14 de dezembro de 1966
* 4 *
INTRODUÇÃO
Falemos
de pequenas novidades. Uma coisa curiosa: a maneira na qual este livro[47]
é acolhido em uma certa zona, aquela que vocês representam.
Vou
partir de uma pergunta idiota que me foi colocada. Não é
isto que se poderia crer, quero dizer, não foi de uma maneira que
me desgostasse, eu adoro os idiotas e as idiotas. Isto que eu chamo
idiota é natural, um idiotismo é uma coisa natural, simples
e amiúde ligado à situação. A pessoa não
havia lido meu livro e me perguntava: “Qual é o laço entre
vossos Escritos?”
Uma
pergunta que não me teria ocorrido por mim mesmo. Uma pergunta que
não poderia ter me ocorrido. Pergunta interessante à qual
faço todos os esforços para responder como me foi colocada.
Era para mim fonte de uma verdadeira interrogação e, para
ir rápido, eu respondi nestes termos: que o que me parecia fazer
laço, não a meu ensino, senão a meus Escritos,
que qualquer um que lhes abra lhe tocará algo que é da ordem
do que se chama identidade, cada um tem o direito de deixar-se levar pelo
impulso de aplicar a si mesmo.
Eu
quero dizer, desde o estádio do espelho até às últimas
notações do que pude escrever sob a rubrica do sujeito.
Este
ano, eu acreditei dever, falando da lógica do fantasma, partir desta
observação que para os que estão familiarizados não
tem nada de novo: que o significante não saberia significar-se
a si mesmo. O que não é em absoluto a mesma coisa que
esta questão sobre a ordem da identidade para o sujeito, que poderia
ser-lhe aplicável a si mesmo.
Mas
enfim, para dizer as coisas de modo que elas ressoem, o ponto de partida
que deixa um laço até o término desta volta é
algo profundamente discutido ao largo de todos estes Escritos e
que se expressa nesta fórmula que aparece sempre e que se mantém,
devo dizer, com uma desagradável atitude e que se expressa assim
“moi je suis moi”, “eu sou eu”. Eu penso que são poucos entre
vocês os que não tenham lutado para colocar esta convicção
em questão, mesmo quando ela tenha apenas arranhado seus papéis,
não resta disto senão que ela é sempre muito perigosa.
Com efeito, ela se engaja em seguida, na via onde se desliza e naquela
que eu assinalei de novo este ano que se coloca do modo mais natural, os
mesmos que estabeleceram esta certeza tão fortemente não
duvidam em cortar também ligeiramente o que não é
deles. Não é privilégio dos bebês dizer: não
sou eu.
Ao
mesmo tempo, toda uma teoria da gênese do mundo para cada um que
se chama psicólogo, que os primeiros passos da experiência
farão para aquele que a vive, o ser infans, em seguida infantil,
que ele fará a distinção, diz o professor de psicologia,
entre o eu [moi] e o não-eu [non-moi]; uma vez engajada
nesta via, está bem claro que a pergunta não saberia avançar
um passo, posto que se compromete nesta oposição como se
ela fosse considerada como partida entre o eu e o não-eu com o único
limite de uma negação comportando a mais o terceiro excluído,
ele está totalmente fora do campo, o que é a única
questão importante, a saber: se eu, eu sou eu, “si moi je suis
moi”.
É
certo que ao abrir meu livro, todo leitor será enodado neste laço,
e que isto não é portanto uma razão para que ele se
sustenha aí, pois o que está enodado por este laço
lhe dá suficiente ocasião para ocupar-se de outra coisa,
coisas que se esclarecem ao serem enodadas neste laço e, portanto,
deslizarem-se ainda fora de seu campo, é o que é concebível
nisto: que não é sobre o terreno da própria identificação
que a pergunta pode ser verdadeiramente resolvida. É justamente
voltar a trazer, não somente esta pergunta, senão tudo o
que ela interessa, em particular a questão do inconsciente que apresenta,
é preciso dizer, dificuldades que saltam mais imediatamente aos
olhos. Quanto a saber a que convém identificá-lo, é
sobre esta questão da identificação e não somente
sobre o sujeito, que nós empregamos a referência, a estrutura
e que não é preciso partir de algo externo, é preciso
situar no campo da identificação, a saber, sublinho, que
nenhum
significante saberia significar-se a si mesmo.
