21 de dezembro de 1966
* 5 *
Penso ter dado na última
vez a prova de que eu pude suportar bem os pequenos testes, a lâmpada
que se acende e se apaga; antes, nas histórias de bicho-papão[58]
explicávamos porque a gente levava as pessoas a uma certa autocrítica.
Vocês constataram que não são estes os inconvenientes
capazes de desviar meu discurso.
É porque eu espero
que vocês não pensem em referir a nenhum vão prurido
pessoal, que eu hoje não farei o seminário que lhes tinha
preparado. Eu me desculpo aos que vieram por isto, mas ninguém perderá
nada pois vocês têm estes pequenos exemplares que lhes presenteei
a cada um.
Chegamos ao momento em
que vou formular sobre o inconsciente as fórmulas que considero
como decisivas. Fórmulas lógicas nas quais vocês viram
na última vez aparecer sobre o quadro-negro, o escrevi sob a fórmula
“ou não penso ou não sou”[59], com a reserva de que este
“ou” não é nem um vel, aí o da reunião,
um e outro, ou todos os dois, nenhum outro, ao
menos 1, mas não mais, é preciso escolher. Isto não
é nem o um nem o outro, e esta não será a ocasião
de introduzir, eu o espero, de um modo que será recebido no cálculo
lógico, uma outra função, aquela que poderíamos
chamar por um termo novo, ainda que haja um do qual eu me servi e que poderia
ter outras aplicações que podem fazer ambigüidade; não
importa, eu farei a aproximação, não se trata de outra
coisa do que aquilo que lhes indiquei sob o termo de alienação.
Que importa, chamemos a esta operação W
(ômega), e na tábua da verdade corresponde a isto: que as
proposições sobre as quais ela opera, se as duas são
verdadeiras, o resultado da operação é falso. Vocês
consultarão as tábuas de verdade que têm à mão
e verão que as que estão em uso, conjunção,
disjunção, a implicação não preenchem
esta condição. Quando eu digo que a conjunção
do verdadeiro ao verdadeiro dá por esta operação o
falso, eu quero dizer que toda outra conjunção aí
é verdadeira, a do falso ao falso, ou a do verdadeiro ao falso.
A relação
disto com o que é da natureza do inconsciente é o que eu
espero poder articular para vocês em 11 de janeiro, para quando lhes
convido.
Vocês pensam que
se eu não o faço hoje – eu penso que vocês confiam
em mim – é porque minha formulação não está
pronta nem para o que eu poderia hoje limitá-la.
Com efeito, trata-se de
um certo temor em avançar diante de vocês com o rigor que
isto requer, justamente em um dia em que estou um tanto embaraçado:
é que eu passei as últimas horas a me interrogar sobre uma
coisa que não é nada menos que a oportunidade ou não
da continuação disto em que nós estamos todos juntos
neste instante e que se chama “meu seminário”. Se eu me coloco
esta questão, é que ela quer ser colocada, um pequeno volume
ao que vos remeti, que me parece dever chamar vossa atenção
antes de que eu aporte uma fórmula lógica que permita de
alguma maneira assegurar de modo firme e certo o que há na reação
do sujeito tomado nesta realidade do inconsciente; não é
em vão que este volume vos testemunhe o que são as dificuldades
desta jornada para aqueles os quais é a praxis e função
de aí ser[60]. Pode ser que seja falso comparar a relação
que deste “aí ser” a um certo “aí não ser não”[61].
Este volume lhes testemunhará
o que foi um encontro em torno deste tema do inconsciente[62]: aí
participaram e aí tiveram um orelha eminente dois de meus mais caros
alunos[63]; entre outros estava lá até o marxista do C.N.R.S.
Nós reconheceremos aí isto a que Freud faz alusão
em um ponto das cinco grandes psicanálises[64], isto lhes permitirá
folhá-las um pouco, isto que Freud e a polícia a uma só
voz chamam: o presente do cartão de visitas. Se acontece de seu
apartamento ser um dia “visitado” em sua ausência, vocês poderão
constatar possivelmente que o rasto que pode deixar o visitante é
uma merdinha.
Nós estamos aí
sobre o plano do objeto a: nenhuma surpresa de que estas
coisas se produzam na relação com os sujeitos que vocês
encurralam através de seus discursos sobre as vias do inconsciente.
