Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista

 




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O REI ESTÁ NU

 

Luiz-Olyntho Telles da Silva

Outubro/22

 

Os não tolos erram.

(LACAN)

 

Sempre quis entender porque apenas um único habitante do Reino, justamente um menininho, atinou dizer que o Rei estava nu. No conto de Andersen (A roupa nova do Rei, 1837), os que calam fazem-no, como diz o Eclesiastes, por vaidade.

 

Lembram da história? Um vaidoso rei, janota e perdulário, oferece todo o ouro do Reino por uma roupa maravilhosa, prometida por dois impostores que se faziam passar por alfaiates. Essas roupas tinham a fantástica propriedade de se tornarem invisíveis aos que não exercessem bem suas funções ou fossem demasiadamente estúpidos. E como ninguém queria passar por tolo, todos – menos o menino que ainda não havia padecido a pressão do grupo –, sofriam uma espécie de alucinação positiva e viam o que não estava.

 

Para escrever esse conto, Andersen inspirou-se em outro, da coleção de Don Juan Manuel de Castela, publicado no seu Libro de los exemplos del Conde de Lucanor et de Patronio (1335), preocupado com a moral. Aqui, a roupa do Rei seria vista apenas por seus filhos legítimos. E já estava presente a vaidade como argumento para a alucinação.

 

Minha surpresa era com a falta de crítica desses grupos alucinados e, outro dia, encontrei uma explicação bem plausível. Foi em um texto de Paulo Varella([1]), onde, apoiado na psicologia evolucionista, aventou a possibilidade de que, no tempo das cavernas, se um grupo estivesse correndo em uma direção, o sensato seria unir-se – impensadamente – ao grupo. Os que quiseram saber porque corriam, foram comidos pelo leão, interrompendo assim a transmissão do gene questionador às gerações seguintes.

 

É verdade, questionar nunca foi fácil. A contestação do menininho de Andersen, ao acreditar em seus próprios olhos, e não na pressão do grupo, no entanto, mostra-nos, felizmente, que alguns genes do questionamento sobreviveram.



[1] https://arteref.com/opiniao/por-que-o-conto-a-roupa-nova-do-rei-e-tao-atual/