O GRUPO DE KLEIN
E A ESTRUTURA DA METÁFORA
Posto
que se trata de estrutura, para explicar-lhes certos elementos dos quais
não é certamente minha falta se isto não está
a vosso alcance, para que isto seja considerado como conhecido quando eu
lhes falo da primeira verdade, eu lhes faço a escolha do que se
chama um grupo.
Trata-se
do grupo de Klein na medida em que é um grupo definido por um certo
número de operações, não há mais de
três o que resulta delas se define por uma série de igualdades
muito simples entre duas delas e um resultado que pode ser obtido de outro
modo, quer dizer por um dos outros, um pelo outro, os dois por exemplo.
Simbolizado
pelas redes, a linha pontilhada corresponde a uma só e mesma operação,
do mesmo modo a linha cheia.
Cada
uma destas operações que posso deixar em uma completa indeterminação,
cada uma delas se encontra em quatro lugares diferentes na rede. A relação
entre estas três operações que são a b c,
todas elas são operações involutivas. A mais simples
para representar este tipo de operação é, por exemplo,
a negação. Vocês negam que haveria aí alguma
coisa, vocês colocam o signo da negação sobre alguma
coisa, quer se trate de um predicado ou de uma preposição;
não é verdade que vocês refaçam uma negação
sobre o que acabam de obter. O importante é colocar que há
um uso da negação onde pode ser admitido isto: não
como se lhes ensina, que duas negações valem uma afirmação,
nós não sabemos do que partimos; mas, do que quer que seja
que tenhamos partido, esta classe de operação da qual lhes
dou a indicação, o conjunto tem por resultado zero.
aa = 0
bb = 0
cc = 0
É
como se não se houvesse feito nada, isto é o que quero dizer
por a operação é involutiva. Isto quer dizer
que elas não mudam o estado da coisa dada, uma vez que por um lado
se obtém sempre 0, ou seja, que ao fazer se suceder as letras,
a operação involutiva se repete: cada uma é equivalente
a zero. Zero em relação ao que nós tínhamos
antes. Se nós tínhamos 1 = aa, haverá sempre
1.
Isto
vale a pena ser sublinhado: pode haver aí outras operações
além da negação as quais tenham esse resultado; suponham
que se trate da mudança de signo, isto não é igual
à negação.
ab = c
ac = b
bc = a
No
início terei menos 1 [- 1], tendo feito funcionar o –1, estas duas
operações serão involutivas e tendentes profundamente
a zero como resultado, basta considerar o diagrama.
Como
certas exigências intuitivas que podem ser as vossas, que gostariam
de por alguma coisa nos dentes, eu lhes proponho que se reportem a um artigo
aparecido na revista Tempos Modernos, sobre a estrutura na matemática,
que poderia ser mais extenso mas que, sob a curta superfície escolhida
– vocês mastigam as coisas com um extremo cuidado –, 24 páginas
por onde se passa passo a passo. Exercício, contudo, útil
para aqueles que amam as distâncias, exercício que pode lhes
suavizar esse grupo de Klein.
Se
eu o apresento ele irá nos prestar alguns serviços se nós
partirmos da estrutura; vocês se lembrarão de certos passos
ao redor dos quais eu o fiz voltar, o suficiente para que se lhes possa
voltar ao pensamento que o funcionamento de um grupo suficientemente estruturado,
para funcionar, possa se contentar com quatro elementos, os quais estão
representados aqui sobre a rede que os suporta pelos pontos vértices
onde se reencontram as arestas desta figura que vocês vêem
inscrita.
