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LA DIRECCIÓN DE LA CURA EN LA CLÍNICA LACANIANA
RICARDO LANDEIRA
(Montevideo, Psicolibros,
2009, 124 pp.)
UMA LEITURA
Ricardo Landeira é
um psicanalista e, no presente livro, dá-nos alguns dos argumentos
por meio dos quais sustenta sua posição.
Digo que é um,
porque os analistas são um pouco como as mulheres. Assim como não
existe a mulher, também não existe o analista. Para saber da
mulher, e esta parece ter sido a grande lição de Don Juan,
é preciso tomá-las uma a uma. Do mesmo modo os analistas! Se
quisermos conhecê-los, teremos de tomá-los, também, um
a um.
Trata-se de dizer que os
analistas precisam ser tomados por sua originalidade e, quem sabe, possa-se
dizer mesmo da originalidade um requisito do ser psicanalista, uma originalidade
que inclua a capacidade de captar também a muitas vezes não
sabida originalidade do outro. Freud dizia mais: é preciso reinventar
a Psicanálise a cada caso! Assim, pois, é que os analistas
não são os mesmos, nem com cada analisante, nem os mesmos em
cada livro. Landeira, por exemplo, que já publicou diversos títulos,
como O inconsciente lacaniano, Os fundamentos da Psicanálise
lacaniana, A posição do sintoma e Que quer uma
mulher quando isso não é tudo?, vem mostrando, em ato,
sua potência para a originalidade.
O modelo, de certo modo,
é Freud: quando examinamos sua longa obra, fruto de uma vida, vemos
que, quando certas palavras, por exemplo, se repetem, é porque, na
sua repetição, elas vão se enriquecendo como conceitos
e, quando nos apresenta um novo texto, é para dizer de suas novas
descobertas. Depois, não podemos esquecer, está também
a recomendação de Lacan: façam como eu, não
me imitem!
E aqui temos Ricardo Landeira
– um psicanalista que, desde sua prática na cidade de Montevidéu,
profere seminários e conferências, além de realizá-los
em sua cidade, também os faz na Argentina, no Brasil, na Espanha,
na França e na Itália –, publicando aquele que foi seu Seminário
do ano 2007, data em que a sua Escola Freudiana de Montevidéu completou
vinte e cinco anos de idade, mesmo ano em que o autor perfez também
vinte e cinco anos de seminários. Ao incluir, nesse conjunto, uma
conferência apresentada à Reunião Lacanoamericana de
Psicanálise, do mesmo período, diria que essa deve ser tomada
também como uma extensão de seu Seminário. E lembremos
que a publicação de um seminário tem sempre um valor
de revelação de uma intimidade muito particular no trato com
as questões psicanalíticas.
Nesta feita, sua exposição
está destinada ao estudo dos argumentos teóricos para a sustentação
da direção da cura na clínica lacaniana. Para tal, Ricardo
Landeira destaca oito pontos, os quais, partindo dos aspectos preliminares
ao início propriamente dito, vai seguindo, passo a passo, até
alcançar a especificação do que seja o final de análise
para cada caso.
Talvez alguns se surpreendessem
com uma preocupação por tempos tão primordiais. Marx,
por exemplo, ao dizer que o sujeito nasce quando se torna produtivo, surpreender-se-ia.
Mas Landeira, consequente com Freud, que pensava o nascimento do sujeito
já na concepção de seus pais, ocupa-se também
das preliminares ao atravessamento do umbral, da pedra liminar que dá
entrada à análise. Para ele, o sujeito é, antes de tudo,
parte de uma rede de relações, as quais desempenham um importante
papel no pedido de análise; às vezes, é um pai, outras
vezes uma mãe, ou a esposa, ou o marido, ou um amigo importante a
dizer aquela palavra que leva o sujeito a buscar uma análise. Este
outro, que também pode ser a causa da busca da análise, faz
parte da rede estrutural em que o sujeito se enoda. Reconhecer as múltiplas
transferências aí envolvidas é fundamental para o início
de uma análise, pois, para tal, não basta sofrer. É
preciso o reconhecimento da existência de um sofrimento, e que a causa
desse sofrimento de algum modo diga respeito ao que sofre, para haver análise.[1]
Para dar curso às
suas articulações, Ricardo Landeira vale-se do recurso de subdividir
cada capítulo em algumas partes, objetivando com isso uma maior clareza.
