Todo menino é um rei.
Nelson Rufino e Zé Luiz
Shize? I should shee! Macool, Macool, orra whyi deed ye diie? |
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Par tido? Eu o teria ditto! Macool, Macool, porra, por quiski ocê murreu? |
of a trying thirstay mournin? Sobs they sighdid at Fillagain's |
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Foi de sede em terça merdinha? Chopes aos choupos no do Finnado |
chrissormiss wake, all the hoolivans of the nation, prostrated in |
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veludo velório, estrelas de tod anação, a prostração na |
their consternation and their duodisimally profusive plethora of |
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consternação e a duodizimamente profusiva plethóra de |
ululation. There was plumbs and grumes and cheriffs and citherers |
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ululação. Havia à porfia pedreiros, casados, delgados, violeiros, |
and raiders and cinemen too. And the all gianed in with the shout- |
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marinheiros, cinemen, de tudo. E todos giravam na mais alto- |
most shoviality. Agog and magog and the round of them agrog. |
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falante showialidade. Agogue e magogue rodeavam o grogue. |
To the continuation of that celebration until Hanandhunigan's |
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Para a continuação da celebração até à de Gengiscão |
extermination! Some in kinkin corass, more, kankan keening. |
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exterminação! Alguns no tam-tam do tamborim, e mais, cancan no pranto. |
Belling him up and filling him down. He's stiff but he's steady is |
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Pra cima no batuque pra baixo no muque. Ta duro, mas soberbo, |
Priam Olim ! 'Twas he was the dacent gaylabouring youth. Sharpen |
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o Priapo d’Olin da! Se houve cabra alegre no tablado, era o Finnado. Afila |
his pillowscone, tap up his bier! E'erawhere in this whorl would ye |
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em cone a pipa de pedra, que pingue a cevada! Adonde neste bosta y mundo |
hear sich a din again? With their deepbrow fundigs and the dusty |
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escuitarás loisa igual? Ir de pros fundo e dar desta à |
fidelios. They laid him brawdawn alanglast bed. With a bockalips |
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fé deles? Acomodaram o salmão em seu derradeiro leito. Com um abocálipse |
of finisky fore his feet. And a barrowload of guenesis hoer his head. |
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de finisky aos pés. E uma genesíaca barrica da loirespumante à cabeça. |
Tee the tootal of the fluid hang the twoddle of the fuddled, O! |
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Té que o tutal do fluido flua no duotal do fluminado, Ué! |
PremissaAssim como em cada célula do corpo está todo o corpo e o DNA não é mais uma hipótese, a pars pro totum metonímica observa-se também no discurso. Cada parte da narrativa deve conter toda a narrativa, seja em uma sessão psicanalítica, seja em um parágrafo de Joyce.
Comentário
Porra! Estamos no velório. As carpideiras ululam patéticas: “por quiski ocê murreu?” Pergunta sempre repetida e hipóteses nunca confirmadas. Havia uma desordem? Terça pode ser porção, mas certamente é dia de matar a sede! Na velada sede morta começa a vida.
O chope na cabeceira do finado vela com veludo o velório ao qual se prostram as estrelas danadas de todas as nações. Velada pelo chope é a schopfung, a criação do mundo: o wake vela/desperta. A vida não é sem a morte. Para criar é preciso topete, é preciso schopf! É preciso coragem para enunciar o Fiat. Ao traduzir o Shize? de abertura por “Par tido?”, Donaldo toma em consideração, plasticamente, ao que não está! O que não está é o ‘c’ mudo de Schize, de separação, de schizofrenia. O que não está aparece no espaço em branco entre ‘par’ e ‘tido’. Há um ‘partido’, iniciado e rompido por uma enunciação: Dixit que Deus, fiat lux et facta est lux. O mito universal do Gênese começa, parte da separação e na terça [-feira] temos as águas separadas da terra. Quando a água do corpo se esvai, resta a terra: do pó ao pó! Na terça o pó se cobre de verdura e temos o paraíso. Os que vão ao paraíso merecem a felicidade em todos os sentidos: para o tato, o veludo! No sexto dia nasce o homem para a morte.