Observem
que esta figura não tem nenhuma diferença com aquela que
lhes mostro aqui rapidamente e que apresenta 4 vértices, cada um
tendo a propriedade de estar ligado aos 3 outros, e do ponto de vista da
estrutura é a mesma. Nós não teremos mais que juntar
os vértices de dois em dois para ver que é a mesma estrutura.
O ponto médio desta estrutura não tem nenhum privilégio,
a vantagem de marcá-lo de outra maneira é que não
há privilégio. A outra figura tem ainda outra vantagem, que
é a de fazer-lhe tocar com os dedos que há aí alguma
coisa, entre outras, como a noção de relação
proporcional para cobri-la inteiramente. Alguma coisa funciona, de outras
estruturas, segundo a lei do grupo de Klein; trata-se para nós de
saber se a função que eu introduzi sob os termos como aquela
da função da metáfora é tal como eu a representei
pela estrutura:
S
é um significante na medida em que se coloca em uma certa posição
que é a posição metafórica ou de substituição
em relação a um outro significante, vindo portanto substituir
S’, algo se produz na medida em que o liame S’ está conservado
como possível recalque, vendo resultar este efeito em uma nova significação.
Dito de outra maneira: um efeito de significado (s) que constitui
o quarto elemento heterogêneo. Dois significantes estão em
causa, duas posições de um destes significantes e um elemento
heterogêneo, o quarto elemento, s, o significado, que é resultado
da metáfora (que eu escrevo assim como S na medida em que
veio substituir) S’ torna-se fator de um S parêntese
que eu chamo o efeito metafórico de significação!
É esta fórmula que permite dar a estrutura do recalque. Trata-se
de uma substituição significante na origem, na qual o reprimido
não se sustém como escrito mais que ao nível do seu
retorno, vindo S’, que o designa, enlaçado a ele na cadeia
com o que constituiu seu substituto. O S, na medida em que ressurge
para permitir o retorno do S’ recalcado, é com o que temos
que nos haver, e que representa o sujeito do inconsciente, a respeito de
alguma outra coisa que é o sintoma.
Vocês
sabem, dou importância para esta estrutura porque ela é fundamental
para explicar a estrutura do inconsciente: trata-se de que no momento considerado
como primeiro, original, do que é o recalque, trata-se digo eu,
pois que é o modo que me é próprio de apresentá-lo,
de um efeito de substituição significante na origem. Origem
lógica e não de outra coisa. O que é substituído
tem um efeito pendente da língua que pode permitir que nos expressemos
de uma maneira viva: o substituto tem por efeito substituir isso ao qual
se substitui.
Encontramos
que, pelo fato destas substituições na posição
que a imaginamos muito sem razão, ser apagada é simplesmente
ser substituída, a posição que eu vos traduzo: a Unterdruck
de Freud, o que é então o recalque?
Tão
paradoxal como aparece o recalcado ao nível desta teoria, ele não
se suporta, não está escrito senão ao nível
do seu retorno.
É
enquanto que o significante extraído da fórmula da metáfora
vem ligado na cadeia com o que constitui o substituto que nós tocamos
com a ponto do dedo o recalcado. Dito de outro modo: o representante da
representação primeira enquanto que ela está ligada
ao fato primeiro, lógico, do recalcado.
Trata-se
de alguma coisa na qual vocês sentem de fato imediatamente a relação
com a forma não idêntica, senão paralela – que o significante
é o que representa um sujeito para um outro significante – deve
aparecer-lhes assim a metáfora do funcionamento do inconsciente.
