11 de janeiro de 1967
* 6 *
______ ______
To’
Tu E’sti
A Ç B =
A È B
INTRODUÇÃO
A operação
alienação, se vocês estão lembrados,
sob a forma de uma escolha forçada onde ela se apresenta sobre uma
alternativa que se solda por uma falta essencial, pelo menos eu assim a
enunciei, que esta forma eu a retomarei a propósito da alternativa
na qual eu traduzo o cogito cartesiano e que é esta: ou eu
não penso ou eu não sou.
Esta transformação,
um lógico formado na lógica simbólica reconhecerá
nesta fórmula trazida à luz em seu registro simbólico,
pela primeira vez, por Morgan na metade do último século.
Ela apresentaria uma verdadeira descoberta que não tinha até
então sido apresentada sob esta forma e se expressava desde o início
assim: que na relação proposicional que consiste na conjunção
de duas proposições, o que exprime à Direita a conjunção
de A e de B, se vocês a negam enquanto conjunção, se
vocês dizem que não é verdadeiro, por exemplo, que
A e B estejam juntos, sustentados, isto equivale à reunião
e quer dizer outra coisa que interseção.
A interseção
é: se você imagina o campo de cada uma desta proposições
por um círculo cobrindo um[a] ar[ea](76).
A interseção
é a adição porque pode ter ali, em cada um dos dois
campos, uma parte comum.
O enunciado de Morgan
se expressa assim: o conjunto formado por estes dois campos cobertos pelas
duas proposições em causa.
A negação
da interseção, a saber: o que há aí de A
e B é que eles estão representados junto pela reunião
da negação de A. O que há aí da negação
é a parte de B e a negação de B, quer
dizer esta parte de A.
Vocês vêem
algo que resta, que é aceito, a reunião destas duas negações:
uma fórmula tão simples que se encontra tomada de uma tal
importância no desenvolvimento da lógica simbólica,
é considerada como fundamental a título disto que se chama
o “princípio de dualidade” que se expressa assim sob sua forma mais
geral.
Se nós levamos
a coisa sobre o plano do que vem ao fundamento do desenvolvimento matemático,
a saber: a teoria dos conjuntos, a teoria dos conjuntos que, sob uma forma
mascarada, introduz algo que permite fazer o fundamento do que é
o desenvolvimento do pensamento matemático, é isto que de
uma forma mascarada eu já lhes ensinei a distinguir do sujeito do
enunciado como sendo o sujeito da enunciação e se encontra
na definição do conjunto como tal; o sujeito da enunciação
se encontra ali “congelado”, e resta aí implicado na medida em que
a teoria dos conjuntos é o que permite do desenvolvimento do pensamento
matemático desenvolver o exposto, assegurar a coerência do
campo, é o progresso da intervenção do caminho próprio
do desenvolvimento matemático, que não é aquele da
tautologia que tem sua fecundidade própria e por este recurso que
lhe é essencial e que se chama raciocínio por recorrência
ou campo da “indução completa”.
Isto, para ser valorizado,
exige o recurso à atemporalidade, ao caminho do raciocínio
por algo que é constituído do raciocínio por recorrência.
Ao nível da teoria
dos conjuntos, nós precisamos procurar um aparelho que permita simbolizar
o que está assegurado no desenvolvimento matemático e que,
no ato da enunciação, se isola como sujeito da enunciação.
É isto que, na noção do conjunto, é muito precisamente
por isto que ela se funda sobre a possibilidade do conjunto vazio como
tal, é nisto que se assegura de um jeito velado, o sujeito.
Ao nível da teoria
dos conjuntos, a teoria de Morgan se exprime assim: toda fórmula,
conjunto vazio, o signo, a interseção, substituindo o conjunto
ao conjunto vazio, ao conjunto vazio um conjunto, à reunião
da interseção, nós conservamos o valor de verdade
que pode ser estabelecido na primeira fórmula
É o que isto quer
dizer, que nós substituímos o eu penso logo eu sou,
este algo que exige que nós examinemos mais de perto em seu manejo
mas que pode se articular como algo cujo custo da reunião está
em examinar mais de perto e que une um “eu não penso” com um “eu
não sou”.
Outrossim estes dois “não”
não são, bem entendido, saídos desta dimensão
do conjunto vazio, na medida em que ela suporta este algo de definido
pela enunciação a qual sem dúvida pode ser que nada
responda, mas que está estabelecida como tal. Este conjunto vazio
enquanto representante do sujeito da enunciação força
a tomar sob um valor a ser examinado a função da negação.
Seguramente, desde sempre, e ao simples exame do enunciado, a ambigüidade
da negação tomada em seu uso simplesmente gramatical, é
absolutamente evidente. Tomemos o “eu não desejo”, é claro
que este “eu não desejo”, a ele somente, existe somente para nos
perguntar sobre o quê carrega a negação, se é
um “eu não te desejo” transitivo implica o indesejável do
meu feito, há algo que eu não desejo. A negação
também. Enunciar que não sou eu que deseja, implicando que
eu me desencarrego de um desejo que pode também ser o que me carrega
enquanto não eu, mas ainda resta que esta negação
pode querer dizer que não é verdade que eu desejo, que o
desejo seja meu ou não meu, não tem nada a ver com a questão.
