parado (p.14).
Mas, sem dúvida, com aquele filho, ele também estaria nascendo
(p.10). Durante a espera, pensa mais nele do que no
filho (p.12), e há uma grande esperança.
O lençol da maternidade é azul (p.11), o banco onde
se assenta para esperar é azul (p.13), o bonequinho
colocado na porta do quarto, no hospital, é azul (pp.24,
39), o céu é maravilhosamente azul (pp.36, 72, 79),
a capa do livro de orientação para pais de mongoloides é azul (p.67), o prédio da clínica tem linhas azuis (p.81), e, na fotografia, o macacão da criança é azul (p.129). Assim como hoje se classificam os capítulos do
Ulisses, de Joyce, pelas cores, podemos dizer que O filho
eterno é azul.
Esse azul há de ser da mesma tonalidade das montanhas suíças, nas cercanias
de Davos, onde Thomas Mann começou a escrever sua Montanha mágica.
Nesse romance, Der Zauberberg, de 1924, também um romance de formação,
um bildungsroman, no qual a subjetividade do tempo é um dos temas
mais importantes, o personagem central, Hans Castorp, passa igualmente os
primeiros cinco capítulos em um sanatório.
Felipe nasce em um 3 de novembro de 1980. Era primavera, era O filho da primavera,
como dizia seu primeiro poema realmente bom, composto um mês antes (p.12), mas ainda na primavera.
Mocinho, eu também pintei um quadro e batizei-o de Quando Deus fez a
terra com certeza era primavera. Anos mais tarde, deio-o de presente para
minha filha mais velha que também nasceu na primavera. E, quando nascemos,
não é sempre primavera? A etimologia de primavera deriva do latim
prima, primeira, e de ver, estação, a primeira estação.
Para quem nasce, chega sempre em sua primeira estação!
No presente momento, O filho
eterno está
sendo traduzido para diversos países, e, na França, por já haver um livro
com esse título, um livro religioso tratando da vida de Jesus, seu título
apareceu com o mesmo de seu poema: O filho da primavera.
Verdade que o filho eterno faz pensar em pai eterno, uma referência
comum ao nome de Deus, pai de Jesus, que com o Espírito Santo conforma uma
Trindade. Os números não aparecem em vão.
Com o nascimento do filho, em um dia 3, como indica seu preciso relógio
de relojoeiro, abre-se um novo tempo: fecha-se a porteira do passado,
abre-se a do futuro (p.25), um tempo do
qual nada se sabe. Áugure de ocasião, desconfia que o número deva conter
algum segredo (p.26). Com Felipe, agora são três na
família. O filho eterno é terno. Sua Majestade, Don Felipe, o terceiro,
confirma o casal (p.29). Mas o 3 é também, helás,
o da trissomia 21. Três por todos os lados! E seu mundo desaba. O seu primeiro
poema bom, agora, ficou ridículo. Apura-se seu senso de literatura (p.44).
Não era esse o filho esperado. Nem o poema. Se ele já estava autorizado
a não aceitar o filho, por Rousseau (p.20), que havia
deixado em um orfanato os cinco filhos tidos com sua amante parisiense,
e mesmo pelo velho Kennedy que escondeu do mundo, a vida
inteira, um filho retardado (p.45), a
ideia de que a criança poderia morrer logo tranquilizava-o secretamente
(p.39). Igor Stravinsky,
na sua Sagração da Primavera (p.128),
tomando a máscara do primitivo e do bárbaro, fala da imolação de uma jovem
ao Deus da Primavera para haver boas colheitas, criando uma obra inovadora
e abrindo as portas da música ao modernismo. Sempre é possível fazer algo
com o que não dá certo! Abrir as entranhas de alguém, com um punhal, para
daí arrancar um futuro (p.29), para ele agora é só
uma metáfora. E ele passa a observar atenta e cuidadosamente a criança,
aliás muito saudável
para alguém com aquela folha corrida (p.39).
Se de um lado está a esperança da iminente morte salvadora, de outro começa
a formar-se um laço. Afinal, qual cristão não nasce com uma pesada folha
corrida, plena de pecados a serem redimidos pelo batismo?
