16 de novembro de 1966
* 1 *
Vou lançar hoje alguns pontos os quais participarão
antes de mais nada como promessa.
Lógica do fantasma. Assim intitulei este ano o
que eu conto poder apresentar-lhes daquilo que se impõe no ponto
em que estamos de um certo caminho. Caminho que implica, eu o recordarei
hoje com força, esta espécie de retorno tão especial
que nós vimos já o ano passado inscrito na estrutura e que
está propriamente em tudo isto que descobre o pensamento freudiano
fundamental. Este retorno se chama repetição.
Repetir não é reencontrar a mesma coisa.
Como o articulamos a todo momento, contrariamente ao que se crê,
isto não é forçosamente repetir indefinidamente. Voltaremos
portanto a temas que eu já situei, de certo modo, há muito
tempo.
É porque estamos no tempo deste retorno e de sua
função que acreditei não poder tardar mais em livrar-lhes[1]
disto que até aqui eu acreditara necessário como pontuação
mínima deste trajeto, refiro-me a esse volume[2] que vocês
têm agora ao seu alcance; esta relação ao escrito que,
depois de tudo, de certa forma, eu me esforçava em retardar; é
porque este ano será talvez possível aprofundar a função
disso que eu acreditei dever franquear este passo. Para isto elegi alguns
pontos de indicação que são em número de cinco:
1. Este item consistindo em recordar-lhes o ponto onde
nós estamos concernente à articulação lógica
do fantasma, o que será meu tema.
2. Recordação da relação desta
estrutura do fantasma que lhes farei recordar: a estrutura como tal do
significante.
3. Alguma coisa essencial e verdadeiramente fundamental
que convém recordar fazendo referência este ano (se colocarmos
em primeiro plano o que eu chamei a lógica) a uma observação
essencial concernente ao universo do discurso.
4. Algumas indicações relativas a sua relação
à escritura[3] como tal.
5. A recordação do que nos indica Freud,
concernente ao que existe em relação do pensamento à
linguagem e ao inconsciente.
Partiremos da escritura do que eu já formulei,
a saber: a fórmula ($
a).
Eu recordo que o $ representa, tem lugar, nesta fórmula
da qual ele retorna concernente à divisão do sujeito que
se encontra no princípio de toda a descoberta freudiana e que consiste
nisto: o sujeito é, por um lado, barrado por aquilo que propriamente
o constitui enquanto função do inconsciente.
Esta fórmula, é algo que tenha um laço,
uma conexão entre este sujeito assim constituído e algo do
outro que se chama “a”?
O “a” é um objeto ao qual eu chamo a lógica
do fantasma que consistirá em determinar o estatuto em uma relação
que é, propriamente falando, uma relação lógica.
Há uma coisa estranha sobre a qual vocês me permitirão
não estender-me: eu quero dizer que o que sugere a relação
à fantasia, à imaginação, é o termo
fantasma, e eu me comprazia em marcar disso o contraste com o termo lógica
com o qual eu entendo estruturá-lo. Trata-se sem dúvida de
que o fantasma, tal como nós pretendemos instaurar-lhe o estatuto,
não é tão radicalmente antinômico como se poderia
pensar.
O termo “a” nos parecerá (melhor ainda à
medida em que marcaremos o que permite caracterizá-lo como valor
lógico) muito menos aparentado com o domínio do que é
propriamente falando o imaginário. O imaginário se engancha
aí, se acumula aí. O objeto a tem outro estatuto.
É de se esperar que os que me escutam este ano
tenham ficado um pouco apreensivos com isto.
Este objeto a, para aqueles para quem ele
é o centro de sua experiência, não é bastante
familiar para ver sem medo que ele lhes seja tornado presente.
