Luiz-Olyntho Telles da Silva
Psicanalista |
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CASELLA Na Ligúria, próxima de Gênova, está Casella. Seus filhos
nascem aí desde os tempos da Roma antiga, provavelmente desde seis séculos
antes de nossa era. Um deles, contemporâneo de Dante, e amigo, foi valoroso e
doce poeta. Dante, em seu périplo pelos outros mundos, acompanhando
Virgílio, seu Mestre, recém chegados ao Purgatório, ainda na praia, vê um vulto
que, por entre a névoa, pelo mar se aproxima. São almas, vindas das margens do
Tibre, de lá de onde o rio conhece o mar, em um barco guiado por um anjo. Uma
delas reconhece o vate e o abraça, três vezes. É Casella! Dante também o
reconhece e percebe, surpreso por, no amplexo, não lhe sentir o corpo e sim as
próprias mãos no próprio peito. Era como um fantasma que se via e ouvia mas que
não se tocava. Tocava-os, contudo, a ânsia pela poesia, um alento, naquele instante,
para as almas fatigadas. E Casella começou,
então, tão docemente: “Amor que
para mim na mente fala, que por sua doçura dentro ainda me embala”. E assim
cativo estava o grupo até ser interrompido pela voz de Catão: era preciso
apressar-se e logo subir o monte cuja vista de Deus oculta. E como os pombos
que de bicar os grãos largam de chofre e revoam assustados, assim aquele bando
largou o canto para subir a ladeira. Passados os anos, e os séculos, nem Dante, nem Casella foram olvidados.
Um de nossos poetas, César Leal, ilustre, que como amigo também me tratava, a
ele dedicou estes versos: CASELLA Ninguém queima esta voz que me foi concedida – ela desdenha o pó – não vai ser esquecida é uma voz que calando sempre há de ser ouvida, sua arquitetura alcança as mais altas subidas e escala os cumes altos dessas nuvens erguidas – são nuvens de água e gelo por asas não feridas – o metal dessa voz tem timbre de poesia se música não fosse tal voz não cantaria, celebrar essa voz – comigo convivida é meu dever, leitor, o canto é minha vida![1]
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[1]
CÉSAR LEAL. O Arranha-Céu e outros
poemas. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1994, p.14 |
Imagem: Encontro de Dante com Casella. p/Sandro Botticelli. Fortuna Crítica:
Luiz-
Olyntho, tudo o que recebo de ti surpreende-me, por serem sempre textos de valor, que
não só merecem a leitura, uma “coisa em extinção no Brasil”,
mas a impõem! Envias-me, agora, uma nota sobre Casella e um tocante poema de César Leal,
poeta que sempre apreciei. Também eu, de há muito, guardo em minha
memória, a cortesia de Dante ao abordar seu amigo, excelente músico
instrumentista, ao encontrá-lo na sua peregrinação transmundial. escreva aqui seu comentário |