Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista

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27 de fevereiro de 2007:

Luiz Olyntho,

Fiquei comovida em ver o cuidado com que leste meus poemas. Me ajudas a entender a importância que o  Humberto Eco dá ao leitor.

Claro que eu sabia que havia coisas ocultas na minha poesia. Poesia é um impulso trabalhado. Me explico melhor através do Ferreira Gullar. 

Na verdade, antes de escrevermos o poema, ele não é mais que um impulso e a noção difusa de algo que quer ser expresso. 

Fazer um poema é lidar com o acaso e com a indeterminação. Errando e acertando, constrói-se o poema, que poderia não ter nascido exatamente assim. Preservar nele algo dessa indeterminação é o que procuro hoje, embora deseje a um tempo manter o rigor e a economia da expressão poética...

Mesmo trabalhando o mais que posso cada poema, procuro guardar o máximo possível dessa indeterminação, portanto, há muitas coisas inconscientes nos meus poemas, coisas que não me dou conta que estão lá. Teu olho treinado viu melhor e mais longe que os meus.

Reconheço e concordo com o que dizes, falo do que não está através do que está, só que, até me mostrares, não tinha me dado conta disso numa forma consciente.

Como te disse pessoalmente, tive que lutar com professores e revisores pela crase do Borgonha, fico feliz que tenhas tido a sensibilidade de entender a sua importância. 

ana

ANA MARIANO é autora do livro de poemas Olhos de Cadela, Porto Alegre, L & PM, 2006, 112 pp.
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BORGONHA
Ana Mariano

À sombra torta de uma boina
 desce a rua,
pouco a pouco,
vincando o rosto da manhã.
Galho nodoso, cepa
a quem cortaram as raízes,
forma guardando o mosto,
algo nele ainda é doce,
dura doçura de vinho,
uva passada, já passa,
esquecida na videira.
Nem sei por que o persegue
o meu olhar preguiçoso.
Descança a bengala, cansaço
atrapalhando quem passa.
Fruto maduro, o sorriso
ao alcance do meu braço.
Ao alcance de um abraço
que não dei porque loucura,
calor inútil, impossível
quando o amor é brilho breve,
apenas raspas de brilho.
De rosto, feito de rugas,
morrente casca incendiada,
ficam comigo dois olhos
emprenhados de passado, de onde espia um menino
e, num instante, já passa.