Que necessidade tem você, me perguntava um deles,
de inventar este objeto a? Eu penso que por vir tomando as
coisas desde muito tempo, porque sem este objeto a, do qual
as incidências se fazem sentir largamente, me parece que o que se
faz como análise da subjetividade da história contemporânea
– esta história que nós já vivemos e que batizamos
com o nome de totalitarismo – cada um que a tenha compreendido poderá
dedicar-se a pôr aí a função de objeto.
O DESEJO E A REALIDADE
O S está em relação com a
nesta fórmula ($
a) através do (punção,
signo), o qual indica o que se pode juntar e o que disso se pode isolar.
O $ designa a divisão do sujeito, barrado daquilo que o constitui
propriamente em função do inconsciente. O
designa uma dupla relação, onde o S pode ser > (maior
que) e < (menor que) a, além de incluir ()
ou excluir () a,
o que sugere, em um primeiro plano desta conjunção, a relação
de inclusão que se traduz em termos de implicação,
com a condição de que nós a façamos reversível
e, como tal, que ela se articule na articulação lógica:
Se
e somente se.
Neste sentido, o punção sendo dividido pela
barra vertical, o sujeito de relação de Se e de a.
Aqui nós paramos. Existe portanto um sujeito. Eis
aqui o que logicamente estamos forçados a escrever do princípio
de uma tal fórmula: o que se nos coloca é a divisão
da existência de fato e da existência lógica.
A existência de fato nos leva ao existir de; ser
ou não falado. Isto é, em geral, vivente; em geral porque
isso não é de nenhuma maneira forçado. Eu o chamo
o convidado de pedra porque não existe somente sobre a cena que
Mozart anima[4], ele passeia entre nós todo o tempo.
A existência lógica é outra coisa,
e como tal tem um outro estatuto. Há sujeito a partir do momento
no qual nós fazemos lógica, quer dizer, a partir do momento
no qual nós passamos a manejar significantes.
O que há nisto da existência de fato é
saber que algo resulta do que há aí do sujeito ao nível
dos seres que falam, é algo que, como toda existência de fato,
necessita que seja estabelecida antes em uma certa articulação.
Mas nada prova que esta articulação seja tomada de imediato
em forma direta, que isto derive diretamente do fato de que há aí
seres viventes ou outros que falam, que eles sejam portanto de um modo
imediato determinados como sujeito. O se[5] e o se somente[6]
estão aí para nos recordar.
As articulações pelas quais nós mesmos
teremos que repassar, são elas mesmas assaz inabituais, motivo pelo
qual creio dever indicar-lhes a linha geral de meu propósito nisto
que me proponho a explicar para vocês.
O a resulta de uma operação
de estrutura lógica, efetuada não in vivo, não
sobre o próprio vivente, não, para sermos rigorosos, no sentido
confuso que tem para nós o termo corpo, que não é
necessariamente a libra de carne[7], ainda que isso possa sê-lo e,
no final das contas, quando isso o é, isso não arranja as
coisas assim tão mal. Mas enfim, constata-se que nesta entidade
tão pouco apreendida do corpo há alguma coisa que se presta
a esta operação de estrutura lógica que nos resta
determinar. É o seio, o cíbalo, o olhar, a voz: estas peças
destacáveis entretanto profundamente religadas ao corpo, eis aí
de que se trata no objeto
a. Para fazer as vezes do a,
portanto, limitemo-nos, já que nos obrigaremos a certo rigor da
lógica, a assinalar que é necessário estar pronto
para fornecer-lhe o que for necessário. Isso pode nos bastar no
momento, mas isso não resolve nada para o que devemos avançar.
Para fazer o fantasma é preciso estar pronto para usá-lo.
Eu me permitirei articular aqui algumas teses sob as formas
as mais provocantes uma vez que se trata também de destacar este
domínio dos campos de captura que nos fazem voltar às ilusões
mais fundamentais disto que nós chamamos a experiência psicológica
e que o que vou avançar é precisamente o que fundará
a consistência de tudo o que eu desenvolver este ano para vocês.
