PERSÉFONE
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Persefone
Luiz-Olyntho Telles da Silva
 
 
Não é necessário que aqueles que
se iniciam aprendam algo, mas
que experimentem e criem certas
disposições internas.
ARISTÓTELES, Rose, fr. 15.


 

          Colegas do Recorte 

          Diz um velho ditado chinês que uma imagem vale mais que mil palavras. É sobre isto que quero falar-lhes nesta apresentação do último número de nosso Boletim. Aqueles que têm acompanhado esta singela publicação terão observado a evolução porque passou desde o número zero de letrinhas apertadas até este último com páginas coloridas. Com a tecnologia que temos hoje em dia, isto pode quase nada significar, mas lembrem que tecnologia, saber, conhecimento, custa dinheiro e vocês sabem muito bem quais as verbas de que dispomos. Assim que, para uma publicação quase doméstica, diria que está bem. Como seu editor, em todos estes anos, sempre me preocupei em transmitir algo através das imagens que incluía. O propósito nunca foi o de apenas melhorar o visual com uma distração. Espero que alguma vez alguém lhes dedique alguma atenção. 

          E para ilustrar a capa de nosso último número, escolhi uma imagem de uma escultura representando Perséfone, a rainha do Hades. Pode-se ver melhor a figura no cartaz destas jornadas, uma escultura em mármore, de autor desconhecido, feita muito provavelmente na primeira metade do século VI antes de Cristo.  

          Suponho que sua história tenha muito a ver conosco, em especial com o momento em que estamos vivendo. 

          Para demonstrá-lo, quero, antes de mais nada, chamar-lhes a atenção para o fato de que vou falar-lhes de um mito. Sabem que não sou um mitógrafo. Utilizo-me de um mito desde outro ângulo, na medida em que ele me ajuda a dizer aquilo que preciso. Assim, a primeira característica que destaco em Perséfone é sua relação ao Outro. Perséfone é a filha querida de Deméter, a deusa maternal da Terra; mas não da Terra enquanto elemento cosmogônico, conhecida como Géa, ou Géia, e sim da terra cultivada. Deméter é essencialmente a deusa do trigo, esta semente com a qual fazemos o pão, o pão nosso de cada dia. Perséfone é então a filha de Deméter, de Deméter e de Zeus. Estão lembrados de Zeus, aquele que matou o pai, Cronos, que comia os filhos; e ao matá-lo libertou os outros irmãos, entre eles Deméter e Hades a quem coube, após a luta contra os Titãs, o império situado no “seio das trevas brumosas”. Estamos em família. Mas eis que Hades se toma de encantos pela jovem Core, isto é, por Perséfone, e a rapta com o beneplácito e com o auxílio do pai Zeus. Perséfone colhia flores distraidamente, como quem não quer nada, pelo campo, pelo caminho, pela estrada a fora – vejam de quantos modos esta estória continua a ser contada – e de repente a terra se abriu e Hades a conduziu as entranhas do mundo ctônico. Que linda metáfora, não é mesmo! Mas, alegria de uns, tristeza de outros! E Deméter, a mãe, se desespera com o sumiço da filha. Passa nove dias procurando-a pelo mundo inteiro, munida de um archote em cada mão, até que Hélio, o sol que tudo vê, a informa do acontecido. Irritada com Hades e Zeus, Deméter decide não mais voltar ao Olimpo, renunciando a sua vida divina até que lhe restituíssem a filha. Tranca-se em um templo que lhe estava dedicado e espera.  Quando a terra começa a secar e as messes já não enloirecem, Zeus cede e negocia com Hades a devolução: Perséfone ficaria com o marido durante quatro meses ao ano e os outros oito meses com a mãe. Restituída a filha, Deméter volta ao convívio do Olimpo, a terra se pinta de verde e a vida continua. Ante de retornar, porém, Deméter ensina ao rei de Elêusis os mistérios:  , os belos e augustos ritos, penhor da felicidade na vida e para além da morte. A catábase (descida) e a anábase (retorno) de Perséfone dão origem aos célebres Mistérios de Elêusis: Perséfone é o próprio grão do trigo que precisa passar um tempo sumido, enterrado, para então retornar revigorado e multiplicado. Se me permitem uma transliteração de  , diria: prepara [a terra], semeia e colhe, será  , será belo. 

          As cerimônias de Elêusis começavam com os Pequenos Mistérios e estes por sua vez serviam de prelúdio aos Grandes Mistérios. Trata-se de uma iniciação de primeiro e de segundo grau: primeiro um depois o outro. O primeiro grau era conhecido como  : cumprimento, realização. O segundo grau chamava-se  , do verbo  , epopteúein, observar, contemplar, de modo que a epoptéia seria a visão suprema, a revelação completa. 

          A maioria dos iniciados, nos conta Junito Brandão, ficava no primeiro grau, na teleté. Raros completaram a segunda fase. 

          A teleté, ao que tudo indica, consistia em três elementos:  , e  . O primeiro tem a ver com o terror da ignorância e um posterior deslumbramento pela introdução da luz, dos archotes, do sol, do conhecimento que se apresenta como possível, eu diria. O momento legómena é o em que se fala lacanês, quer dizer, que se repetem fórmulas iniciáticas. Não está mal, a condição de que se esteja advertido de que só isto não basta. A raiz legw tem a ver com deitar, com ficar inativo o que pode ser associado com o divã que possibilita o relaxamento do corpo material em prol do advento da outra cena. O fragmento que tomei para epigrafe se encaixa aqui, no legómena. O terceiro elemento, o deiknymena é traduzido por “ação de mostrar o que é mostrado”, em outras palavras trata-se de um conhecimento da função sexual na vida, do homem e da natureza. Diria ainda que é um tempo de mostrar o que se sabe. 

          Cumprida esta parte, esta mena,  diria o seguinte: aqueles que até aqui pensam que valeu a pena, podem tentar adentrar aos Grandes Mistérios. Um passo en/frente. 

          E para terminar, cito São Paulo, inspirado por Perséfone, quando ele se dirige aos Coríntios: “Insensato! O que semeias, não readquire vida a não ser que morra”.(1Cor. 15:36). 

 

Porto Alegre,
22 de outubro de 2001
Bibliografia: 
BRANDÃO, Junito de Souza. Dicionário Mítico-etimológico da Mitologia Grega. Petrópolis, Vozes, 2 vols. 1991.
 
GRIMAL, Pierre. Diccionario de Mitología Griega y Romana. Barcelona, Paidos, 1981. 
PEREIRA, Isidro (S.J.). Diccionario Grego-Português e Português-Grego. Porto, Livraria Apostolado da Imprensa, 1984.