O
S na medida em que ressurge para permitir o retorno
do S’ recalcado, esse S tem como tarefa representar o sujeito
do inconsciente ao nível de alguma outra coisa que está lá,
isso com o que vamos nos haver e que iremos determinar o efeito como efeito
de significação e que se chama: o sintoma. É com isso
que temos que nos haver, e para tanto recordar que esta fórmula
de quatro termos é célula, o núcleo onde nos aparece
a dificuldade própria de estabelecer do sujeito uma lógica
primordial como tal, uma vez que isto vem juntar-se ao que outros tiveram
para outras disciplinas, poder chegar a um ponto de rigor superior, aquele
da lógica matemática, que se expressa nisto: agora não
se pode mais sustentar que haja um universo do discurso. Está claro
que no grupo de Klein nada implica esta falha do universo do discurso,
porém nada implica tampouco que esta falha não esteja aí,
pois o próprio desta falha do universo do discurso, é que
se ela está manifestada em certos pontos de paradoxo que não
são sempre tão paradoxais como isso, eu disse, o pretenso
paradoxo de Russel não é tal; o universo não se fecha.
Nada indica por antecipação uma estrutura tão fundamental
na ordem das referências estruturantes que o grupo de Klein não
nos permite tomar de uma maneira apropriada, nossas operações
não nos permitem suportar de alguma maneira, isto que se trata de
suportar, quer dizer nesta oportunidade, é a minha visão
de hoje: a relação que nós podemos atribuir à
nossa exigência de dar seu estatuto estrutural ao inconsciente com
o cógito cartesiano.
O UNIVERSO DO DISCURSO
E A INTERPRETAÇÃO
O
cógito cartesiano, não há nada a dizer senão
sublinhar que eu não o escolhi ao acaso: é porque ele se
apresenta como uma aporia, uma contradição radical ao estatuto
do inconsciente que tantos debates tem desde então retornado ao
redor do estatuto pretendido como fundamental da consciência de si.
Mas se descobrirmos, depois de tudo, que este cógito se apresenta
como sendo o melhor em relação ao pretenso estatuto do inconsciente,
teríamos aí algo a ganhar, como podemos presumir, que este
não é inverossímil como se poderia mesmo conceber.
Não é uma formulação, mas uma descoberta do
que é do inconsciente antes do advento, antes da inauguração
do sujeito do inconsciente na medida em que este sujeito é coextensivo
ao advento da ciência.
Lembrem
o ponto do qual eu lhes assinalei o interesse: este grafo ao qual vocês
podem se reportar no meu livro, tal como ele está desenvolvido ao
nível do artigo “A subversão do sujeito e a dialética
do desejo”.
O
que é que quer dizer o que se encontra ao nível da cadeia
superior, e à esquerda deste grafo? Temos a marca ou o índice: .
Eu não trouxe tantos comentários para que hoje eu não
tenha a oportunidade de fazer notar que se trata deste lugar no grafo,
S do significante na medida em que ele seria o equivalente da presença
do que eu chamei o um de mais [l’un en trop], que é também
o que falta na cadeia significante, portanto, mais precisamente, não
há aí universo do discurso. Isto quer dizer que ao nível
do significante, este um de mais [l’un en trop], que é ao
mesmo tempo o significante da falta, que é o de que se trata e que
deve ser mantido como essencial, concernente à função
da estrutura, na medida em que ela nos interessa, bem entendido, se nós
seguimos o traço onde até o presente lhes tenho conduzido,
a que o inconsciente está estruturado como uma linguagem.
Em
um certo lugar, me contaram que alguém (alguém que não
me desagradaria que viesse aqui) começa seus cursos sobre o inconsciente
dizendo: “Se há alguém aqui para quem o inconsciente está
estruturado como uma linguagem, pode sair imediatamente!”
Eu
vou lhes dizer como estas coisas são comentadas ao nível
dos bebês. Contaram-me uma delas: discute-se disto, daquilo, dos
que não estão de acordo, e há um que diz: “Lá,
como alhures, existem os Afreud”.
Antes
da minha interwiew no Radio, uma voz anônima, a quem se lhe
perguntou se lhe fazia falta ler Freud, respondeu: “nenhuma necessidade,
existe a técnica!” Não há necessidade de se ocupar
com Freud, há lugares onde, afreud ou não, não se
ocupam muito de Freud.