Desenvolver[8], eu já o disse, faz bastante tempo
que está feito, quando no quarto ano de meu seminário eu
tratei da relação de objeto concernente ao objeto a.
Tudo está dito quanto a estrutura da relação
do a ao Outro; tudo está especial e suficientemente
fisgado na indicação de que é do imaginário
da mãe que vai depender a estrutura subjetiva da criança.
O que aqui se trata de indicar, é em que esta relação
se articula em termos propriamente lógicos, quer dizer, trata-se
de sublinhar radicalmente a função do significante. Mas é
de notar que para quem resumia então o que podia indicar neste sentido
a menor falta concernente ao pertencimento de cada um dos termos destas
três funções que podiam então ser designadas
como objeto, no sentido de objeto de amor, e do além disto. Nosso
atual objeto a, a saber a referência à imaginação
do sujeito, podia obscurecer a relação que se tratasse de
situar. Não situado no campo do Outro, a função do
a,
no estatuto do perverso é a função do falo; a teoria
sádica do coito, não é nada disto, senão que
é ao nível da mãe que isto funciona.
Quem é que usa o fantasma? Este que usa o fantasma
tem dois nomes que concernem a uma só e mesma substância,
se vocês querem este termo reduzido a esta função de
superfície tal como eu a articulei no ano passado, esta superfície
primordial que nos faz falta para fazer funcionar nossa articulação
lógica, vocês já conhecem dela algumas formas. São
superfícies fechadas. Participam da bolha mesmo que não sejam
esféricas; nós a chamamos a bolha e nós veremos o
que motiva, isto ao que se ligará a existência das bolhas
no real.
Esta superfície que eu chamo bolha tem propriamente
dois nomes: o desejo e a realidade.
É completamente inútil cansar-se tentando
articular a realidade do desejo, porque primordialmente o desejo e a realidade
estão em uma relação de textura sem corte; eles não
tem portanto necessidade de costura, não tem necessidade de ser
recosidos.
Não há mais realidade do desejo que não
seja justo dizer o avesso do direito, há um só e mesmo estofo
que tem ainda um avesso e um direito; este estofo está tecido de
tal sorte que se passa sem se aperceber – pois que ele é sem corte
e sem costura – de uma a outra de suas faces, e é por isso que eu
emprego diante de vocês uma estrutura como essa do plano projetivo
imajada[9] na mitra ou o cross-cap. Que se passe de uma face
à outra sem se aperceber, isto diz bem que não há
senão uma, eu entendo que não há senão uma
face, e isto não se deixa por menos como nas superfícies
que eu acabo de evocar cuja forma parcelária está na cinta
de Moebius, a qual tem um direito e um avesso.
Isto necessita ser posto de um modo originário.
Para lembrar como se funda esta distinção do direito e do
avesso enquanto que já aí antes de todo o corte, está
claro que quem (como os animálculos empregados pelos matemáticos)
aí nesta superfície estiver implicado, não verá
senão uma gota desta distinção entre o direito e o
avesso.
As superfícies que eu apresentei para vocês,
desde o plano projetivo até a garrafa de Klein até o que
podemos chamar de propriedades extrínsecas, as superfícies
não são as propriedades da superfície, é em
uma terceira dimensão que isso toma sua função, a
saber no buraco que está no meio do toro; um ser puramente tórico,
não creiam que ele mesmo se aperceba desta função
a qual, contudo, não é sem conseqüências pois
foi a partir dela – já faz seis anos[10] - que eu tentei articular,
para os que me escutavam então, as relações do sujeito
ao Outro na neurose. É, com efeito, desta terceira dimensão
do outro que se trata. É por relação ao outro, enquanto
que há aí esta outridade[11], que se pode tratar de distinguir
entre um direito e um avesso, isto não é ainda distinguir
realidade e desejo. O que é direito ou avesso primitivamente no
lugar do Outro, no discurso do Outro, que se joga no cara ou coroa, isto
não concerne em nada ao sujeito pela simples razão de que
ele ainda não tem.
