Comentário de Leitura
de
FREUD
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LACAN
O DESVELAMENTO DO SUJEITO
Na leitura de um psicanalista
de
Luiz-Olyntho Telles da Silva
10de setembro de 1999
Salão Mourisco
da Biblioteca Pública de Porto Alegre, RS
Paulo R. Medeiros
Psicanalista
c/prática na cidade de Recife
Lacan afirmou certa feita: comentar um texto é como fazer análise; ele, que foi, ao meu ver, até o momento, o melhor comentarista dos textos de Freud. Pois bem. E a concordar com o Luiz-Olyntho quanto a ser o analisante quem faz análise, pois na análise deve haver um só sujeito (do inconsciente), o do analisante, a presença do analista se impõe e, se ela importa, é por ser uma manifestação desse inconsciente definido como sendo o discurso do Outro, não pude deixar de indagar-me se, ao comentar o texto do Luiz-Olyntho estaria, então, aqui, agora, nessa posição de analisante, e concluo afirmativamente, com a diferença de estar a teoreotizar mais que a linguageirizar. Não sei se serei claro quanto a esta distinção, pedindo-lhes ajuda para tanto. É que distingo entre falar/ouvir e escrever/ler, podendo, contudo, hver outras combinatórias com tais elementos.
Mas, para o falar/ouvir usei linguageirizar, em relação ao inconsciente definido como sendo o discurso do Outro, entendendo este Outro enquanto um sistema linguageiro que fala alíngua, quero dizer, a língua que fala a linguagem do desejo primevo; e teoreotizar como podendo ser - ou não, dependendo da Escola de pertença do analista - este olhar do analista sobre seu desejo ao teorizar sobre seu ouvir. O falar do analista é sua teoria, definindo-se sobretudo pelo desser para descer, como o acentuou o Prof. Donaldo Schüler no seu Posfácio, e, acresceria, concordando mais uma vez com o Luiz-Olyntho, o analista deve falar/escrever - e aqui re-combino meus binômios - enquanto dissoluto. Podemos falar em ser analista enquanto ser dissoluto por efeito da dissolução do complexo de Édipo. Neste caso seu olhar, qewrew, é cego à realidade, Wirklichkeit, ainda que a ela suscetível; cego pela perda, Verlust do Imaginário como solução pela via do ego.
Resta-lhes o faiscar Simbólico, pirilampejando o lusco-fusco dos sortilégios significantes, os quais tenta apreender na escritura pela via do suporte material da letra. Está, pois, na letra a única via, a meu ver, de se cientificizar a Psicanálise. Daí escrevermos tanto, pois dos poucos saberes que portamos, um deles é o que orbitamos com a letra o Real, isto é, aquilo que a letra bordeja no seu próprio ponto limite, em seu trabalho, Durcharbeten, de esb uracar o Real, ofertando-nos fragmentos para serem simbolzados com a contribuição imaginária.
Assim é que, deste lugar privilegiado de analisante, lhes falo sobre o que escrevi para esta sessão a partr de uma leitura do livro do Luiz-Olyntho, a qual, certamente, não corresponde à ordem de sua escrituração. Não sei se ele próprio, como autor, se reconhecerá em cada palavra que escreveu, nem que tipo de leitura faz de seu próprio escrito. Por certo, há alguma distância, e se aproximação houver, será hiperbólica. Empatamos pelo menos nisto: somos, provavelmente, sofistas.
E por falar em sofisma, direi que o ouvir de vocês também faz diferença na minha leitura, tanto o quanto outro ouvinte faria. Isto porque - assim entendo O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada - Um novo sofisma, de Lacan, também analisado por Luiz-Olyntho no seu livro - este sofisma lacaniano no ensina a pensar que a nossa posição enquanto sujeito está determinada pela relação com a posição de outros sujeitos. Não há solipsismo para a Psicanálise.
Espero que estejam se dando conta de que estou definindo minha posição por escrito em relação à leitura do livro do Luiz-Olyntho pela via da escuta de vocês, sendo um modo possível de prosseguir uma análise, enquanto psicanalista, torná-la infindável após o seu término. Comento, então, o livro não enquanto crítico literário, ou resenhista, mas a partir de seus efeitos, de sua intervenção sobre minha leitura da Psicanálise. Apesar desta posição, ousaria adentrar como leitor por um viés ciítico-literário, só para propor que o escritor Luiz-Olyntho não me parece pertencer à categoria de um narrativo, apesar do humor com que, por vezes, ensaia um tom coloquial, mas sim um autor escritural, no sentido em que lhe parece mais própria a vereda das definições e elaborações conceituais que a narrativa.
Sabemos também, de antemão, que os próprios recursos culturais do leitor modificarão, pela leitura, o texto lido. Isto significa dizer ser impossível cobrir toda a distância que separa o leitor do autor. Há o salto dialético possível. Explico-me, recorrendo à historinha de Zenon de Elea, referente ao paradoxo dialético da ultrapassagem do ponto mínimo divisível, na corrida encetada entre Aquiles e uma tartaruga. Dali pulo para Kierkegaard, que nos indicou haver uma dialética possível no salto absurdo. Freud e Lacan acrescem, a meu ver, mais um elemento aí, o só depois. E o só depois só outro poderá pontuar. Assim como uma frase qualquer se reconhece quando do surgimento de seu último termo, seguido por uma pontuação, assim é que a própria vida só encontra o reconhecimento de toda sua história no último termo possível de sua existência, quando pontuada pela morte. E a morte do sujeito só pode ser lida por outro sujeito. O próprio sujeito morrente não conseguirá lê-la. aí, então, se designa um Real último, derradeiro, determinando, que, por retroação, permitiria uma leitura toda. Mas não, não é uma leitura possível esta, daí contentarmo-nos com as pequenas partes desse conjunto que nunca se completará. Há, tão somente, o parcial.
Então, retornando à dialética da tartaruguinha, a fidelidade original ao texto o próprio autor deverá ser ultrapassada, a se considerar que a linguagem envelhece, tornando-se odd, obsoleta, anacrônica, estranha ao próprio autor enquanto leitor também. Resta-lhe, enquanto autor, no entanto, a autoria. Ofereço-lhes exemplo parcial ao que me refiro. Certa feita estávamos numa reunião para definirmos um texto escrito a muitas mãos, e, como sabem, ou sai insosso ou salgado. Lá pelas tantas li uma palavra, e, desabusado, ri e comentei: é a cara do Luiz-Olyntho. Na verdade nem sabia se ele o havia escrito, mas assim o li. A frase era a seguinte: [...] a partir de uma tese sustida [...]. Aquele sustida ali, para mim, lhe pertencia. Para mim, insisto, no meu imaginário, no qual me sustenho para lidar pelo menos com o plural dos semelhantes. Assim é que se este livro que nos reúne hoje, se mo entregassem sem ser designada sua autoria, incluiria Luiz-Olyntho como um de seus possíveis autores, pois porta suas insígnias, suas marcas, seus traços, seu estilo, enfim. Este livro revela a autoria de sua escritura no trato mantido com a Língua no modo como combina as letras.
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