As coisas não são nada em si mesmas, é preciso que alguém diga como as
coisas são (p.41) e, surgida a hipótese de um erro
de diagnóstico (p.47), começa ele mesmo a interessar-se
pelo assunto. De seu descobridor, John Langdon Haydon Down (p.42), passando por Jerôme Lejeune (p.48)
que estabeleceu a relação da síndrome como a trissomia do cromossomo 21,
e mesmo Newton Freire-Maia (p.54) que estudou, em
Curitiba, os efeitos genéticos de casamentos consanguíneos.
Mas não! Em sua investigação de um possível erro, atravessa ainda a suspeita
de uma cardiopatia inexistente, mas o diagnóstico de trissomia se confirma
(p.65).
Estreita-se o laço entre pai e filho. Há que fazer algo. Começa a estudar
Jean Piaget, porém sob a luz esdrúxula da obra-prima de Horace McKoy (p.68), Mas não se matam cavalos? (They Shoot
Horses, Don't They?) A referência é a exaustão! Acostumado a ver-se sempre
como em um cartum, vê-se agora como um personagem de A noite dos desesperados
– como o livro foi alguma vez traduzido ao português, e como nos mostrou
Sydney Pollack, no filme homônimo de 1969. Nesta história, passada na década
de 30, os anos da depressão americana, um absurdo concurso de dança premiará
o casal que conseguir dançar continuadamente por mais tempo, mesmo que isso
leve o vencedor à morte. Aqui, ele já percebe, mas ainda não sabe, todo
o esforço que terá de fazer para ajudar seu filho a sair do atraso constitucional.
Contudo, entra na dança. Ambivalente, o contraponto ao esforço exaustivo,
é a imagem de Jeca Tatu, de Monteiro Lobato (p.69),
muito possívelmente apoiado no Caipira picando fumo, de Almeida Junior.
Tomada a decisão de ajudar o filho, o pai começa a se sentir melhor (p.89). Afinal, a maioria esmagadora dos
homens sofre de retardo emocional (p.74).
O tempo, que marcou tanto A montanha mágica, de Thomas Mann, o único
livro que ele imagina o filho lendo (p.107), recebe
agora, em O filho
eterno, a marca
da aposterioridade. De um ângulo, temos o tempo cronológico, linear,
e de outro o tempo lógico. O tempo de compreender, necessário ao
momento de concluir, nem sempre dura o instante de ver!
Algumas coisas da vida não chegamos nunca a compreender, e a maioria das
que alcançamos alguma compreensão só o fazemos depois, après coup,
como dizia Lacan resgatando o conceito freudiano de nachträglich.
O autor implícito começa sua denúncia da importância desse tempo ao referir
o descompasso (p.15) entre os sonhos do personagem,
quando faz referência a Rudyard Kipling. Diria que o personagem tem em mente
seu conhecido poema Se – em inglês, If. É como se,
nesse tempo, ainda não soubesse que questões com se só obtêm respostas
com se. Depois, ele continua, quando aparece sua dificuldade em lidar
com os afetos, ainda
sem reconhecer isso, engana-se pensando que frente ao ridículo do amor
é sempre mais interessante a delicadeza do humor (p.23). Só reconhecerá esse engano muito mais tarde, quando,
confrontado aos amores do filho, confessar, qual Epimeteu, o cretense, com
uma mentira: Comigo
o amor também chegou antes do sexo (p.203).
