O PÚBLICO E O PRIVADO
uma contribuição à mesa redonda
“Passe e fim de análise”*

Por
Luiz-Olyntho Telles da Silva
1999


“Os limites da linguagem   
são os limites do mundo”  
L. Wittgenstein              . 

“To be or not...”             .
J. Lacan                          



Estou muito contente por estar aqui, com vocês, nesta festa de aniversário; principalmente porque se trata de uma festa que implica trabalho.

A inclusão deste tema, da relação do passe com o fim de análise, em um aniversário de 20 anos, não é nova. Há cinco anos atrás, nos 20 anos da Escola Freudiana de Buenos Aires, ela também foi aí analisada.

O tema é difícil, mas isto não nos tem impedido de avançar, ainda que de fracasso em fracasso, como poderia ter dito Maysa.

O que eu tenho para lhes dizer, antes de mais nada, é que eu mesmo não passei pela experiência de testemunhar o passe em uma estrutura de Escola, embora já tenha passado pelo fim de análise, não digo fim-da-análise, passei pelo fim-de-análise, e isto algumas vezes... Foi o que me autorizou a aceitar este amável convite, e vir até aqui propor algumas interrogações.

Durante aquelas jornadas de cinco anos atrás, alguns colegas do Recorte realizaram uma série de entrevistas com colegas que davam a conhecer suas preocupações. Entre elas, a de Victor Iunger destacava, de forma bastante clara, três pontos presentes na questão do passe: o avanço da teoria junto à clínica, a nominação do analista e, 3º, o desejo de contar a alguém, que não a um SSS, sobre o fim de sua análise.

Pois bem, é o après coup contido no 3º ponto que dá sentido aos outros dois anteriores; e isto tudo só é possível desde que a instituição onde o analista se inscreve esteja estruturada de modo a possibilitar isto.

A instituição em que me inscrevo, o Recorte, ainda não tem esta estrutura – quem sabe em nosso vigésimo aniversário já tenhamos o que dizer – de modo que, por enquanto, me implico na transmissão de outros modos.

O exame destes três pontos deixam, em todo o caso, muitas questões. Uma delas é a do momento da autorização do analista e a responsabilidade da instituição frente a isto. 

É aqui que se impõe a importância da passagem do privado ao público.

Pommier, em um trabalho mais antigo, publicado na sua Delenda, falava de dois passes: o 1º em relação a viragem do objeto pulsional no interior do fantasma, e um 2º quando o S1 atravessa o fantasma na nominação, situando aí a experiência do passe como a passagem do privado ao público. Mas, em sua participação nas mencionadas jornadas da EFBA, ele diz que o passe implica na passagem do ‘desejo de ser analista’ ao ‘desejo de analista’. Se o desejo de ser analista vem apoiado em um bem próprio da formação universitária (de médico ou psicólogo), a assunção do desejo do analista passa pela análise pessoal onde o sujeito aprende que é pelo avesso de seu desejo que isto se torna possível.

Quer dizer, para que o avesso do desejo ganhe espaço, como a manga de uma camisa que se enrola, formando um toro, é preciso passar por uma destituição subjetiva.

E esta destituição subjetiva sofrida na análise pode implicar na perda do nome próprio. O mito edípico consiste nisto. É aí que se situa a questão provocada pela angústia sufocante, deslocada do Eu para a Sfinx: o que é o ser? A tragédia de não saber quem se é. É neste momento que a psicanálise aponta para uma saída: O desser, o desêtre, pode passar por aí: é no momento que o sujeito reconhece a importância da falta, da manque a être, que pode aparecer a importância do avesso enquanto demarcador do buraco central na estrutura borromeana. Na entrevista de José Zuberman, ele se colocava de acordo com Hugo Levin quando este dizia que o nome perdido, o analista o recupera na nominação. Pode ser... No meu modo de entender a nominação implica no reconhecimento da importância do momento de concluir, concluir que, enfim... somos todos brancos e, como tais, devedores de uma explicação fundada em termos lógicos. AE é um nome que indica um momento da relação entre o desejo e a teoria analítica.

É verdade que a nominação sempre esteve ligada,  ritualmente, a uma passagem. Ao receber o primeiro nome, no batismo cristão, o pagão deve renunciar a satanás; na adolescência também se recebe outro nome, em geral um nickname; a mulher, ao passar do estado de solteira ao de casada, deve renunciar aos outros homens e muda de nome. Em algumas religiões também aparece a importância da renúncia ao nome: chega um momento em que o neófito, tendo cumprido seus votos, renuncia ao mundo e é elevado publicamente à categoria de sacerdote recebendo um novo nome, um nome de um santo santificado por ter feito algo pelo outro. O que quero dizer é que a nominação parece ser um requerimento destes momentos de passagem. Uma passagem que é sempre da ordem do privado ao público Quando o universitário conclui um curso e se forma, ele recebe um “grau”, de advogado, médico, engenheiro, etc. E lhes pergunto: isto é uma maneira de recuperar o nome, ou de suportar aquilo que se perdeu? Quando se imagina ter alcançado ao ser, caímos. Esta passagem não indica um fracasso? Podemos nos dizer frapassantes? De modo que este novo nome indica um novo ideal.

O ideal, que estava presente no desejo de ser analista, precisa cair;  mas não de todo. A caída completa e absoluta do ideal seria o suicídio! O passe indica, então, uma metamorfose: ele reaparece, sublimado, no desejo de contribuir para o avanço da psicanálise. Estão de acordo? Em todo o caso, para isto o analista não pode ser um santo. Sabemos que o resultado do sublimado é voltar a cair.

A outra questão que queria abordar, antes de terminar, é a da responsabilidade da instituição no reconhecimento do analista e na sua nominação. Porque a experiência nos ensinou que pode haver passe sem esta estrutura proposta por Lacan. Muitos de nós já havíamos passado ao lugar de analista quando Lacan nos implicou nesta questão, não é mesmo? Quando a instituição não tem armada uma estrutura de passe, penso que o risco é que isto favoreça uma espécie de nominação imaginária, a qual tenderá a autorizar o ideal, autorizando o desejo de ser analista antes que o desejo do analista. E quando a instituição tem armada uma estrutura de passe, tenho escutado que o risco aí é o da fetichização do passe, justamente por se tomar o gradus por um título hierárquico, pois as estruturas de poder são realmente tentadoras.

O que posso concluir destas observações é que tanto o lugar do passante como o do jurado de nominação são lugares difíceis, difíceis justamente pela falta de parâmetros para avaliar este desser, quando nos confrontamos com a morte, quando nos confrontamos com o nada. Mesmo porque o término do qual se pode dar conta será sempre parcial e provisório e o que realmente importa neste término, não é que termine, mas sim que dê lugar ao início de um outro tempo, ao início de uma outra volta na compreensão de nosso quefazer. 

Muito obrigado por sua atenção.

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