Na verdade, há grandes e fortes escusas à carência
que demonstram os psicanalistas de hoje em se manter à altura teórica
exigida por sua praxis. Para eles a função das resistências
é algo no qual vocês poderão ver que as fórmulas,
das quais também quero estar seguro de mim, o importante é
o dia em que tratarei de dar-lhes em seu essencial e de sua reinstância,
vocês verão que a necessidade que se agrega à resistência
é que ela não sabe se limitar aos não psicanalisados.
O tema da relação
não do pensar e do não ser, que eu me esforçarei para
dar-lhes, não me creiam sobre as vertentes da mística, senão
do “eu penso” e do “eu não sou”, e que permitirão pela primeira
vez e de uma maneira sensível marcar não somente a diferença,
[mas também] o não recobrimento do que se chama resistência
e o que se chama de antemão, e mesmo de aí marcar de modo
essencial ainda que inédito, o que há aí de proibido,
que é propriamente o que cerne, o que preserva exatamente o “eu
não sou”. É falta de saber que tudo está deslocado,
em desacordo[65] na visão onde cada fantasma pode ser nisto parte
da[66] realidade do inconsciente.
Este algo que nos falta
e que o faz parecer escabroso, isto ao que nós somos afrontados
não importa por qual contingência, a saber esta nova conjunção
do Ser e do Saber, esta abordagem distinta do termo da verdade
que faz a descoberta de Freud alguma coisa que não é de nenhum
modo irredutível nem criticável por meio de uma redução
a qualquer ideologia que seja. Se o tempo me permite, eu o tomarei para
indicar-lhes que não perderão nada reabrindo Descartes de
início (se eu lhes anuncio isto não é pela vaidade
de agitar algum europel destinado a fasciná-los) pois que ele é
mesmo o pivô ao redor do qual eu farei girar este retorno necessário
às origens do sujeito, graças ao que podemos retomá-lo
em termos de sujeito. Por quê? Porque é precisamente nestes
termos que Freud articula seu aforismo essencial ao qual aprendi a voltar,
não somente eu mesmo, mas também aos que me escutam. Wo
Es war, soll Ich werden. O Ich nesta fórmula, na data
em que foi articulado nas Novas Conferências[67], não
saberia de nenhum modo ser tomado pela função: o Ich,
tal como está articulado na Segunda tópica, como eu o escrevi:
“Lá onde isso era, lá eu devo advir”[68], e eu ajuntei, “como
sujeito”, mas é um pleonasmo.
Eu apanhei diante de vocês
o sentido do cogito para colocar em torno ao “Eu sou”. Do mesmo
modo no aforismo de Freud, nós não podemos encontrar fórmula
mais digna que a que ele havia sonhado, aqui foi descoberto o segredo do
sonho: o Wo Es war, aí onde isso estava, aí deve advir
o Ich, se vocês o gravam, não deixem de fazer saltar
a virgula, quer dizer, no lugar onde Freud coloca esta fórmula,
o de que se trata nesta indicação não é a esperança
que de repente os seres humanos se expressem em uma linguagem de vermes,
o eu [moi] deve desenvolver o isso! Freud indica aí nada
menos que esta revolução do pensamento que sua obra necessita.
Está claro que
há aí um desafio, perigoso para qualquer um que avança,
como é o meu caso, para sustê-lo em seu lugar. Um certo Abelardo[69]
disse um dia estes termos: “a lógica me fez desejoso do mundo”,
e é sobre este terreno que eu entendo levar os termos decisivos
que não permitam mais confundir isto de que se trata quando se trata
do inconsciente. Veremos ou não se alguém pode articular.
Aí eu caio fora.
Para apanhar o que há
do inconsciente, eu quero marcar, para que vocês possam aí
preparar seu espírito, por algum exercício, o que nos está
aí interdito é exatamente esta espécie de movimento
do pensamento que é propriamente este do cogito que, entanto
que a análise necessita de Eros, não exige de nenhum modo
a presença de qualquer imbecil. Descartes publica seu cogito,
ele o articula, este movimento do Discurso do Método se desenvolve
no escrito, ele se dirige a alguém e o leva pelos caminhos de uma
articulação sempre mais prudente, depois, de repente, alguma
coisa acontece que consiste em decalar[70] destes caminhos traçados
para fazer surgir para nós outra coisa que é o “eu sou”.