O sujeito começa com o corte. Se nós tomamos
dessas superfícies a mais exemplar, porque é a mais simples
de manejar, a saber o cross-cap, plano projetivo, um corte, mas
não importa qual, eu o lembro para aqueles para quem estas imagens
tem alguma presença.
Nestes traços imaginários nos quais as paredes
anteriores e posteriores se cruzam, se é assim que nós representamos
a estrutura de que se trata, todo corte que franqueará esta linha
imaginária instaura uma mudança total da superfície,
a saber que toda esta superfície torna-se o que nós já
aprendemos a destacar nesta superfície sob o nome de objeto a,
a saber que toda inteira a superfície torna-se um disco aplanável
com um direito e um avesso do qual se deve dizer que não se pode
passar de um ao outro a não ser franqueando uma borda. Esta borda,
é precisamente o que torna este franqueamento impassável[12],
pelo menos é assim que nós podemos articular sua função
in
initio, a bolha por este primeiro corte, rico de implicações
que não saltam aos olhos em seguida, por este corte torna-se um
objeto a. Este objeto a mantém, porque esta relação
tem desde a origem para que isto seja possível de ser explicado,
uma relação fundamental com o Outro.
Com efeito, o sujeito em absoluto não apareceu
ainda com o único corte por onde esta bolha que instaura o significante
no real deixa cair de entrada este objeto estranho que é o objeto
a.
É necessário e suficiente, na estrutura
indicada, aperceber-se disto que está aí neste corte, para
perceber também que ela tem a propriedade de se redobrar simplesmente,
de se reencontrar.
Dito de outro modo: é a mesma coisa fazer um único
corte ou fazer dois.
Pode-se considerar a hiância[13] do que há
entre as duas voltas que não são senão uma, como o
equivalente do primeiro corte. Mas se eu faço, no tecido do qual
se trata de exercer este corte, um corte duplo, eu resgato, eu restituo
o que foi percebido no primeiro corte, a saber, uma superfície cujo
direito se continua no avesso. Eu restituo a não separação
primitiva da realidade e do desejo.
Nós definiremos a realidade como sendo o que eu
chamo sempre de o prêt à porter do fantasma, quer dizer
o que está à sua disposição. Nós veremos
então que a realidade, toda a realidade, não é outra
coisa que a montagem do simbólico e do imaginário.
O desejo no centro deste aparato, deste quadro que nós
chamamos realidade, é do mesmo modo, propriamente falando, o que
cobre, como eu articulei, o que importa distinguir da realidade humana
e que é, a bem dizer, o real que não é jamais senão
entrevisto, entrevisto[14] como a máscara fácil que é
a do fantasma, a saber a mesma coisa apreendida por Spinoza quando ele
disse que o desejo é a essência do homem. Na verdade, esta
palavra [homem] é um termo de transição impossível
de conservar em um sistema ateológico, o que não é
o caso de Spinoza; nesta fórmula spinoziana nós temos simplesmente
que substituir isto que o desconhecimento levou a psicanálises às
aberrações mais grosseiras, a saber: que o desejo é
a essência da realidade.
O SUJEITO E A NEGAÇÃO
Mas esta relação ao Outro, sem a qual nada
pode ser apercebido do jogo real desta relação, é
o que eu me esforcei em desenhar para vocês recorrendo ao velho suporte
dos círculos de Euler. Tomar a relação como fundamental,
seguramente ela é insuficiente como representação,
mas se nós a acompanhamos do que ela suporta em lógica, ela
pode servir para fazer ressurgir a relação do sujeito ao
a.
Desenha-se como um primeiro círculo ao qual um outro círculo
segue, recortando-o: o a é sua interseção.
