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O
PEIXE MORRE PELO ABOCÁLIPCE
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Comentário
ao parágrafo intermediário
da página
6, linhas 13-28, de
FINNEGANS WAKE
/ FINNICIUS REVÉM
James Joyce
/ Donaldo Schüler
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por
Luiz-Olyntho
Telles da Silva
Todo
menino é um rei.
Nelson
Rufino e Zé Luiz |
Shize?
I should shee! Macool, Macool, orra whyi deed ye diie? |
13
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Par
tido? Eu o teria ditto! Macool, Macool, porra, por quiski ocê murreu? |
of
a trying thirstay mournin? Sobs they sighdid at Fillagain's |
14
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Foi
de sede em terça merdinha? Chopes aos choupos no do Finnado |
chrissormiss
wake, all the hoolivans of the nation, prostrated in |
15
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veludo
velório, estrelas de tod anação, a prostração
na |
their
consternation and their duodisimally profusive plethora of |
16
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consternação
e a duodizimamente profusiva plethóra de |
ululation.
There was plumbs and grumes and cheriffs and citherers |
17
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ululação.
Havia à porfia pedreiros, casados, delgados, violeiros, |
and
raiders and cinemen too. And the all gianed in with the shout- |
18
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marinheiros,
cinemen, de tudo. E todos giravam na mais alto- |
most
shoviality. Agog and magog and the round of them agrog. |
19
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falante
showialidde. Agogue e magogue rodeavam o grogue. |
To
the continuation of that celebration until Hanandhunigan's |
20
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Para
a continuação da celebração até à
de Gengiscão |
extermination!
Some in kinkin corass, more, kankan keening. |
21
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exterminação!
Alguns no tam-tam do tamborim, e mais, cancan no pranto. |
Belling
him up and filling him down. He's stiff but he's steady is |
22
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Pra
cima no batuque pra baixo no muque. Ta duro, mas soberbo, |
Priam
Olim ! 'Twas he was the dacent gaylabouring youth. Sharpen |
23
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o
Priapo d’Olin da! Se houve cabra alegre no tablado, era o Finnado. Afila |
his
pillowscone, tap up his bier! E'erawhere in this whorl would ye |
24
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em
cone a pipa de pedra, que pingue a cevada! Adonde neste bosta y mundo |
hear
sich a din again? With their deepbrow fundigs and the dusty |
25
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escuitarás
loisa igual? Ir de pros fundo e dar desta à |
fidelios.
They laid him brawdawn alanglast bed. With a bockalips |
26
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fé
deles? Acomodaram o salmão em seu derradeiro leito. Com um abocálipse |
of
finisky fore his feet. And a barrowload of guenesis hoer his head. |
27
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de
finisky aos pés. E uma genesíaca barrica da loirespumante
à cabeça. |
Tee
the tootal of the fluid hang the twoddle of the fuddled, O! |
28
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Té
que o tutal do fluido flua no duotal do fluminado, Ué! |
Premissa
Assim como em cada
célula do corpo está todo o corpo e o DNA não é
mais uma hipótese, a pars pro totum metonímica observa-se
também no discurso. Cada parte da narrativa deve conter toda a narrativa,
seja em uma sessão psicanalítica, seja em um parágrafo
de Joyce.
Comentário
Porra! Estamos no
velório. As carpideiras ululam patéticas: “por quiski ocê
murreu?” Pergunta sempre repetida e hipóteses nunca confirmadas.
Havia uma desordem? Terça pode ser porção, mas certamente
é dia de matar a sede! Na velada sede morta começa a vida.
O chope na cabeceira
do finado vela com veludo o velório ao qual se prostram as estrelas
danadas de todas as nações. Velada pelo chope é a
schopfung, a criação do mundo: o wake vela/desperta.
A vida não é sem a morte. Para criar é preciso topete,
é preciso schopf! É preciso coragem para enunciar
o Fiat. Ao traduzir o Shize? de abertura por “Par tido?”, Donaldo
toma em consideração, plasticamente, ao que não está!
O que não está é o ‘c’ mudo de Schize, de separação,
de schizofrenia. O que não está aparece no espaço
em branco entre ‘par’ e ‘tido’. Há um ‘partido’, iniciado e rompido
por uma enunciação: Dixit que Deus, fiat lux et facta
est lux. O mito universal do Gênese começa, parte da separação
e na terça [-feira] temos as águas separadas da terra. Quando
a água do corpo se esvai, resta a terra: do pó ao pó!