Estamos no wake do Capitão dos guerreiros. Velamos o Finnado Tim Finnegan; o cabra mais alegre [do] t(h’)ablado. A subtração do apóstrofo no título da canção Finnegan’s wake propõe a conjunção onírica sincrônica: Habla-se do gigante Finn McCool – fica frio! Pietá! O grande Capitão evoca o kankan Gengiscão, uma alusão ao fundador do império Mongol. Criados os oceanos, precisa-se de um rei. O guerreiro Temudjin será o grande Khan, o chefe de todos os oceanos, gêngis, Gêngis Khan é o Chefe Oceânico, Universal. Se a guerra – Heráclito dixit – é o pai de todas as coisas, então filho de peixe guerreiro é! Príamo, o duro e soberbo Priapo d’Olin-da, chora pateticamente a morte de seus filhos. Os amores de seu Paris desencadeiam a longa guerra de Tróia. A porfia concentra-se aqui em seis categorias: pedreiros, casados (mal-humorados), delgados, violeiros, marinheiros e cinemen. As imagens dominam. Freud nos disse da importância da consideração à figurabilidade. Como no cinema estamos em um sonho erguido sobre a pedra que o pedreiro é.
A estrutura exametral desdobra os personagens. Se na metade do exâmetro já está o jardim, no seu dobro apostólico duplica-se “duodizimamente” uma profusiva plethóra de crentes. Gêngis Khan vive no século doze o protótipo de ascensão e queda. O exâmetro hebraico marca a criação do mundo: do caos ao homem em seis dias; marca as idades do mundo de Adão a Noé, de Noé a Abraão, de Abraão a Davi, de Davi a Mesopotâmia, da Mesopotâmia a Cristo e de Cristo a parusia; marca também as idades do homem: a infância, a puberdade, a adolescência, a juventude, o adulto e a senectude. O exâmetro grego marca na ponta dos dedos a cadência do tamborim. Tudo na maior “showialidade”.
O Prof. Donaldo, em suas criteriosas “Notas de Leituras” batiza este parágrafo de “Olinda”. Olinda evoca um tempo passado, poético, outrora, mas também é nome de mulher. Distingui-lo por aquilo que lhe falta implica em considerar, no Priapo, ao falo enquanto significante fundamental da falta. Permitam-me, a propósito, citar-lhes Lacan: “o que se manifesta no falo – diz ele na aula de 23 de abril de 1958 – é o que da vida se manifesta da maneira mais como turgescência, como impulsão, e sentimos bem a imagem do falo no fundo de tudo quanto manipulamos como termos que fazem com que em francês tenha sido por pulsion (em português ‘pulsão’) que a palavra alemã trieb tenha podido ser traduzida; este objeto privilegiado, se assim se pode dizer, do mundo, da vida, que por sinal em sua denominação grega se aparenta a tudo quanto é da ordem do fluxo, da seiva, até da própria veia, pois parece que é a mesma raiz que há em jlhy e em falo. Parece, pois, que as coisas são tais que este ponto mais manifesto, mais manifestado do desejo em suas aparências vitais, é justamente o que não pode entrar na área do significante a não ser desencadeando nela a barra.”
Nisto estamos metidos até ao fundo da alma. Desde a guenesis de uma genealogia que começa com Magog, o segundo filho do filho do salvo das águas, transformado em povo governado por Gog (Ezequiel, 38-39), até a transformação de ambos em povos a serviço de Satanás. O insistente aportuguesamento de Gogue, Magogue e grogue só faz ressaltar a presença, às avessas, do ‘eu’. “Ir de pros fundos” traduz a sonoridade de deepbrow fundigs. Profundo é o mar e também o inferno. Di profundis é o estado de nossa alma, mormente quando nos enfrentamos com o escatológico fim dos tempos, com a aproximação da revelação apocalíptica. Se o fim último do homem é um “abocálipse de finiski aos pés”, exclamemos então, como no teatro, merda!
.Porto Alegre, 13 de novembro de 2002.
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