Este
significante que conserva o um de mais [l’un en trop] da cadeia
significante como tal, enquanto que escrita, é para nós o
lugar-tenente do universo do discurso, pois que é bem disto que
se trata: trata-se do que é desde o começo deste ano o fio
condutor na medida em que nós tratamos a linguagem e a ordem que
ela nos propõe como estrutura por meio da escrita, que nós
podemos pôr em valor o que resulta aí da demonstração
no plano escrito, da não existência deste universo do discurso.
Se a lógica não tivesse tomado as vias que tomou na lógica
moderna tratando os problemas lógicos de modo a purificá-los
até o último limite do elemento intuitivo que pôde,
durante séculos, tornar tão satisfatória a lógica
de Aristóteles que deste elemento intuitivo retinha uma grande parte,
tornando-a tão sedutora que para o próprio Kant não
havia nada a agregar a esta lógica de Aristóteles, enquanto
que lhe bastou deixar passar alguns anos para ver que precisava somente
tentar tratar estes problemas por esta transformação que
resultava do uso da escritura, tanto ela havia se tornado dominante [répandue],
e nos tornado expertos [rompu à] em suas fórmulas
por meio da álgebra que se coloca como pivô na mudança
de sentido na estrutura, quer dizer, permitindo-nos colocar os problemas
da lógica de outra maneira atinente ao que, longe de diminuir seu
valor, é precisamente o que lhe dá todo seu valor no atinente
ao que nela é pura estrutura, o que quer dizer: estrutura, efeito
de linguagem.
É
disto então que se trata: que quer dizer este S, com este
A entre parêntese, senão que, no nível em que
nós estamos, a designação por um significante de que
é deste um de mais.
Mas
então, vocês me dirão, ou eu o espero, reterão
o dito, seguramente posto que sempre estamos sobre o fio, sobre o trinchante
da identificação, do mesmo modo que naturalmente a boca da
pessoa ingênua que vocês começam a doutrinar: eu não
sou eu [moi je ne suis pas moi], então, diz ela: quem sou
eu [moi]? Este invisível renascimento do olhar da identidade
do sujeito, podemos dizer, é o que faz funcionar este significante
do um de mais. Nós não poderemos fazer como se o obstáculo
fosse visível e como se nós puséssemos na circulação
da cadeia o que não pode aí entrar, a saber, o catálogo.
Catálogo dos catálogos que não se contém a
si mesmo. Por conseqüência, desvalorizante.
Não
é disso que se trata pois, na cadeia significante que podemos considerar
como a série de letras que existem em francês, é pelo
que a cada instante uma qualquer destas letras possa ter lugar entre todas
as outras que é preciso que ela aí se barre, que esta barra
retorne e verticalmente marque cada uma destas letras que nós vamos
inserir na cadeia, a função do um de mais entre os
significantes, mas estes significantes de mais a evocam como tal
por pouco que a ponhamos fora do parêntese em que funciona a barra;
a indicação significante da função do um
de mais como tal é possível, não somente é
possível, senão que é o que irá manifestar-se
como possibilidade de uma intervenção direta da função
do sujeito, na medida que o significante é o que representa um sujeito
para outro significante.
Tudo
o que fazemos que se pareça a este
não responde a nada menos que à função da interpretação.
Irá julgar conforme ao sistema da metáfora, pela intervenção
na cadeia deste significante que lhe é imanente, como um de mais,
um de mais suscetível de produzir aí este efeito de
metáfora que estará aqui.
É
por um efeito de significado, como parece indicar a metáfora, que
opera a interpretação? Seguramente, a fórmula por
um efeito de significação do qual este efeito é o
de precisar o nível da estrutura lógica, no sentido técnico
do termo, quer dizer que a continuação deste discurso que
lhes aporto lhes precisará as razões pelas quais este efeito
de significação se precisa, se especifica e irá precisar
a interpretação como um efeito de verdade. Mas, do mesmo
modo, isto não é mais que um ponto, uma guia sobre a rota,
depois da qual se abre um parêntese para dar-lhes todos os motivos
que me permitem precisar assim o efeito da interpretação.