É por aí que sempre nesta relação
de um vel[15] originalmente estruturado, que é aquele onde
eu me esforcei, já há três anos, em articular para
vocês a alienação[16], que o sujeito não saberia
se instituir senão como uma relação de falta neste
a
que é do Outro, salvo a querer se situar no Outro, salvo a não
tê-lo, igualmente, a não ser amputado deste objeto a.
A relação do sujeito ao objeto a comporta
o que a imagem de Euler toma como sentido quando ela é levada ao
nível de simples representação das duas operações
lógicas que se chamam reunião e interseção.
Reunião: a ligação do sujeito
ao Outro []
Interseção: define o objeto a []
O conjunto desta operações lógicas
são aquelas que eu coloquei como originárias, dizendo que
o a é o resultado efetuado por operações
lógicas que devem ser duas. O quê quer dizer isto? Que
é essencial na representação de uma falta, enquanto
falta[17], que se institua a estrutura fundamental da bolha que nós
de entrada chamamos: o estofo do desejo. Aqui, em um plano de relação
imaginária, se instaura uma relação exatamente inversa
daquela que liga o eu [moi] à imagem do Outro. O moi
é duplamente ilusório: ilusório por ser submetido
aos avatares da imagem, quer dizer também livrado à função
de falso semblante. E também porque ele instaura uma ordem lógica,
pervertida, da qual nós veremos na teoria psicanalítica a
fórmula, entanto ela franqueia imprudentemente esta fronteira lógica
que supõe que em um momento qualquer, que nós chamamos primordial,
da estrutura, o que é rejeitado pode se chamar non-moi. É
precisamente isso que nós constatamos: a ordem de que se trata implica
sem que se o saiba, e ela não admite de modo nenhum uma tal complementaridade;
é o que nos fará por em primeiro plano de nossa articulação
a discussão da função da negação.
Cada um sabe que poderá encontrar nesta compilação
colocada à vossa disposição o que eu articulei em
um seminário em Ste. Anne: a secundariedade[18], a verneinung,
escandida por Hippolite, ela está aí articulada de modo assaz
preciso para que de agora em diante não possa ser admitido que ela
sobreviria de entrada ao nível desta primeira cisão que nós
chamamos prazer e desprazer.
Isto porque, nesta falta instaurada pela estrutura da
bolha que constitui o estofo do sujeito, não é de modo
nenhum questão de nos limitarmos aos termos daqui em diante desusados
pela confusão que implica em termos de negatividade.
O significante não é somente o que traz
o que não está aí, o exemplo do Fort-Da – na
medida em que representa a presença ou a ausência materna
– não está ai a articulação exaustiva da entrada
em jogo do significante. O que não está aí, o significante
não o designa, o engendra; o que não está aí,
na origem, é o próprio sujeito. Dito de outro modo: na origem
não há Dasein senão no objeto a,
quer dizer, é sob a forma alienada que permanece marcada até
seu termo toda enuncia-ção concernente a Dasein.
É necessário lembrar que não há
sujeito senão através de um significante frente a outro significante?
Como não há sujeito senão representado
por um significante frente a outro significante, a Urverdrängung
– o recalcamento originário – é justamente o que um significante
representa para outro significante e isto não dá em nada,
isto não constitui absolutamente nada: isto se acomoda muito bem
a uma ausência absoluta de Dasein. Durante pelo menos dezesseis
séculos os hieróglifos egípcios ficaram tão
solitários como incompreendidos nas areias do deserto, e está
claro – tem sempre que estar claro para todo mundo – que o que quer dizer
é que cada um dos significantes gravados na pedra no mínimo
representava um sujeito para outros significantes. Se isto não fosse
assim, ninguém teria tomado isto por uma escrita.
Não é de modo nenhum necessário
que uma escritura queira dizer algo para quem quer que seja, para que ela
seja uma escritura e que como tal manifeste que cada significante representa
um sujeito para aquele que o segue.
