Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista |
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1.É o caso também da estrada
transacramentenha, uma vez que a nossa transamazônica só foi projetada
no governo Médici (1969-74).
2. GUTILLA, R.W. “Arte breve,
vida longa”. Revista da Cultura, nº 30, janeiro2010, p.21.
3. Arakida Moritake, um dos
mestres do Haicai, que provavelmente viveu entre os anos de 1473 e 1549, compôs
um haicai parecido, convencionalmente traduzido por:
Uma flor que cai – 4. Outro possível modelo
pode ter sido Victor Raúl Haya de la Torre, pensador e político peruano (1895
-1979)
5. De 22.11.2006 a 28.02.2007.
6. PAZ, O. O labirinto
da solidão e Post-scriptum. Trad.: Eliane Zagury, Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2ª Edição, 1984, p. 195
Relação de livros para acompanhar a leitura: 01. Albert Isaac Bezzerides Mercado de ladrões
02. Aldous Huxley Contraponto
03. Alexandre Dumas (pai) Os três Mosqueteiros
04. Alexis de Tocqueville Da democracia americana
05. André MalrauxA esperança (L’Espoir)
06. Aristóteles A condição humana Ética a Nicomaco
07. Charles Perrault A gata borralheira
08. Dante A divina comédia
09. Dostoievski Os irmãos Karamazov
10. George Ohnet O grande industrial
11. Gustave FlaubertSergio Panine Madame Bovary
12. Hesíodo Teogonia
13. Homero A odisséia
14. Jean-Jacques Brousson Anatole France em Pantoufles
15. Jean-Paul Sartre O ser e o nada
16. Jesús Galíndez A era de Trujillo: um estudo
casuístico de
Ditadura hispano-americana
17. John Reed O dez dias que abalaram o mundo
18. Luigi Pirandello Seis personagens a procura de
um autor
19. Luiz de Gôngora Fábula de Polifemo e Galatéa
20. Maquiavel O príncipe
21. Maurice Maeterlinck Pelléas et Mélisande
22. Octavio Paz O labirinto da solidão
23. Platão Diálogos
24. Paulo Setubal Confiteor
25. Samuel Beckett Esperando Godot
26. São Marcos Evangelho
27. Smedley Darlington Butler A guerra é uma raquete
28. William Hickling Prescott Conquista do México
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CONFERÊNCIA DE
Dr. LEONARDO GRIS
(Ex Ministro da Educação na República do Sacramento)
NA AMERICAN UNIVERSITY – WASHINGTON, D.C.
Apresenta-o um Professor do Departamento de Ciências Sociais, advertindo ao público de que as ideias emitidas pelo Dr. Gris não seriam necessariamente as mesmas da Universidade, sendo de inteira responsabilidade do orador.
Autor: ERICO VERISSIMO
In: O SENHOR EMBAIXADOR, Cap. 25, pp.223-32.
(Adaptação [discreta] de LOTS)
Senhoras e senhores,
Todo o conferencista que fala, nos Estados Unidos, sobre um país da América Latina, corre sempre o perigo de sucumbir à tentação de dizer coisas leves e agradáveis, dando ao público o que este, em geral, espera em tais casos: descrições de pessoas e paisagens exóticas, feiras populares animadas pelo colorido das frutas e flores tropicais, peças de cerâmica, tapetes e cestos feitos por índios... uma anedota aqui, uma lenda ou conto folclórico mais adiante... enfim, todas essas coisas que, em atraentes tricromias, os cartazes de turismo prometem à vossa compreensível fome de pitoresco...
(Pequena pausa):Estou porém decidido a não ceder a essa tentação. Vou fazer uma conferência realista e portanto desagradável. Possivelmente hei de parecer-vos agressivo e arrogante quando analisar a parte de responsabilidade que cabe aos Estados Unidos pela situação econômica, social e política da América Latina em geral e de meu país em particular. Preparem-se, portanto, para cinquenta minutos de impaciência e irritação.