O próprio efeito da vida do filho em sua vida, ele, ao receber o impacto,
ainda não sabe (p.44). Ao assumir
a necessidade da dedicação ao filho, ele ainda não sabe,
é que começa a delinear-se para ele a ideia do que é um filho (p.68), ideia essa, digamos a verdade, que nunca se delineia
completamente para muitos pais. O sentimento de estar perdido, experimentado,
em algum momento, por todos os pais, frente aos impasses oferecidos pelo
tempo da educação dos filhos, também reconhece só depois, contudo, e isto,
mesmo sem saber, de algum modo já teria de reconhecer: se o problema é o filho,
ele, o pai, estará perdido (p.69). Logo
aprenderá, então, a importância da síndrome dos pais com filho
lesado (p.84). As diferenças, formadoras
do conjunto, ele tem de enfrentá-las, como todos, sem saber ainda
bem do que se trata (p.84). Os exaustivos exercícios
para corrigir e estabelecer posturas servem, tão bem como qualquer outro
recurso - ele se dá conta -, para a alienação do pai. De um lado, quer que
a criança trissômica conquiste o lugar de filho, mas, por outro, ainda não
sabe o que é exatamente um filho (p.95). Durante
um bom período da vida, o tempo, divagará anos depois,
é só a marcação do calendário (p.98). Ele ainda não
sabe que cada um tem o direito a uma interpretação própria do tempo. Ao Papa
São Silvestre I, do século IV, por exemplo, atribui-se a mudança dos nomes
dos dias da semana, de uma referência astronômica, para uma referência cristã,
embora haja também quem diga terem sido mudados esses nomes por influência
de Martinho de Braga, um bispo da Panônia (onde hoje é a Hungria), dois séculos
depois, que considerava indigno de bons cristãos continuar chamando os dias
da semana por nomes pagãos. Era preciso homenagear os filhos da igreja,
a freguesia (filiu ecclesiae) que a frequentava, desde a primeira
feira – que depois passou a se chamar domingo –, até a sexta-feira
(p.92). Mas quando escreve seu livro, ele não sabe,
de fato, o que está escrevendo (p.101). Se, no momento,
preocupa-se em levar o filho a um nível de normalidade, anos depois pensará
que quem precisa
mesmo de normalidade é o pai (p.127). E
então, na metade do livro, surge um momento em que descobre que é fácil ser altruísta quando
os filhos ajudam, e quando lhe vem na boca o gosto de fel do
ressentimento, ele já sabe o que é isso (p.128).
Como descobrirá dez anos mais tarde, o tempo [em si]
é um presente
absoluto (p.130). Não por nada, nesse momento,
lembra o nome dado à sua Relojoaria, em Antonina, CINCO EM PONTO, sua homenagem
a García Lorca (p.131). Neste poema – Ás cinco horas da tarde –, Lorca
fala da morte chegando às cinco da tarde, em ponto. A morte chega sempre
na hora certa. O touro já rasgou a cocha do toureiro e a morte já botou seus
ovos na ferida. A morte chega sempre em ponto. Chega, e ponto. O tempo já
era. E começa um outro tempo! Mas as coisas não são de uma vez para sempre,
e chega o momento do reconhecimento de que se as coisas não dão certo, mediadas por uma sucessão
de incompetências, na verdade é porque não é aquilo que se queria,
coisa que, se o personagem não sabe, sua alma já sabe (p.144).
Faz lembrar o estudo de Freud sobre a negação (1925). Freud, a quem
mais ou menos denega (p.91) e diz conhecer apenas
cacos (p.189), viu na negação uma forma particular
de repressão em que o reprimido aparece simultâneamente em dois espaços topológicos:
no inconsciente, que o sujeito não conhece, e no consciente, que ele conhece,
porém sob a forma de negação. Freud exemplifica com a frase de um analisante:
O senhor me pergunta quem pode ser a pessoa do sonho? Pois eu
lhe digo, não é minha mãe. Em O filho
eterno o autor
diz da importância deste tempo posterior falando do que antes o personagem
não sabia. Mas o conhecimento é uma terra prometida. Como Moisés, nós
chegamos às suas portas. Disse-o Huxley, disse-o William Blake: Se as
portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como
é: infinito. Ele reconhece que o filho desenha, que tem um traço original,
mas ainda não tem a dimensão da autoria (p.166). Afinal, quantos séculos, milênios mesmo, foram
precisos até que Jean Van Eyck assinasse seu nome na tela d’O casal Arnolfini?
Como diz Piaget, para perceber alguma coisa, é preciso ter uma referência
anterior. E um dia ele descobre que não tem mais tempo (p.115).