Vejamos, por exemplo, o primeiro subtítulo do primeiro capítulo:
Disquisições analítico-etimológicas.
O termo disquisição não é um destes que
se encontrem todos os dias, em cada leitura. Mas é assim que trabalha
o autor desse livro: quando necessário, ele busca noutro campo um
termo que lhe ajude a dizer, com a maior precisão possível,
o que tem de ser dito e, quando não encontra, muitas vezes inventa
neologismos, aos quais trata de dar um estatuto conceitual, para poder ir
em frente. No presente caso, justifica-se a presença do substantivo
na medida em que ele expressa um exame rigoroso e, no campo jurídico,
refere-se ao conjunto de atos que tem por finalidade apurar a verdade.
Essa será sua marca ao longo do livro.
Outro recurso utilizado
pelo autor é o exame da casuística psicanalítica, para
melhor elucidar suas ideias. Para tal, ele se vale tanto dos já clássicos
casos de Freud, como de outros autores, Serge Leclaire entre eles, e mesmo
de casos de sua própria clínica, mas não sem passar
por relatos de análises feitas com Lacan, como as de Rosine Lefort
e Claude Dumézil, entre outros.
Para o embasamento teórico
de seus argumentos, recorre sempre a Freud e Lacan, mas também recorre
a outros para armar um debate, como é o caso com Melanie Klein, e
mesmo Balint, valendo-se também do diálogo de Lacan com Nasio
e com o matemático Pierre Soury; recorre aos colegas, como é
o caso de Dora Gómez, psicanalista da cidade de Rosário, na
Argentina; cita os filósofos, como Platão (Fedro) e Sartre;
e recorre à literatura para daí tirar exemplos esclarecedores.
Entre os conceitos trabalhados
por Ricardo Landeira, estão os que dizem respeito à rede
transferencial, às transferências múltiplas,
já mencionados, quando se ocupa, entre outras coisas, de discriminar
os aspectos do Real, do Imaginário e do Simbólico; quando fala
sobre a importância das associações livres (ver página
37), diz que, entre essas, as que importam mesmo são aquelas caracterizadas
pela queda, pela einfall, termo que costumamos traduzir por ocorrência,
quer dizer, a associação sob efeito da transferência.
Ao ocupar-se do exame da
história de um analisante, Landeira discrimina a história da
dis-toria, conforme escreve, ressaltando a importância
do discurso aí presente. A história [de um sujeito]
começa ao mesmo tempo em que a conta. Nessa frase,
da página 40, pode-se situar o início das referências
literárias. Sendo o autor leitor também de Garcia Márquez,
eu arriscaria ler aí uma paráfrase da sua célebre A
vida não é o que a gente viveu, e sim a que a gente recorda,
e como recorda para contá-la. E para a Psicanálise importa
principalmente, ele o recorda com Lacan, a história da reaparição
do reprimido.
Para Landeira, o homem
está sempre entre duas ausências, a da amnésia e a do
porvir. E aí, quando denuncia a invenção da tragédia,
faz a crítica da inexorabilidade do destino, ao ver na certeza do
porvir, na crônica de uma morte anunciada (G. Márquez
rides again) uma forma de cobrir a ausência. E, nesse
ponto, Landeira valoriza a – nem sempre lembrada –, neurose de destino
descrita por Freud.
O valor da paráfrase,
para o autor, aparece claramente, por exemplo, ao ler uma redação,
escrita por um menino, sobre o Drácula: ao detectar a mudança
no final da história, criada por Bram Stoker, Landeira pergunta se
o jovem escritor não estará revelando aí uma das características
do homem, a de conter em si sua própria destruição e
também a do outro!
O ingresso na análise
equivale à passagem à outra cena, esta outra cena já
pensada por Wundt e teorizada por Freud, e que aqui, possivelmente inspirado
um tanto por Aldous Huxley, o autor nos ajuda a compreendê-la por meio
de um conto zen, mostrando-nos que não basta dizer outra cena!