(Pequena pausa):Como alguns dentre vós não ignoram, a República do Sacramento não passa de uma falsa democracia, como é o caso de tantos outros países de nosso continente. A liberdade de pensamento e expressão que seu Governo proclama lá existir é tão fictícia quanto suas duas casas do Congresso. O Sacramento é governado por uma oligarquia formada por umas trinta famílias proprietárias de terras, plantações e indústrias pastoris ou agrícolas, mancomunadas com duas poderosas companhias norte-americanas: a United Plantations Co. e a Caribbean Sugar Emporium. ||Juventino Carrera, o Presidente da República, é na verdade um ditador que goza do beneplácito dessa oligarquia e das citadas companhias estrangeiras. Esses poderosos grupos econômicos fazem vista grossa a todas as imoralidades || praticadas pelo Generalíssimo contanto que, em troca, ele mantenha o status quo econômico e social, esmagando com o apoio de sua polícia e de seu exército todo e qualquer movimento de oposição.
A Câmara dos Deputados e o Congresso do Sacramento || representam direta ou indiretamente os interesses dessas grandes famílias e consórcios||. Assim, o Congresso faz exatamente o que os donos do poder esperam dele. E a oposição? Seus chefes encontram-se exilados ou então apodrecem no fundo de cárceres, sem processo formado, sem julgamento, sem nada! E a imprensa? Os escassos jornais antigovernistas que existiam no país foram aos poucos desaparecendo, não porque o Governo os fechasse sumariamente ou porque exercesse sobre eles uma censura policial constante e insuportável. (Oh não! Pois não estamos numa democracia?) A destruição dessa imprensa livre foi levada a cabo por meios mais sutis. O Governo, que controla todas as importações, negou a esses diários da oposição uma quota regular de papel e assim os foi aniquilando, um a um. Outra maneira de controlar a imprensa é através da distribuição da publicidade, a maior fonte de renda desses jornais. E o diário que hoje ouse publicar qualquer notícia ou editorial lesivo aos interesses desses grupos econômicos corre o risco de morrer à míngua de anúncios.
E o que dizer do povo? A parte da população do Sacramento que sabe ler e é capaz de pensar reprova essa situação vergonhosa e opressiva, mas não dispõe de meios materiais para reagir pela palavra ou pelas armas. As massas, essas vivem intimidadas, embrutecidas pela miséria e pela ignorância, na mais pavorosa das alienações imagináveis.
[E nossos governantes?] O Generalíssimo, ele é um dos homens mais ricos das Américas, senhor de terras, plantações, imóveis, usinas, ações de companhias as mais variadas – presentes que ganhou em troca de vantagens concedidas a grupos econômicos nacionais e estrangeiros e prejudiciais aos interesses da nação. Seu apetite de lucro é insaciável. Calcula-se que tenha alguns milhões de dólares depositados em conta numerada num banco da Suíça, como é o caso de Gabriel Heliodoro Alvarado, que agora representa meu desgraçado país junto à Casa Branca e ao Conselho da OEA.
Juventino Carrera é um homem sem nenhuma grandeza. Revelou, é certo, coragem física e tenacidade na campanha revolucionária que chefiou vitoriosamente contra o ditador Chamorro. Isso, porém, não deve obscurecer o fato de que é um egoísta, vaidoso e vingativo, capaz de todas as crueldades e crimes. Na famosa Noite Trágica, em fins de 1951, entrou em Cerro Hermoso à frente de tropas rebeldes que o repuseram no poder, e fez questão de dirigir em pessoa um ataque ao jornal A Ordem, e ele próprio assassinou a tiros o redator-chefe desse jornal, sob o pretexto de que esse homem o tinha difamado em numerosos editoriais, durante o tempo em que |..| estivera exilado na República Dominicana, sob as negras asas de seu |..| compadre, Rafael Leónidas Trujillo!
Gabriel Heliodoro, por sua vez, é um dos mais simpáticos patifes que conheço. É também homem de extraordinária coragem pessoal, e até capaz, segundo me contam, de algumas generosidades. Mas trata-se de um simulador, dum mercador de influências, dum peculatário. Tendo, através de um casamento de conveniência, chegado a diretor dum estabelecimento outrora respeitável, o Banco das Antilhas, acabou por transformá-lo em uma casa de agiotagem.
(Pequena pausa,
seguindo com voz parentética):
(Tendes o direito de perguntar que espécie de homem é este que não tem pudor de dizer tanto mal do Governo de seu próprio país perante um auditório estrangeiro.)