O nascimento da tragédia, de Nietzsche, faz-se ouvir. Se
um dia viu-se como um personagem otimista de Voltaire, como um Professor
Pangloss (p.37), para quem tudo vai pelo melhor
no melhor dos mundos possíveis, agora ele ouve pela primeira vez
rodar a engrenagem poderosa do tempo. Das fantasias que lhe ajudavam
a sobreviver por alguns dias (p.48, passim), defende-se
com as ideias de Leibniz: um dia tudo estará bem, eis nossa esperança;
tudo está bem hoje, eis nossa ilusão. Verdade que nessa época nasce
seu segundo filho, uma menina, mas verdade também que, distraído, registra
o nome da rua em que morava: Luiz Delfino. Poeta medíocre
(p.114), diz ele. Registre-se, contudo, que esse
poeta medíocre, médico e senador da República, foi por muitos considerado
o segundo melhor poeta do estado de Santa Catarina (onde também nasceu o
autor), atrás apenas de Cruz e Souza. Publicou seus poemas parnasianos,
de rima perfeita, nos principais jornais de sua época e foi considerado
pelos contemporâneos como Príncipe dos Poetas. Quando seu filho reuniu
sua obra, encontrou mais de mil poemas. Mais que um nome de rua, Luiz
Delfino constituiu para esse pai, cujo filho nunca leria seus livros,
uma tomada de posição frente ao tempo: era preciso fazer por si.
Se um dia se meteu em um derbi mckoyano, ainda que já desconfiado de que
se o problema
é o filho, ele, o pai, estará perdido, mas ainda alienado à solução,
às regras oferecidas pelo outro (p.69), chega um
momento quando, mediado pelo interesse sexual de Felipe, ele, o pai, dá-se
conta de uma impossibilidade metafísica, e reconhece: o meu filho não é uma criança
normal, e cada dia que eu mantiver na cabeça essa normalidade, uma sombra
que seja, como modelo e referência, eu serei infeliz, muito mais do que
ele próprio conseguiria ser; para meu filho, esse quadro de valor é radicalmente
inexistente. Eu sou o problema (p.199).
Enquanto não se reconhece como sendo o problema, mantém-se a interminável corrida de cavalos
(p.152), e o menino, bom na natação, também tem que
aprender as regras dessa corrida perpétua, tudo em nome da grande Vitória Final
(p.153). É só depois desse reconhecimento que pode
aceitar o ritmo do filho: quando Felipe não quer mais ser confundido
com criança (p.191), isso é uma coisa
que só poderá encontrar seu sentido no universo próprio de seu filho, e
não no dele, que então já não tem mais por que ser ele também um organizador
de corrida de cavalos.
Agora, esse pai já pode dizer algo como uma vez disse Cioran, nos seu Estragos:
Que tormento, mas também que alívio, quando se perdeu uma ilusão
para sempre. É o tempo de amar. É possível que no seu filho a ideia
de amor encontre a dimensão absoluta sonhada pelos poetas, o breve abismo fora
das agruras do tempo e do espaço, prazer transcendente e comunhão universal,
acompanhados da maior
solidão possível (pp.109-10).
É então que surge o futebol, esse nada que preenche o
mundo (p.218), essa irresistível coisa nenhuma
(p.219), como referência de uma maturidade possível
de Felipe. O imprevisível do resultado concorre para o conceito de futuro
e é preciso estar preparado para eventuais desonestidades dos árbiros e
para a frustração da derrota. Reconhecidas as diferenças dos times, de suas
camisetas, há espaço ainda para reconhecer os diferentes campeonatos. Se
o filho jamais vier a fazer companhia ao mundo do pai (p.221),
o pai pode eventualmente fazer companhia ao mundo do filho.
Presentes o Christian e toda a patota de fanáticos, começa a partida de
Atlético e Fluminense, transfigurada agora na primeira partida da Copa do
Mundo. Miriam Makeba abre os festejos cantando Pata Pata, e começa
a partida. Embora vá ser um jogo difícil, estão todos preparados. Vão ver o que é bom pra tosse!
Mas uma coisa é verdade, o amor vem antes do sexo (p.210).
|
Relação de autores para acompanhar a leitura:
Albert Camus, O homem revoltado.