A outra cena pode ser tanto o céu como o inferno. A importância
desse reconhecimento para o analista significa não estimular a manutenção
do gozo do sintoma no analisante. Seu exemplo para isso é retirado
do caso do Homem dos Ratos: ele tinha horror ante um prazer ignorado
(unbekannten) por ele mesmo, como destaca Freud na parte C (Die
Grosse Zwangsbefürchtung – O grande medo obsessivo) do primeiro
capítulo do seu Notas sobre um caso de neurose obsessiva, de
1909, cujos 100 anos memoramos.
A importância desse
reconhecimento está, antes de tudo, em saber que o sintoma só
é abordável, pelo psicanalista, de modo discursivo (p. 59),
por meio de um discurso tecido pelo Real, pelo Simbólico e pelo Imaginário.
A disquisição inadequada da corda a ser tocada, a cada vez,
pode produzir resultados funestos. Para exemplificar essa questão,
a qual aparece de modo bem marcado, por exemplo, na hora de saber quando
parar, Landeira recorre a uma destas figuras da Literatura, as quais, por
sua força própria, são retomadas, uma e outra vez, por
diferentes autores; no caso, a referência é à figura
do aprendiz de feiticeiro (p. 58). Essa figura, descrita pela primeira
vez por Luciano, um retórico e filósofo grego do segundo século
de nossa era, tornou-se muito conhecida quando Goethe escreveu seu poema
homônimo, um conhecimento que se alargou enormemente pela bem sucedida
composição de Paul Dukas, cujo scherzo ajudou Disney
naquele desenho animado que todos lembramos bem. Aí está! De
Luciano, que começou sua vida como aprendiz em uma fábrica
de estatuetas, ao aprendiz de psicanalista, todos passam por diferentes vicissitudes.
No início dessa
apresentação eu lhes dizia que Ricardo Landeira é um
analista, um entre outros, claro. Vejamos agora o que ele mesmo diz sobre
a particularidade do um. Para isso, atentemos, antes de qualquer coisa,
para a diferença reconhecida por ele, entre o zero e o um.
Seguindo seu estilo, começa
com as disquisições analítico-etimológicas sobre
o zero. Na etimologia da palavra, encontra sua origem árabe: zero
vem de sifr, de cifra. Se o pertencimento do zero ao conjunto dos números
inteiros pode ser objeto de discussão, já não se pode
esquecer que o zero é, antes de tudo, uma cifra. Desde o Seminário
de Lacan, dedicado à lógica do fantasma (Sem. 14), Landeira
vai mostrando, entre as diversas características distintivas, como
o sujeito, enquanto estrutura, está sempre capturado entre o zero
e o um; outra importante característica apresentada por ele é
a de que, se o um tem a ver com a unificação, o zero precisa
ser tomado por seu duplo estatuto: ou como passagem do zero ao um, como produção
da cadeia, ou como dessubjetivação radical, como a verdade
da falta. Enquanto o um conota o gozo, o zero quer dizer que o gozo não
existe, em uma clara referência ao impossível. O zero é
uma potência que sempre está aí! É como se, para
o mundo existir, fosse preciso que antes ele não existisse. E é
por ser sempre assim que novos mundos estão constantemente sendo imaginados.
Para ser, é preciso a possibilidade de não ser. Na experiência
subjetiva, lembra com Lacan, onde aparecia o zero, aparece o objeto a. O
analista também precisa ter a possibilidade de ser e não ser;
de não ser, de zero, enquanto dividido, cindido, e de ser, de um,
enquanto ocupa o lugar de solda, um lugar terceiro, em alguma falha do enodamento
estrutural. Nesse momento, o analista, diz Ricardo Landeira, irremediavelmente,
é um (p.84). Para dizer da força desse momento crucial, lança
mão de um trocadilho possível só em sua alíngua:
mais do que ser um entre outros, o analista é aqui, uno sin-cero,
o mesmo do in-dividuo. Observe-se que em espanhol escreve-se zero com a letra
c: cero. E o homem sincero vira homem sem-zero. Pensaremos aí seu
lugar transferencial de objeto causa de desejo. E, para exemplificar, uma
referência pontual à célebre frase do Hamlet, de Shakespeare:
quando o Príncipe diz Ser ou não ser, ele propõe que
se leia Ser e não ser.