Se nós chamamos a isto Urverdrang, isto
quer dizer que nos parece conforme à experiência pensar que
o que acontece, a saber que um sujeito emerge, o sujeito barrado, como
alguma coisa que vem de um lugar onde ele está supostamente inscrito
para um outro lugar onde irá inscrever-se novamente, a saber, do
mesmo modo em que eu estruturei em outra ocasião a função
da metáfora na medida em que ela é o modelo em quanto ao
retorno do reprimido.
É portanto a respeito deste significante primeiro
do qual nós vamos tratar. O sujeito barrado [$] que ele abole, vem
surgir em um lugar onde nós poderemos hoje dar uma fórmula
que ainda não foi dada. O sujeito barrado como tal é o que
representa para um significante este significante de onde surgiu um sentido,
e eu entendo por sentido[19] exatamente isto que os fiz entender ao princípio
de um ano sob a fórmula:
“Colourless green seas slep furiously”
Que se pode traduzir assim:
As idéias asperamente enegrecidas se adormecem
com furor[20]
Falta saber que elas se dirigem todas a este significante
da falta do sujeito que se torna um certo primeiro significante desde que
o sujeito articula seu discurso, a saber, isto do qual os psicanalistas
estão bastante bem apercebidos (ainda que eles não soubessem
dizer nada que valha à pena) a saber o objeto a que a este nível
substitui a função que Frègue distingue do signo sob
o nome de Bedeutung[21].
O objeto a é a primeira Bedeutung,
o primeiro referente, a primeira realidade, a Bedeutung que fica,
porque ela é no final da contas o que resta do pensamento no fim
de todos os discursos, a saber o que o poeta pode escrever sem saber o
que diz. Quando ele se dirige à sua mãe inteligência
para que a deixe correr, qual é esta negligência que deixa
secar seu leite? A saber, um olhar apreendido, aquele que se transmite
no nascimento da clínica, o mesmo que um de meus alunos recentemente
no congresso da Universidade John Hopkins chamou a “vois”[22] no
mito literário.
A saber, também o que fica de tanto pensamento
gasto sob a forma de uma confusão pseudo-científica e que
também se pode chamar por seu nome – eu o fiz há muito tempo
concernindo à literatura analítica e que se chama – a merda,
da confissão, por outro lado, dos autores. Eu quero dizer à
propósito de toda uma pequena falha de raciocínio próximo,
concernente à função do objeto a, que
entre os que se possa articular não há nenhum suporte ao
complexo de castração a não ser o que chamamos de
objeto anal; o que não é aqui um detalhe de pura e simples
apreciação, senão a necessidade de uma articulação
da qual o enunciado por si só deve reter, já que, depois
de tudo, ele não se formula noções qualificadas, uma
vez que esse será este ano nosso método concernente à
lógica do fantasma, mostrando na teoria analítica onde ela
vem tropeçar.
Entenda-se bem que esta falta é arrazoada,
quer dizer razoável, não é obrigatória, e o
objeto a em questão pode assim se mostrar, pode mostrar-se
totalmente nu.
Isto é o que nós teremos ocasião
de mostrar.
Eu quero, do mesmo modo, marcar o que impede que se admita
certas interpretações que foram dadas da metáfora,
da qual eu acabo de dar-lhes o exemplo menos ambíguo, com qualquer
que seja que se faça uma espécie de relação
[rapport] proporcional.
Quando eu escrevi que a substituição, que
o fato de enxertar um significante substituindo a um outro significante
sobre a cadeia significante, está na fonte, na origem de todas as
significações, conforme ao que eu articulei hoje: o surgimento
deste sujeito barrado como tal – eu lhes dei a fórmula – exige de
nós a tarefa de dar-lhe um estatuto lógico. Para mostrar-lhes
de imediato, porém, a urgência desta tarefa, observem que
a confusão foi feita desta relação a quatro: o S’,
o S, e o s do significado com suas relações
de proporção que um dos meus ouvintes, autor da teoria da
argumentação, promovendo uma retórica abandonada,
articula a metáfora, vendo aí a função da analogia
e que é da relação do significante a um outro, um
terceiro o reproduz fazendo surgir um significado ideal que ele funda,
a função da metáfora, ao que respondi a tempo: é
de uma tal metáfora que pode surgir a fórmula que foi dada,
a saber:
O outro registro, substantificando o inconsciente, seria
constituído por esta relação estranha de um significante
a um outro significante do qual, agregamos, a linguagem tomaria seu lastro.