Alexander Southerland Neill, Summerhill, a liberdade
sem medo.
Álvaro Cunhal, Obras escolhidas, A casa de Eulália.
Andy Warhol, (pintor).
Aristóteles, Poética.
Balzac, H., A comédia humana.
Brecht, B., A ópera dos seis vinténs.
Carlos Drummond de Andrade, José Fazendeiro do ar.
Cervantes, Don Quixote.
Charles Chaplin, Tempos modernos.
Collodi, As aventuras de Pinochio.
Conrad, J., Linha de sombra, O coração da treva.
Darwin, C., A orígem das espécies.
Dickens, C., Oliver Twist.
Dostoievski, F.M., Os irmãos Karamázovi.
Edmund Wilson, Rumo à estação Finlândia.
Ensor, James, (pintor).
Fitzgerald, F. Scott, Suave é a noite.
Freud, S., Obra completa.
Gabriel García Marques, Cem anos de solidão.
Ganhi, M., (político indiano).
Garcia Lorca, Poemas.
Geraldo Vandré, (músico)
Goethe, W., Fausto, Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister.
Graciliano Ramos, Vidas secas.
Grahan Greene, Nosso homem em Havana.
Grimm, Irmãos, Contos infantís.
Grouxo Marx, (comediante).
Günter Grass, O tambor.
Gustavo Corção, Lições de abismo.
Hamurábi, Código legal.
Heidegger, Ser e tempo.
Heirich Boll, O anjo silencioso.
Hemingway, Contos, Paris é uma festa.
Hergé, As aventuras de Timtim.
Hermann Hess, Sidarta.
Horace McKoy, Mas não se matam cavalos?
Huxley, A., As portas da percepção, O Admirável mundo novo.
Ibsen, H., O inimigo do povo.
Joyce, J., Ulisses.
James Matthew Barrie, Peter and Wendie.
Jean Piaget, O nascimento da inteligência na criança.
Jérôme Lejeune, Avanços médicos e psicopedagógicos
sobre a síndrome de Down.
Jerry Lewis (comediante).
John Langdon Haydon Down, Observations on an Ethnic Classification
of Idiots.
John Steinbeck, O inverno da nossa desesperança.
Jung, K.G., Obras completas.
Kafka, F., O processo.
Karl Jaspers, Filosofia.
Karl Marx, O capital.
Lamarca, Carlos, (guerrilheiro barsileiro).
Lamarck, Teoria da evolução.
Leibnitz, Sobre a existência.
Leonardo Da Vinci, (gênio).
Luiz Delfino, Obra completa.
Machado de Assis, Brás Cubas.
Marco Polo, O livro das maravilhas.
Mariguella, (revolucionário brasileiro)
Mendel, G., Ensaios com plantas hibridas.
Milton, O paraíso perdido.
Mirian Makeba, Pata pata.
Monteiro Lobato, Jeca Tatu, As reinações de narizinho.
Munch, pintor).
Newton Freire-Maia, (diversas publicações).
Nietzsche, F., A origem da tragédia.
Pavlov, Ivan, Os reflexos condicionados.
Peter Sellers, (comediante).
Platão, Diálogos, A república.
Rousseau, J.J., As confissões.
Rudiard Kipling, Se.
Sartre, J.P., A engrenagem.
Stravinski, I., A sagração da primavera.
Thomas Mann, A montanha mágica.
Thomas Stearn Eliot, Poemas.
Tolkien, J.R.R., O senhor dos anéis.
Van Gogh, (pintor).
Vargas Llosa, A cidade e os cães.
Vinícios de Moraes, Para viver um grande amor.
Virgilio, Eneida.
Voltaire, Candido.
Walt Disney, (desenhista e produtor).
Wilhelm Reich, A revolução sexual.
William Blake, O matrimônio do céu e do inferno.
William Faulkner, O some a fúria.
William Shakespeare, A comédia dos erros.
William Styron, A escolha de sofia.
Wilson Galvão Rio Apa, obra completa.
escreva aqui seu comentário
|