Há aí esta espécie de movimento que busco qualificar
para vocês do modo mais preciso e que é este que não
encontramos senão algumas vezes no curso da história; eu
poderia designar para vocês mesmo no sétimo livro de Euclides
na demonstração, é da mesma ordem. Qualquer que seja
a fórmula que vocês poderiam, se isso se encontrasse, dar
da gênese dos número primeiros, seria preciso que ninguém
tivesse encontrado ainda esta fórmula. Mas se a encontrassem teriam
aí a prova de que há outras que esta fórmula não
pode dar.
Este nó onde se
marca o ponto essencial do que há de uma certa relação
que é a do sujeito pensante, se eu tocasse no último ano
da aposta pascaliana, é nos mesmo moldes[71], se vocês se
referem a isto que aparece nas matemáticas modernas, isto que se
chama de apreensão diagonal, dito de outro modo o que permite a
Cantor instaurar uma diferença entre os infinitos; vocês tem
sempre os mesmos movimentos. Vocês poderão arranjar o opúsculo
de Santo Anselmo onde lerão o capítulo II pare recorrer novamente,
à titulo de exercício, o que há disto que a imbecilidade
universitária fez cair no descrédito sob o nome de argumento
ontológico[72]. Vocês acreditam que Santo Anselmo não
sabia que o pensar e o mais perfeito exercício que existe? Pois
ele o sabia muito bem.
É à entrada
desta démarche que eu busco lhes designar em que consiste
conduzir o adversário por um caminho e que seja de seu brusco desligamento
que surge uma dimensão até então desapercebida. Tal
é o erro da relação à esta dimensão
do inconsciente, este movimento impossível, tudo está permitido
ao inconsciente, salvo articular “logo sou”.
É o que necessita
outras abordagens, abordagens lógicas que tratarei de traçar
para vocês: é o que rejeita a seu nada e à sua futilidade
tudo o que foi articulado nos termos pegajosos da psicologia em torno da
auto-análise. A dificuldade que eu pude ter em reanimar em um campo
cuja função se afirma e se cristaliza justamente por dificuldades
noéticas, o que inclui toda a abordagem teórica do inconsciente,
ponto demasiado compreensível que não exclui neste meio senão
que a junção se faça sobre o plano da técnica
e da interrogação precisa, justamente, v.g., para
poder exigir que aí se encontre o termo no qual se justifica a psicanálise
didática. A questão para mim pode se colocar em termos da
conseqüências de um discurso, suas circunstâncias, mesmo
seu projeto[73], para mim trata-se de usar de rodeios, aqueles que me impõem
estas circunstâncias, trata-se de abrir este discurso sobre Freud
a um público maior.
O galante homem cuja assinatura
está sob o que eu chamei o presente, “a liberdade de tolerar que
o fórum não se degrade em circo”[74], se o presente me é
precioso, a verdade surge também da incontinência; e seria
eu mesmo que, precisamente, neste volume substituiria o circo pelo fórum[75].
Se eu tivesse êxito de verdade, Deus me abençoaria. Neste
pequeno artigo sobre o inconsciente, eu tive com efeito o sentimento de
que me exercitava em alguma coisa ao mesmo tempo rigorosa e que rompia
os limites, senão aqueles do teto do circo, pelo menos os da acrobacia,
e por que não os da palhaçada, se querem, para substituir
algo que não tem com efeito nenhuma relação com o
que eu pude dizer neste fórum de Bonneval que como todo fórum
é uma feira.
Quando eu falo do cógito,
é de alguma coisa com a forma de um circo, ou próximo a isto,
que não se fecha, que tem esta rede que faz passar este “eu penso”
ao “eu sou” e que deu um passo essencial na revolução do
sujeito, o de Cantor; já se o injuriou o suficiente para que termine
sua vida em um asilo, mas tranqüilizem-se, não é o meu
caso, eu sou menos sensível às articulações
de colegas ou de outros. A questão que eu coloco, é a de
saber se eu articulo, em uma dimensão veiculada pela venda assaz
estupefaciente destes Escritos; se eu articulo pois este discurso,
será necessário ou não que eu me ocupe de vê-lo,
[pois] não se pode contar sobre estes cujo ofício é
o de se fazer valer por enganchar algo no discurso de Lacan, ou de alguns
outros, para marcar sua originalidade.