Entendam
bem o que eu digo: efeito de verdade, que não saberia de modo nenhum
prejulgar a verdade da interpretação; quero dizer se o índice
verdadeiro ou falso pode ser ou não a verdade do significante da
própria interpretação.
Este
significante não era até aqui senão um significante
a mais [en plus], vejam só[49] , de mais [en trop].
Significante de alguma falta, como falta no universo do discurso.
O COGITO CARTESIANO E A ESCRITURA
Eu
digo que o efeito é efeito de verdade. Se eu lhes chamei a atenção
para a ordem da implicação enquanto implicação
material, quer dizer enquanto que existe o que nós chamamos a conseqüência
na cadeia significante, o que não quer dizer nada. Eu lhes farei
sublinhar que não há nenhum obstáculo para que isto
seja cotado do índice de verdade, nisto que uma premissa seja falsa
contanto que uma conclusão seja verdadeira, suspendam vosso espírito
sobre o que eu chamei efeito de verdade afim de que nós possamos
dizer mais sobre o que há da função da interpretação.
Agora seremos levados simplesmente a chamar, a produzir isto que concerne
ao cógito, o cógito cartesiano no sentido que vocês
sabem. É simples, posto que ainda entre as pessoas que consagram
à obra de Descartes suas existências, resta sobre o que há
do modo de interpretá-lo, de comentá-lo, grandes diferenças.
Faço
eu alguma coisa que consistiria, a mim, um não especialista, em
imiscuir-me neste debate cartesiano? Seguramente eu tenho tanto direito
como todo o mundo. Eu me refiro ao Discours de la Méthode,
onde as Méditations também são dirigidas a
mim como a todos os demais.
Se
se trata de interrogar-me sobre a função do Ego no
Cogito, Ego-Sum, então me é permitido, como a todo
o mundo, recuperar na tradução latina que Descartes dá
do Discurso do Método em 1644, que nesta tradução
latina aparece, se minhas notas são boas, aparece como tradução
do “eu penso logo eu sou”, ergo-sum, aparece ergo-sum, save existo.
Na
segunda meditação ele compara ao ponto de Arquimédes
este ponto do qual se pode realmente esperar...
ego sum – ego existe – ce debito ego sum
o que para o psicanalista tem outra ressonância.
Terreno
demasiadamente escorregadio para que, com os costumes atuais, se o aplique
como Robbe-Grillet que fala da neurose obsessiva, para que eu vá
longe neste sentido.
De
outro modo, sublinho que o que se trata para nós é de uma
certa escolha. Aquela que irei nesta oportunidade deixar suspensa: que
tudo o que é lógico pode ficar ao redor do cogito ego
sum, a saber, da ordem de implicação da qual se trata,
se é somente da implicação material, segundo a fórmula
que eu escrevi no quadro. É unicamente na medida onde da implicação
[então] a Segunda proposição seria falsa, que o laço
de implicação entre os dois termos poderia ser rejeitado:
dito de outro modo: o importante é saber se “eu sou” é verdadeiro,
não haveria aí nenhum inconveniente que o “eu penso” seja
falso. Eu disse para começar, que a fórmula seja admissível
enquanto implicação. “Eu penso”, sou eu [moi] quem
o diz. Pode ser que eu acredite que eu pense e que eu não pense.
Isso acontece freqüentemente todos os dias. Na implicação
pura e simples, que chamamos de implicação material, não
se exige mais que uma coisa: que a conclusão seja verdadeira.