Na terça o pó se cobre de verdura e temos o paraíso.
Os que vão ao paraíso merecem a felicidade em todos os sentidos:
para o tato, o veludo! No sexto dia nasce o homem para a morte.
Estamos no wake
do Capitão dos guerreiros. Velamos o Finnado Tim Finnegan; o cabra
mais alegre [do] t(h’)ablado. A subtração da apóstrofe
no título da canção Finnegan’s wake propõe
a conjunção onírica sincrônica: Habla-se
do gigante Finn McCool – fica frio! Pietá! O grande Capitão
evoca o kankan Gengiscão, uma alusão ao fundador do império
Mongol. Criados os oceanos, precisa-se de um rei. O guerreiro Temudjin
será o grande Khan, o chefe de todos os oceanos, gêngis, Gêngis
Khan é o Chefe Oceânico, Universal. Se a guerra – Heráclito
dixit – é o pai de todas as coisas, então filho de peixe
guerreiro é! Príamo, o duro e soberbo Priapo d’Olin-da, chora
pateticamente a morte de seus filhos. Os amores de seu Paris desencadeiam
a longa guerra de Tróia. A porfia concentra-se aqui em seis categorias:
pedreiros, casados (mal-humorados), delgados, violeiros, marinheiros e
cinemen. As imagens dominam. Freud nos disse da importância da consideração
à figurabilidade. Como no cinema estamos em um sonho erguido sobre
a pedra que o pedreiro é.
A estrutura exametral
desdobra os personagens. Se na metade do exâmetro já está
o jardim, no seu dobro apostólico duplica-se “duodizimamente” uma
profusiva plethóra de crentes. Gêngis Khan vive no século
doze o protótipo de ascensão e queda. O exâmetro hebraico
marca a criação do mundo: do caos ao homem em seis dias;
marca as idades do mundo de Adão a Noé, de Noé a Abraão,
de Abraão a Davi, de Davi a Mesopotâmia, da Mesopotâmia
a Cristo e de Cristo a parusia; marca também as idades do homem:
a infância, a puberdade, a adolescência, a juventude, o adulto
e a senectude. O exâmetro grego marca na ponta dos dedos a cadência
do tamborim. Tudo na maior “showialidade”.
O Prof. Donaldo,
em suas criteriosas “Notas de Leituras” batiza este parágrafo de
“Olinda”. Olinda evoca um tempo passado, poético, outrora,
mas também é nome de mulher. Distingui-lo por aquilo que
lhe falta implica em considerar, no Priapo, ao falo enquanto significante
fundamental da falta. Permitam-me, a propósito, citar-lhes Lacan:
“o que se manifesta no falo – diz ele na aula de 23 de abril de 1958 –
é o que da vida se manifesta da maneira mais como turgescência,
como impulsão, e sentimos bem a imagem do falo no fundo de tudo
quanto manipulamos como termos que fazem com que em francês tenha
sido por pulsion (em português ‘pulsão’) que a palavra
alemã trieb tenha podido ser traduzida; este objeto privilegiado,
se assim se pode dizer, do mundo, da vida, que por sinal em sua denominação
grega se aparenta a tudo quanto é da ordem do fluxo, da seiva, até
da própria veia, pois parece que é a mesma raiz que há
em jlhy e
em falo. Parece, pois, que as coisas são tais que este ponto mais
manifesto, mais manifestado do desejo em suas aparências vitais,
é justamente o que não pode entrar na área do significante
a não ser desencadeando nela a barra.”
Nisto estamos metidos
até ao fundo da alma. Desde a guenesis de uma genealogia
que começa com Magog, o segundo filho do filho do salvo das águas,
transformado em povo governado por Gog (Ezequiel, 38-39), até a
transformação de ambos em povos a serviço de Satanás.
O insistente aportuguesamento de Gogue, Magogue e grogue só faz
ressaltar a presença, às avessas, do ‘eu’. “Ir de pros fundos”
traduz a sonoridade de deepbrow fundigs. Profundo é o mar
e também o inferno. Di profundis é o estado de nossa alma,
mormente quando nos enfrentamos com o escatológico fim dos tempos,
com a aproximação da revelação apocalíptica.
Se o fim último do homem é um “abocálipse de finiski
aos pés”, exclamemos então, como no teatro, merda!
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Porto
Alegre, 13 de novembro de 2002.
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