Entre Bonneval e aqui
eu vivi uma feira onde tenho sido a besta. Isso não me incomoda
porque estas operações não me concernem em meu discurso;
isto não impediria as pessoas de vir e de esgravatar em meu seminário
aquilo que lhes serviria. O que virá agora para a feira serão
outras coisas que têm coexistido, como antes da aparição
de meus Escritos, para me demonstrar que eu não sei ler Freud.
Depois de 30 anos que eu não faço senão isso, que
é preciso fazer? Responder? Fazer responder?
Eu tenho coisa mais importante
a fazer do que seguir o ponto onde estas coisas podem dar seus frutos,
qual seja aqueles que me seguem na praxis.
Qualquer que seja, esta
questão não me deixa indiferente, é mesmo por isso
que eu a coloco com a maior acuidade; eu devo dizer que só uma coisa
me impede de dizer claramente de modo que vocês possam ver como aqui
ela se desenha, e isto não por vossas qualidades, ainda que eu não
esteja longe de me sentir honrado por ter entre meus auditores algumas
das pessoas melhor formadas e daquelas para as quais não é
vão propor-me a seu julgamento; isto por si só seria suficiente
para ser transmitido pela via do escrito.
É claro que nas
universidades, como nas universidades francesas, a 100 anos que se é
kantiano. Os responsáveis têm colocado diante deles massas
de estudantes; eles acharam jeito de fazer sair uma edição
completa de Kant, talvez se isso me agrada continuarei meu discurso, não
é vossa qualidade mas vosso número que me toca. É
porque este ano eu renunciei ao fechamento de meu seminário, é
por causa deste número, deste algo de incrível que faz com
que as pessoas, uma boa parte dos que estão aqui, que eu saúdo,
uma vez que eles estão aqui para me provar que há alguma
coisa no que eu digo que responde, para estes que vêm me escutar,
melhor que o discurso de seus professores, no que concerne ao que lhes
interessa pois que isso faz parte de seu programa, e eles vêm escutar
a mim que não faço parte! Deve haver aí algo que eles
se sentem interessados. É por aí, certamente, que eu quero
me justificar se para continuar este discurso que, como durante os 15 anos
que durou, é um discurso onde certamente tudo não está
dado de entrada; o que eu construi em partes inteiras fia disperso nas
memórias que não farão senão aquilo que elas
quiserem. Há portanto partes que mereceriam mais ou melhor. Eu farei
referência ao chiste na fórmula da operação
W [ômega]; durante três meses eu
falei do chiste.
Eu lhes convido a procurar
“O chiste” e a adentrá-lo. (Chegou a minha vez de tomar férias).
Estas primeiras coisas de meus seminários passados das quais tratarei
de lhes dar um equivalente. Não é sempre festa, não
para mim. A última vez que fiz alusão a uma festa foi em
um pequeno escrito. Não tão pequeno já que tenho ao
que resta em estado de discurso que eu pronunciei diante de um público
médico bastante grande; a acolhida deste discurso foi uma das experiências
de vinha vida, eu não a renovarei. Eu conheço de antemão
o resultado. Eu devo lhes dizer que não pude resistir a aí
efetuar uma modificação que não tem nada a ver na
verdade com o discurso. Esta alusão à festa do Banquete,
se foi uma alusão, o público a reconhecerá melhor
no boletim de minha pequena escola do que no Colégio de Medicina
onde será em algum lugar publicado.
Alusão à
festa do Banquete: trata-se daquela que vem, como mendiga, extraviada;
os dois personagens alegóricos, Poros e Penia. Entre o Poros da
psicanálise e a Penia universitária eu me pergunto até
onde posso deixar ir a obscenidade qualquer que seja a parada em jogo,
a coisa requer que se a veja por duas vezes. Eu quero dizer mesmo se a
aposta é o que o outro chama tão comicamente: o Eros filosófico.
Boas Festas! |