O RECORTE DE PSICANÁLISE
NA INAUGURAÇÃO DAS SUAS INSTALAÇÕES
Estamos aqui para inaugurar as novas instalações
do Recorte de Psicanálise, inauguração que convoca
augúrios para uma nau, pois sabemos que a Psicanálise anda
de barco. E quero começar dizendo o quão contente estamos
por este momento poder se realizar, principalmente por poder estar se realizando
desta maneira. Quero dizer que poderíamos ter tido esta estrutura
física desde o início de nossas atividades, há seis
anos atrás, dependesse apenas de um investimento financeiro, por
quê não?! E por que não o fizemos? Porque nossa preocupação
era outra. Nos aproximamos porque queríamos estudar juntos e se
hoje chegamos a ter este auditório é porque o número
de pessoas que querem estudar conosco aumentou. |
Augúrios |
De modo que esta preocupação com o estudo,
com o rigor dos conceitos e com as conseqüências éticas
de nosso trabalho constitui uma marca do Recorte. |
Rigor & ética |
Não é por nada que escolhemos para nosso
escudo a figura de um cross-cap.
Para lhes dizer de que se trata, vou contar-lhes um sonho,
embora saibamos muito bem que não existem dicionários de
sonhos. E é claro que o "índice dos símbolos" [de
sonhos] apresentado por Angel Garma, em 1963, não tem nada a ver
com a psicanálise, pelo menos tal como a entendemos.
O sonho que vou contar aparece em A interpretação
de sonhos e é relatado por uma jovem que sofria de agorafobia
como resultado de temores de sedução. Ela conta o seguinte
para Freud: |
Do
cross-cap
ao
simbolo fálico |
Eu estava andando pela rua, no verão, usando
um chapéu de palha de formato peculiar; sua parte central estava
virada para cima e suas partes laterais pendiam para baixo (a descrição
tornava-se hesitante neste ponto, nos informa Freud) de tal forma que um
lado estava mais baixo que o outro. Sentia-me alegre e num estado de espírito
de autoconfiança; e, quando passei por um grupo de jovens oficiais,
pensei: "Nenhum de vocês pode me fazer qualquer mal!" |
Sonho |
Como a analisante não associasse nada, Freud diz
para ela: "Sem dúvida, o chapéu era um órgão
genital masculino, com sua parte central erguida e suas duas partes laterais
pendentes. Talvez possa parecer estranho que um chapéu deva ser
um homem, mas lembre-se da expressão Unter die Haube kommem. |
Associações |
Freud descreve como, após alguma resistência,
ela chega a aceitar a interpretação, e então acrescenta:
Outros casos menos nítidos haviam-me levado a supor que um chapéu
também pode representar os órgãos genitais femininos. |
Resistência
&
interpretação |
Quer dizer, mesmo um Freud que está no início
do início da descoberta da Psicanálise não acredita
em símbolos fixos, ele diz que foi levado a supor, a entnehmem,
a deduzir; não a afirmar. Não é um anjo, como Garma
que justapõe ao "gorro", um "preservativo" como sendo seu símbolo.
Freud, em sua interpretação, toma em consideração
a quê? Justamente àquilo que falta, e pede a analisante que
considere um agregado, que considere um certo conjunto de palavras contido
em uma expressão idiomática, em uma expressão própria
da alíngua alemã, Unter die Haube kommen, a
qual, embora ao pé da letra possa ser traduzida como 'vir para baixo
do gorro' (Haube, a rigor é uma toca), é uma
expressão comum para 'casar-se', o que implica que Garma nem freudiano
é. |
O valor
do símbolo:
entnehmem
x
dicionário de
[A. Garma]
símbolos |
Mas o que queria chamar à atenção
com este sonho, através da falta que possibilita a interpretação,
é ao aspecto fálico aí presente. Ao cross-cap
não dizemos chapéu, mas sim mitra, gorro, mais especificamente
'gorro cruzado', e se Lacan designa para o falo este lugar pontual no centro
do plano projetivo, é antes por razões de estrutura do que
por sua semelhança ao órgão masculino. Recorte
é o nome dado a esta linha de interpenetração pela
qual, ao se atravessá-la moebianamente, alcança-se uma outra
posição, razão pela qual a Lacan parece uma metáfora
favorável do movimento do passe. |
Falo / falta
Recorte & passe |
Assim que, ao incluirmos, em nossas armas, este plano
projetivo, estamos dizendo de nossa preocupação com a formação
dos analistas. |
Brazão |
Estamos preocupados porque queremos que nossos filhos
também tenham a chance de passar por uma análise, uma análise
que lhes possibilite escolher seus próprios caminhos, uma análise
em que sejam respeitadas as qualidades e potencialidades do sujeito.
Foi por este motivo fundamental que instituímos
o Recorte de Psicanálise e o apoio que temos recebido por parte
das mais respeitadas instituições da América do Sul
e da Europa, nos dizem que estamos no caminho certo.
Assim que, nesta inauguração das novas instalações
do Recorte, a todos os trabalhadores e amigos da Psicanálise, nosso
melhores augúrios. |
Formação
analítica |
Luiz-Olyntho Telles da Silva
1º de outubro de 1996.
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