(Inicia a próxima falaMas, senhoras e senhores, sejamos lógicos. Trata-se mais de uma questão de semântica geral que de ética. O vergonhoso não é || descrever com palavras a situação política, social e econômica da República do Sacramento. O vergonhoso mesmo é existir de fato essa situação.
abrindo os braços,
em um gesto dramático):
(Pausa para dar tempo ao público
de se reacomodar):
Já deveis ter ouvido falar muitas vezes em Puerto Esmeralda, a Joia do Caribe, cidade portentosa, com sua baia de águas glaucas, suas praias de areias brancas bordadas de palmeiras, seus suntuosos e confortáveis hotéis e cassinos, onde se joga livremente, e seus nightclubs que apresentam shows tão ricos e interessantes como os melhores de Nova York e Paris... Pois eu vou levar-vos agora, rapidamente, nervosamente talvez e, sem a menor dúvida, cheio de indignação e vergonha, numa excursão através da vida noturna da Joia do Caribe. Andemos por suas principais ruas e avenidas, à luz dos letreiros luminosos que, pelo colorido e pela extravagância dos desenhos, lembram os de Las Vegas. Estão vendo aquelas prostitutas que ali vão? Não chegam a ser mulheres: são meninas entre doze e quatorze anos que vagueiam pelas calçadas a caçar homens. De onde vêm essas pobres coitadas? Geralmente do campo ou das pequenas vilas do interior. Não sabem ler. Não têm a menor experiência da vida. Foram selecionadas por proxenetas para serem exibidas e alugadas no grande mercado de carne humana que é Puerto Esmeralda, onde turistas nacionais e estrangeiros, portadores de lunas ou dólares e apetites depravados, periodicamente vêm entregar-se a feriados lúbricos.
Entre certas camadas pobres da população sacramentenha, tornou-se um bom negócio possuir uma filha bonita. Mal a criaturinha entra na puberdade, os pais a entregam a esses agentes de prostíbulos, uma ‘madama’ compra-lhe vestidos, calça-lhe sapatos de salto alto, pinta-lhe a cara, ministra-lhe algumas lições na arte de agradar aos homens e daí por diante a rapariguita está in busines. E sabeis por que a transação da parte dos pais se processa em geral sem maiores hesitações? É porque cada uma dessas pobres meninas pode ganhar numa só noite, com seu corpinho, muito mais do que toda a sua família num mês inteiro de trabalho duro nas plantações. Aos trinta anos, essas precoces prostitutas parecem velhas de mais de sessenta, roídas pelas doenças venéreas ou pela tuberculose, ou dominadas pelo vício dos entorpecentes.
(Normalmente calmo,
Dr. Gris fala agora como paixão):
Porque o tráfico de cocaína, heroína e maconha, é um dos mais rendosos negócios da bela cidade do Caribe, onde existem mais de duzentos prostíbulos entre os populares, os de preço médio e os de luxo. E nossos homens de Governo, nosso Libertador e seus cupinchas recebem uma percentagem não só no lucro dos milhares de caça-níqueis espalhados pelos lugares públicos da cidade, como também no resultado dos bordéis e no da venda de tóxicos.
Existe, no Sacramento, um curioso neologismo: o verbo esmeraldar-se. Significa muitas coisas, como tirar um feriado sexual, fugir da rotina duma vida de fachada respeitável, mudar, soltar por momentos – dias ou semanas – o animal que mora dentro de cada um de nós. A cidade parece ter um efeito catártico sobre os que a visitam. Cavalheiros considerados respeitáveis bastiões de nossa ordem social e que aos domingos, na missa da Catedral de Cerro Hermoso, batem no peito, ajoelham-se e rezam, de quando em quando dão uma escapada até à Joia do Caribe para uma espécie de cura pela libidinagem. Muitos desses esteios da nossa sociedade são secretamente sócios das casas de jogo e até dos bordéis. Sabem que é muito fácil obter periodicamente uma absolvição de seu padre confessor, pois – que diabo! – afinal de contas eles contribuem regularmente com apreciáveis somas em dinheiro para obras de caridade, coisa que imaginam agradável aos olhos de Deus.
(Pequena pausa
com um gole d’água):
[...]