Eu quero dizer-lhes que
esta dialética do sujeito, na medida em que nós tentamos
ordená-la, de a delinear entre o sujeito do enunciado e o sujeito
da enunciação, é uma obra bem útil e especialmente
ao nível onde nós retomamos hoje a interrogação
do cogito de Descartes. É o que pode nos permitir dar o sentido
verdadeiro, a situação exata a isto que, para Freud, se modifica
e se propõe a nós sob estas duas formas que se chamam o inconsciente,
que são para nós o que se trata de distinguir à luz
desta interrogação do cogito de Descartes.
Que o cogito seja
discutido, é um fato no discurso filosófico, é o que
permite a nós mesmos aí adentrar com o uso que nós
entendemos de fazê-lo servir pois que assim como esta certa flutuação,
que pode aí restar, testemunha algo onde ele deveria se completar.
Se o cogito na história da filosofia é uma data, por
quê? Trata-se de que, para dizê-lo, ele substitui à
relação patética, a relação difícil
que havia feito toda a tradição da interrogação
filosófica que era somente aquela da relação do pensar
ao ser.
Vamos abri-la, não
através dos comentadores mas diretamente, isto será para
vocês mais fácil, quer vocês o saibam ou não,
há boas traduções, comentários, suficientes,
em inglês, da Metafísica de Aristóteles, a de
Tricot, o comentário tomista.
Vocês perceberão
tudo o que se pôde acumular de críticas ou de exegese, em
torno deste texto, que aquele escolástico nos diz que tal passagem
é discutível. Quanto, para um leitor primário, todas
estas questões aparecem depois verdadeiramente secundárias.
Nesta leitura, uma coisa lhes tocará, do
registro disto que eu chamei o patético. Quando vocês verem
a todo o instante se renovar e refletir nesta alguma coisa que parece portar
o traço do discurso formulado, desta interrogação,
do que existe aí da relação do pensamento e do ser
e como vocês verão surgir tal termo.
O ALCANCE DO CÓGITO
A dignidade que é
aquela que preservou do pensar ao olhar, do que deve levá-lo à
altura daquilo de onde ele está aquilo que se quer alcançar,
não estando nisso que é, mas naquilo por onde o ser se manifesta;
o ser enquanto que ser, se diz, má tradução.
*
Não é certo
o ser entanto que estar o que convém traduzi-lo, pois já
que vocês sabem grego, é um giro não apenas literário.
Este traço de origem do verbo grego que tem em comum o imperfeito
[em francês], o “c’était”, que quer dizer: isso acaba de desaparecer.
Ao mesmo tempo, isto pode querer dizer: isso ia ser, no Hipólito
de Eurípedes; isto que era ser, “o que era ser, antes que eu o falasse”.
A que grau pode-se graduar este pensamento, elevar-se à altura do
ser, sentir a raiz do sagrado.
A raiz da ordem do sagrado,
eis aí o laço, a primeira articulação do filósofo
ao nível daquele que introduziu, pode-se dizer, o primeiro passo
de uma ciência positiva. Para o tempo: tò
ônh ô’g
É bem este o último termo, sendo por onde ele é sendo,
quero dizer alguma coisa que aponta ao ser. Todos sabem que a tradição
filosófica representa somente o progressivo afastamento desta fonte
de achados. Desta primeira invenção que desembocou, através
das escolas que se sucedem, cada vez mais, a inserir em torno da articulação
lógica, o que pode ser contido nesta primeira interrogação.
Ora, o cogito de Descartes
tem um sentido, é o da relação do pensamento e do
ser, ele substitui pura e simplesmente a instauração do
ser do Eu(77).
O que eu quero produzir
diante de vocês é isto: é na medida em que a experiência,
a experiência que ela mesma é continuação e
efeito deste atravessamento do pensamento que representa enfim alguma coisa
que possa ser chamada de recusa da questão do ser. É precisamente
deste modo que esta recusa engendrou esta continuação, este
levantamento(78) aberto do acesso ao mundo que se chama a ciência.
Por que se alguma coisa no interior dos efeitos deste atravessamento é
produzido, que se chama a descoberta freudiana ou, ainda, seu pensamento,
pelo pensamento sobre o pensamento, o ponto essencial é que isto,
em nenhum caso, não quer dizer um retorno ao pensamento do ser.
Nada, nisto que traz Freud,
que se trate do inconsciente, do isso não faz retorno a algo que,
ao nível do pensamento, vos devolve ao plano da interrogação
do ser.
Isto não é
senão no interior, e ficando na continuação deste
limite de atravessamento, desta fratura, pela qual à questão
que o pensamento coloca ao ser é substituída sob a forma
de uma recusa, a única afirmação do ser do Eu, é
no interior disto que toma seu sentido o que traz Freud tanto do lado do
inconsciente como do lado do isso.