Em
outros termos, a lógica comporta referências às funções
de verdade e, utilizando as tábuas em um certa ordem de matriz,
não pode definir certa operação senão para
ficar coerente com ela mesma; não pode definir certa operação
com a implicação, senão que ao admitir-lhes como função
que seria melhor nomeada como “conseqüência”, conseqüência
que quer dizer isto: que à amplitude do campo em uma cadeia significante
podemos colocar a conotação de verdade, podemos colocá-la
sobre a falsidade e em seguida uma verdade, não o inverso. Isto
nos deixa longe da ordem do que há a dizer aí do cógito
cartesiano como tal em sua ordem própria que, sem dúvida,
implica, interessa, à constituição do sujeito como
tal, quer dizer, complica isto que há aí da escritura enquanto
que regulando o funcionamento da operação lógica,
lhe deve nisto: que esta escritura não faz mais que representar
um funcionamento mais primordial de algo que a este título merece
para nós ser colocado em função de escritura, que
é daí que depende o estatuto do sujeito e não sua
intuição que está justificada por algo profundamente
escondido, a saber: o que quer buscando esta certeza sobre este terreno
que é aquele de limpar de tudo o que está posto à
sua entrada concernente à função do saber e, depois
de tudo, que é este cogito? Eu toco minhas ovelhas, é
uma parte de meu trabalho; não é o mesmo quando estou totalmente
só, nem mesmo quando estou em minha poltrona de analista.
Cogito
– eu coloco junto, cogito – tudo isto se revolve no final das contas,
se não houvesse este desejo de Descartes que orienta de modo tão
decisivo estas cogitações, o cogito, poderíamos
reduzi-lo por eu [je] “desordenado”[50], por que cogito?
Isso tem também seu sentido em latim. Isto quer dizer mesmo: limpar[51].
O que para nós, analistas, tem pequenas ressonâncias. Ergo
sum, teria talvez outro estilo, e de outras conseqüências
não sabemos. Limpar, no sentido de desembaraçar-se, desembaraçava-se
talvez Deus. Enquanto que o cógito é outra coisa, mas além
disto, cogito é: escrito, se nós nos temos apercebido
que cogito isso poderia se escrever.
“Cogito
ergo sum”, é aí que podemos retomar
a intuição se conseguir compreender o conteúdo que
se destaca da estrutura do aparelho da linguagem. Não esqueçamos,
concernentes a certas funções em conjunto, talvez, eu digo
talvez, são aquelas onde o sujeito não se acha simplesmente
em posição de ser agente, mas em posição de
sujeito, portanto o sujeito é mais que interessado, porém
forçosamente determinado pelo ato do qual se trata.
As
línguas escritas tinham um outro registro: a diátese, que
chamamos a diátese média é por isso que, concernindo
ao que se chama a linguagem porquanto determina algo onde o sujeito se
constitui como ser falante, dizemos: “locnor”. Não é
de ontem que eu tento explicar estas coisas aos que vêm me escutar,
eles se lembram do tempo quando eu lhes explicava a diferença entre
aquele que te seguiria e aquele que te seguirá. Se estes que se
reconhecem nesta diferença de tempo, relativa, parece que não
há voz média em francês: seguir, quer dizer : “ sacnor
”.
Isto
que se poderia dizer de um pensamento que seria uma, uma verdade, como
isso se diria em latim pela voz média? Mediatum.
Talvez
seja na ocasião disto que faz o analista, quando ele interpreta,
que eu serei levado a lhes dizer, me é necessário todavia
avançar como o fazemos, passo a passo, para lhes dar sobre esta
voz uma pequena indicação. Eu lhes envio a alguma coisa,
ao artigo de Benveniste, em sua recente compilação, na qual
lemos no jornal de psicologia sobre a voz ativa e a voz média. Em
sânscrito se diz: eu sacrifico – de duas maneiras. Emprega-se a voz
ativa quando, para o verbo sacrificar? É quando o sacerdote faz
o sacrifício à Brahma para um cliente. Há aí
uma nuança. A voz média [é] quando ele oficia em seu
nome. É um pouco complicado que eu avance nisto, isso não
faz intervir somente a falha que é preciso pôr no sujeito
da enunciação, e o enunciado é o mais difícil
porque há outro que com o sacrifício cai na armadilha. Não
é o mesmo tomá-lo em seu nome ou para o cliente que necessita
pagar uma promessa à divindade e para isto procura um técnico.