Quando o Doutor Júlio Moreno foi eleito Presidente da República e nós (digo nós porque tive a honra de fazer parte de seu Governo, como Ministro da Educação) tentávamos melhorar as condições de vida dessa desgraçada gente, muitas vezes tive a oportunidade de visitar pessoalmente essas vilas. Lembro-me do diálogo que entretive certa vez com uma mulher indiática, de rosto como que talhado em pedra, mas suavizado por um par de olhos negros de expressão a um tempo terna e triste. Como eu lhe tivesse feito várias perguntas sobre sua família, contou-me que dos quatorze filhos que tivera em vinte anos só lhe haviam sobrado três, pois os outros tinha morrido de diarreia, tuberculose ou desnutrição. || Jamais poderei esquecer suas palavras finais, pelo que continham de grotescamente dramático. ‘Pois imagine, doutor, a gente gastava tudo o que tinha nos enterros das crianças, não havia ano que um filho nosso não morresse duma coisa ou de outra. A sorte é que conheço um defunteiro de muito bom coração que me faz desconto quando compro caixão de anjinho, pois, o senhor sabe, eu sou freguesa antiga.’
(Repetir a última frase
com voz indignada,
dando uma palmada na mesa):
‘Eu sou freguesa antiga!’
Ao assumir o poder, o Doutor Moreno mandou fechar as casas de jogo e prostituição de Puerto Esmeralda e declarou guerra de morte ao tráfico de tóxicos. Essas medidas lhe valeram a inimizade, o ódio de todas as pessoas e grupos econômicos interessados na existência desse câncer social. O novo Governo começou a construir hospitais e escolas, bem como casas decentes para gente pobre e, segundo planos muito bem organizados, esperávamos dentro de cinco anos ter queimado a última favela em Sacramento! ||
(Pausa para um gole d’água
e passar o lenço nos lábios):
Um dia, o Doutor Moreno tomou medidas que equivaleram por assim dizer à sua sentença de morte. Expropriou mais de quatrocentos mil acres de terras pertencentes aos grandes latifundiários, à Uniplanco e à Sugar Emporium. Pagou essas terras com títulos do Governo, o que desagradou profundamente seus antigos proprietários, e distribuiu-as entre quase vinte mil famílias de camponeses. Seu plano de reforma agrária era um primor de lucidez e bom senso. Pela primeira vez em mais de cinquenta anos, senhoras e senhores, começou a soprar na minha terra um vento de esperança.
(Gesto de desalento:
deixa cair os braços e encolhe os ombros):
O resto é história recente. Um dia, tropas mercenárias arregimentadas em vários pontos do Caribe e transportadas em navios da Uniplanco e da Sugar Emporium || desembarcaram na ilha. Compradas com o dinheiro dos oligarcas, forças do Exército Nacional aderiram à Revolução, que teve uma vitória fulminante. O povo, esse assistiu passivo e atônito aos acontecimentos. El Libertador voltou ao poder com o beneplácito das trinta famílias e, através de uma série de ficções legais, instituiu a sua democracia, redigiu a sua Constituição. Puerto Esmeralda voltou a ser o grande centro de vício do passado. Restabeleceram-se as velhas firmas, || aumentou o número de bordéis e casas de jogo, e os pilares de nossa sociedade, agora aliviados do peso da ‘ameaça comunista’ que pairava sobre suas venerandas cabeças, puderam continuar a esmeraldar-se como nos velhos tempos!
(pequena pausa,
olhando para o público
e erguendo a mão como para mostrar um belo quadro):
Quem hoje visita Cerro Hermoso pode ver, na Praça de Armas, erguer-se aos poucos um enorme palácio de linhas majestosas, destinado a ser a sede do Governo Federal... Sua construção foi iniciada há quatro anos e não será exagero afirmar que levará mais dez para ser terminada, pois isso convém à quadrilha que se locupleta com a obra. Sim, porque esse edifício, que, segundo afirma nossa imprensa, será o mais suntuoso palácio governamental das três Américas, está custando tão caro aos cofres da Nação como se seus tijolos fossem de ouro maciço e de ouro também a argamassa de seu cimento. Filhos, irmãos, sobrinhos, primos, amigos, afilhados e protegidos do Libertador estão de algum modo tirando lucros fabulosos dessa construção que vem sendo dirigida por um cunhado do ditador. O Congresso diz amém a todos os pedidos de verba para a obra, aprova sem discutir todas as suas contas.
A imprensa elogia o ‘monumento’, orgulho e prova de nossa civilização. Mercê dum sistema de falso faturamento, todo o material de construção para esse palácio fica custando mais do dobro de seu preço real. E a diferença, que sobe a milhões de dólares, vai para os bolsos do ditador, de seu cunhado e sócio e do resto dessa quadrilha que criminosamente enriquece a custa da miséria do povo!