Que o analista possa também
não ser é importante para o reconhecimento de seus próprios
recursos. O analista só pode ser com a sua circunstância, com
o que tem à sua disposição. O exemplo lhe vem de um
livro de Gibran Khalil Gibran, O vagabundo, de 1932. Aí Landeira encontra,
no conto O profeta eremita, a metáfora que o ajuda a dizer da importância
da congruência: o analista precisa estar identificado ao que faz, o
que implica uma relação com a ética do bem-dizer, da
bennedictio, esta que implica em não dizer onde está o bem
pela simples razão de que ele não sabe, de que ele não
tem como saber, e não, como poderia parecer, por modéstia,
afirma, solidário com Lacan (p.87).
O não saber radical
do analista abre a possibilidade de cada analisante construir seu próprio
mundo, com suas próprias letras. Quando Landeira pensa nos passes
do analisante no transcurso de uma análise, é com isto que
ele se preocupa, no tempo necessário para o trabalho com o significante
transmutar-se em letra (p.102). Para exemplificar esse ponto, o autor recorre
outra vez a uma dessas histórias fortes que vêm sendo repetidas
e recontadas através dos tempos, à história do Golem.
Aqui, ele toma como fonte o grande Jorge Luis Borges, no seu O livro dos
seres imaginários, escrito junto com Margarita Guerrero. Trata-se
de uma antiga história judia que fala, na sua origem, da criação
do homem. É o que está em jogo! Feito de barro, não
tinha acesso à palavra, tal como aconteceu com Adão. No livro
de Salmos, no verso 16 do salmo 138, aparece, em hebraico, a palavra gal’mi,
golem, com o significado de substância informe, para dizer da origem
de Adão. A vida do Golem, contudo, na ficção judaica,
surge quando a palavra Emet (אמת), Verdade, é escrita em sua testa.
Depois, quando retorna o inevitável problema de como fazer parar,
tal qual aconteceu com o aprendiz de feiticeiro, é preciso apagar
a primeira letra da palavra, transformando-a em Met (ou Miet - אמ), morte
(p.103), lembrando que no hebraico a escrita é lida de trás
para frente. Criado para ser um ajudante, como a vassoura que se multiplicava
no poema de Goethe, sua versão contemporânea são os robôs.
Quer dizer, sem letra não há sujeito!
A letra cuja produção
se espera de uma análise, é a do objeto a, enodada entre os
registros do Simbólico, do Imaginário e do Real (p.105). É
o que possibilitará ao sujeito a passagem, o passe a outro lugar (p.107).
Para o final de análise,
Ricardo Landeira nos oferece mais alguns dos seus bons e legítimos
artifícios linguísticos, entre eles estas duas palavras-valises:
deseoenlace e finanalizar. O deseoenlace, des+desejo+enlace, o desenlace
do desejo, tem a ver com o momento em que o analisante se autoriza a realizar
seu desejo (p.123); e finanalizar, final+analisar, a análise do final,
tem que ver com a pergunta sobre o que aconteceu no final da análise
(p.110), um momento sempre da ordem do particular – o depoimento que para
isso toma de Dumézil (p.107) não poderia ser mais exemplar.
Para terminar, meu agradecimento
a Ricardo Landeira por me possibilitar, desde a particularidade de seu ensino,
outra leitura de nosso quefazer.
Luiz-Olyntho
Telles da Silva
www.tellesdasilva.com
Porto Alegre, agosto/setembro
de 2009
Notas
[1] O texto da página 12, é
assim: o sofrimento, por si só, nunca foi suficiente para iniciar
uma análise, ainda que o seja para o início de uma psicoterapia.
Depois de ter lido isso, junto com outras leituras, especialmente do seminário
6, de Lacan, ocorreu-me o seguinte: a função de apoio,
comum à grande maioria dos métodos psicoterápicos, inclusive
dos medicamentosos, pareceu-me consistir, então, em uma espécie
de dessujeitamento do sujeito, se posso dizer assim; quer dizer, um modo
de, para tranquilidade de paciente e terapeuta, tirar de cena o sujeito,
desconsiderando-o como participe da constituição do gozo
particular de seu sintoma. Desse modo, como os remédios, as psicoterapias
são para doenças, como se pode ler nas respectivas bulas, e
não para os doentes. – Para chegar aos sujeitos, aos envolvidos
na causa do que lhes acontece, é mesmo preciso um pouco mais.
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