Eu
vou de adivinhação em adivinhação.
Onde
estão as analogias na relação dita da situação
analítica? Quem é que oficia e para quem? São questões
que se pode colocar. Eu não as coloco senão para fazer-lhes
sentir isto: há uma função da decadência da
palavra no interior da técnica analítica; quero dizer que
se trata de um artifício técnico que submete esta palavra
às simples leis da conseqüência.
Que
não se confie em nada, isso deve simplesmente enfiar-se, não
é assim natural, nós o sabemos por experiência, as
pessoas não aprendem este métier de uma hora para
outra, então é preciso de fato que elas desejem[52] oficiá-lo.
Isto se parece ao ofício que se demanda fazer ao Brahmane quando
ele tem um pouco desse mister debitando suas pequenas preces e pensando
cogito ergo sum, quem sum neste sum aí?
Isto
é de natureza a nos fazer entender qualquer que seja o justo lugar
de nossas reflexões no que concerne ao nosso passo cartesiano que
não se trata de reduzir, eu lhe guardo seu lugar assaz histórico,
trata-se de uma utilização que resta pertinente alhures,
a saber, é a partir daí, do momento onde se trata o pensamento.
O pensamento tinha seu passado, seus títulos de nobreza, ninguém
havia sonhado em torcer sua relação com o mundo ao redor
do eu [moi]. É o resgate[53], o preço que se pagou
por haver jogado o pensamento no lixo, uma vez que o cogito, depois
de tudo, em Descartes, é o resto[54]. Ele joga no cesto o que tem
a examinar em seu cogito; vemos a relação que tudo
isto teve a ver no que acabo de lhes avançar: a partir da fórmula
escrita da nova lógica anunciamos um certo número de coisas
que tem seu interesse. Por exemplo, isto: se vocês querem negar a
e b, eu ponho a barra da negação e, por convenção,
é isto que constitui a negação.
A
vantagem deste procedimento escrito é bem conhecido: é preciso
que isso funcione como um molinete, sem necessidade de refletir. Isso consiste
em escrever: não a (
) não b (
): procurem em Boulle a que isso corresponde ou em M. Morgan. Eu
vou assim mesmo fazer-lhes imaginar, pois eu sei que algumas pessoas vão
ficar chateadas se eu não o fizesse. Eu lastimo, pois estas pessoas
vão ficar satisfeitas e acreditarão que compreenderam alguma
coisa, mas neste momento elas estarão definitivamente metidas no
erro.
A
diferença simétrica, que chamamos o complemento neste conjunto,
eu interpreto ao nível dos conjuntos da função negação.
A negação sendo o que não é a e b,
os dois outros indiferentemente cumprem esta função. Nós
examinamos todos os modos que nós podemos para operar este “eu penso
logo eu sou”[55] para aí definir as operações que
nos permitiriam apanhar sua relação desde o início
até sua colocação em falso: “eu penso e eu não
sou”[56], à uma outra transformação que é
possível igualmente e na qual vocês verão o interesse
pungente quando eu lhes disser que é a posição aristotélica:
eu não penso onde eu sou, há a quarta que recobre esta aqui
que se inscreve assim:
Os círculos simbolizam “onde eu não penso”
ou “eu não sou”.
Eu
avancei um tal aparelho como sendo a melhor tradução que
nós podemos dar a nosso uso do Cogito cartesiano para servir
de ponto de cristalização ao sujeito do inconsciente, este
avesso não é negação senão em relação
ao conjunto onde nós o fazemos funcionar, este avesso “onde eu não
sou, eu não penso”[57], por relação ao cógito.
É
necessário que nós o interroguemos – e o sentido deste vel
que o une e a entrada exata que a negação pode tomar – para
nos dar conta do que há nela do sujeito do inconsciente, o que nos
permitirá partir da lógica do fantasma.
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