L e i t u r a s

DE
LUIZ-OLYNTHO TELLES DA SILVA

 
Já está na livrarias desde o início de abril o novo livro de Luiz-Olyntho Telles da Silva.  Leituras (Porto Alegre, AGE, 2004, 169p.) é composto por sete capítulos, cuja marca a destacar é a relação significante entre autores. É assim que, através de um corte sincrônico, o autor nos possibilita ler como textos clássicos se manifestam, seja na pena ou em cena, por autores e teatrólogos de tempos mais recentes. Por esta senda, lemos Heiner Müller por Gerald Thomas; Eurípedes por Marco Fronchetti; Ovídio, Caminha e James Joyce por Donald Schüler; Cervantes por Borges e Platão por Freud e Jacques Lacan.

Certa vez, convidado para cinco conferências na Universidade de Belgrano, em Buenos Aires, no ano de 1978, Borges, falando sobre O livro, nos diz o seguinte:

Em César e Cleópatra, de Shaw, quando se fala da Biblioteca de Alexandria, diz-se que ela é a memória da humanidade. Isso é o livro. E é algo mais, também: a imaginação. Que é o nosso passado, se não uma série de sonhos? Que diferença pode haver entre recordar sonhos e recordar o passado? Essa é a função exercida pelo livro.

Leituras é um livro indicado àqueles que valorizam um texto que nos traz erudição combinada com o prazer lúdico que podemos obter de uma leitura quando nos desprendemos do pré-conceito de buscar uma compreensão imediata do que lemos. E, assim como os sonhos e o passado, a compreensão se alcança a posteriori, à medida que adentramos aos textos e nos deixamos ser conduzidos pelos fios de uma escrita muito particular. Seu pressuposto é que esses textos produzidos sobre outros textos possam introduzir um afastamento, uma distância crítica entre o texto e o leitor. O livro testemunha que cada leitor com sua leitura, cada escritor quando produz seu escrito, modifica e enriquece uma obra. Ainda no dizer de Borges, não somos menos fluido do que o rio. Cada vez que lemos um livro, o livro mudou, a conotação das palavras é outra. Por isso, cada texto de Leituras é um convite a arejar os textos que temos acumulados dentro de nós e muitas vezes nem o sabemos.

Luiz-Olyntho Telles da Silva é um psicanalista que trabalha o significante. Atento aos múltiplos sentidos que se pode encontrar num texto, ele nos apresenta as veredas a que foi conduzido pelas leituras realizadas. No seu  Leituras ele vai ao grumo, ao minúsculo grão, buscando nos elementos dos textos que comenta – suas palavras, suas letras – novos sentidos que dali saltam, sentidos estes que conduzem cada leitor por caminhos nada lineares. Seus apontamentos funcionam como aberturas, portinholas por onde podemos ir e vir, interpondo outras leituras (muitas vezes necessárias) que possibilitam um amplo aproveitamento dos seus textos, de acordo é claro, com a inquietação de cada um por adentrar em mundos pouco reconhecidos em nosso cotidiano.

Somos convidados a subir ao palco e a iluminar o mundo grego que carregamos dentro de nós. É possível reconhecer que nossas origens, nossas inquietações estão marcadas por este universo quase desconhecido e muito ignorado do qual só temos acesso pela letra, pela multiplicidade de textos, orais e escritos que - via repetição – aproximam este nosso mundo contingente com o que é essencial ao homem: sua condição de nascer do Outro. Início e fim são apenas pontos demarcados segundo as lentes de cada um, podendo restringir ou ampliar o mundo que o cerca. Assim, é pelo conceito de blowup que Luiz-Olyntho nos conduz com este seu nau-book a fronteiras nem sempre fáceis de atravessar, a circular com menos constrangimento entre o sabido e o insabido, deixando o ignorado emergir, não do resplendor do dia, mas das brumas da noite, onde o mundo onírico faz das suas.

Como psicanalista advertido de nossa re(x)sistência a estes elementos infernais, seu  Leituras funciona como um timão que permite navegar por este universo fluido que são as letras. De seus treze textos, seis referem-se ao livro de James Joyce, Finnegans Wake, traduzido recentemente ao português pelo Profº Donaldo Schüler como Finnícius Revém. Seus textos-comentários valem como uma chave-mestra para acessar este inquietante, inovador e polêmico romance. Como Luiz-Olyntho escreve em sua introdução, entrar nos seus detalhes, examinar as partículas em suspensão é também dar lugar à extensão do sapere (ter gosto) latino. Analisar, partir em pedaços, é também uma maneira de, ao saboreá-las, melhor conhecê-las.

Boa Leitura!

Maria da Glória S. Telles da Silva
Porto Alegre, 12 de abril de 2004.

Página da Biblioteca Sigmund Freud
Página de Luiz-Olyntho Telles da Silva