Esta fórmula, dita da linguagem reduzida, eu acredito
que vocês já sabem agora, repousa sobre um erro que é
o de introduzir nesta relação a quatro a estrutura de uma
proporcionalidade. Nós vemos mal o que pode sair disto pois que
a relação S / S torna-se difícil
de interpretar.
O inconsciente é estruturado como uma linguagem
e isto deve ser tomado mais do que nunca ao pé da letra.
Já que se confirma que eu não completo os
cinco pontos hoje, eu quero escandir o que é a chave de toda estrutura
e o que deixa a empresa que foi encontrada assim, articulada, no início
de uma pequena compilação concernente à relação
de minha audiência no Congresso de Bonneval: é errôneo
estruturar sobre um mito de linguagem reduzida qualquer dedução
do inconsciente, pela seguinte razão: é da natureza de todo
e qualquer significante não poder em nenhum caso significar-se a
si mesmo.
A hora já está adiantada para que lhes imponha,
às pressas, a escrita deste ponto inaugural de toda a teoria dos
conjuntos, o qual implica que esta teoria não pode funcionar senão
a partir de um axioma dito de especificação, a saber: que
não há interesse em fazer funcionar um conjunto se existe
um outro conjunto que possa ser definido pela definição de
certos X no primeiro como satisfazendo livremente a uma certa proporção.
“Livremente” quer dizer: independente de toda quantificação.
Acontece que eu começarei minha próxima
lição justamente por estas fórmulas. Dado um conjunto
qualquer, definindo aí a proporção que eu indiquei
como aí especificante de X, supondo que X não
seja membro de si mesmo, o que nos interessa é que ele se impõem
desde que se quer introduzir o mito de uma linguagem reduzida, que há
uma linguagem que não o é [reduzida], quer dizer, que constitui
por exemplo o conjunto dos significantes, sendo que o próprio do
conjunto dos significantes – eu lhes mostrarei em detalhe – comporta isto
de necessário: há alguma coisa que não pertence a
este conjunto. Se nós admitimos somente que o significante não
saberia significar-se, não é possível reduzir a linguagem
simplesmente. As respostas a isto são: que a linguagem não
saberia constituir um conjunto fechado, dito de outro modo: não
há universo do discurso, ou neste universo do discurso não
há nada que contenha tudo.
As verdades que eu acabo de enunciar são simplesmente
aquelas que apareceram de um modo confuso no período ingênuo
da instauração da teoria dos conjuntos – o paradoxo de Russel,
mais que um paradoxo é uma imagem: o catálogo dos catálogos
que não se contém, ou então eles se contém
a si mesmos e faltam à sua missão; isto não é
de maneira nenhuma um paradoxo: tem-se declarado que ao fazer um tal catálogo,
não se pode ir[23] até o fim, e com razão!
O que eu lhe anunciei: que no universo do discurso não
há nada que contenha tudo, eis aqui o que nos incita a ser especialmente
prudentes quanto ao mínimo do que se chama todo e parte, e exigir
na origem que nós distingamos o um da totalidade a qual justamente
eu acabo de refutar dizendo que ao nível do discurso não
há universo, o que deixa ainda em suspenso distinguir este um do
um contável, que de sua natureza se desvela e se desliza a ser um,
a se repetir e tornar a fechar-se ele mesmo, instaurando a falta
da qual se trata quando se trata de instituir o sujeito.16 de novembro
de 1966 |