Para mostrar-lhes, para
mostrar-lhes como aquilo se articula, eu avanço este ano sobre o
domínio da lógica, assim como nós o perseguimos agora,
no próprio cogito que merece, neste sentido, ser uma vez mais percorrido,
nós encontraremos os encantos, os engodos do paradoxo que é
este que introduz o recurso à fórmula morganiana tal como
eu a produzi no iníco e que é esta aqui: há um
ser do Eu, fora do discurso, é esta a questão que corta
o cogito cartesiano, embora seja preciso ver como ele o faz.
É para colocar
a questão que nós introduzimos estas aspas sobre o “ergo
sum”, tão subversivas em sua força ingênua, se podemos
dizê-lo, que fazem delas um ergo sum cogitado do qual, em
suma, um só ser se encontra neste ergo que ele, no interior do pensamento,
e apresentado por Descartes como signo daquilo que ele mesmo articula várias
vezes, tanto no discurso do método como nas cogitações,
também nos princípios, sabemos, como um ergo de necessidade.
Mas, se somente este ergo
representa esta necessidade, é que nós não podemos
ver o que resulta disto: que o ergo sum, a abreviatura daquele que
pensa.
Mas, pensando que não
há necessidade, estando sobre o percurso onde ele sustenta seu ser,
já que a questão assegura ela mesma sua própria existência.
Não se trata de
se colocar como ego, fora do lugar no qual o ser pode privilegiar(79)
o pensamento. Pergunta: ego: eu penso, como puro penso-ser, como subsistindo
o ser do Eu de um “não sou” local.
O que quer dizer: Eu não
sou senão à condição de que a questão
do ser seja eludida. Eu passo do ser, eu não sou, salvo onde necessariamente
eu sou para poder dizê-lo ou, para melhor dizer, onde eu sou, ou
para poder fazer dizer ao outro, pois é bem disto o de que se trata
quando vocês a seguem de perto em Descartes.
É nisto, que é
uma conduta fecunda que tem o mesmo perfil que o do raciocínio por
recorrência que é de algum modo isto: levar o outro por um
caminho, por muito tempo, por um caminho que é o de uma renúncia,
a este ou aquele, logo a todas as vias do saber; e num rodeio, surpreendê-lo
nesta confissão, que aí pelo menos, tendo lhe feito percorrer
este caminho, é preciso que eu seja.
Que a dimensão
deste outro que é tão essencial, ao ponto de podermos dizer
que ele está no nervo do cogito, e que é ela que constitui
propriamente o limite disto que pode se definir e se assegurar pelo melhor,
como o conjunto vazio que constitui o Eu sou, nessa referência onde
Eu, enquanto Eu sou, se constitui disto: não conter nenhum elemento.
Este quadro não
passa, a não ser que o “Eu penso”, eu o penso, quer dizer
que eu argumento o cogito com o outro. “Não sou” significa
que não há elementos neste conjunto, que, sob o termo do
“Eu” existem, ego sum sive cogito mas sem que aí tenha
nada que o ocupe.
Este encontro torna claro
que o “Eu penso” tenha uma vestimenta parecida, se não é
ao nível do Eu penso, que prepara esta confissão de um conjunto
vazio que se trata, é do esvaziamento de um outro conjunto, é
depois que Descartes colocou à prova a todos estes acessos ao saber
que ele fundou este pensamento propriamente falando, da evitação
do ser para não ser ávido senão da certeza e do que
resulta o que nós chamamos: esvaziamento, que termina por esta interrogação,
a saber: se esta operação como tal não é suficiente
para resultar no ego, a única e verdadeira substância.
É mesmo por isso
que nós somos capazes de reconhecer sua importância, que se
torna somente pensável, como por um fio condutor, isto do que vai
se tratar quando Freud nos traz o quê? o que resulta disto do que
ele chama, para empregar seus próprios termos, não o funcionamento
mental, como se o traduz falsamente do alemão para o inglês,
mas o psiquismo, o acontecimento psíquico, do qual não resta
nada sobre o que Freud se interroga, um coisa que possa reanimar, reviver
o pensamento do ser além do que o cogito lhe atribuiu daqui
para a frente como limite.
Enfim o ser é tão
bem excluído de tudo o que possa tratar dele que, para entrar nesta
explicação, eu poderei dizer que, pegando uma de minhas fórmulas
familiares, aquela da Verwerfung, é mesmo alguma coisa desta
ordem que se trata se algo se articula em nossos dias o qual pode ser chamado
de fim do humanismo, que não é de ontem, nem de anteontem,
nem do momento onde o Sr. Foucault quer articulá-lo, nem eu mesmo,
porque é algo feito a muito tempo.
É isto, a dimensão
que nos é aberta nos permite descobrir como age: segundo a fórmula
que eu dei, esta Verwerfung rejeita o ser. O que é rejeitado
do simbólico – como eu disse em meu ensino – e que reaparece no
real.
Se algo que se chama o
ser do homem, é com efeito o que a partir de uma certa data, é
rejeitado, nós o vemos reaparecer no real, sob uma forma de todos
os modos plena; o ser do homem na medida em que ele é fundamental
em nossa antropologia, ele tem um nome onde a palavra ser se encontra em
seu meio, onde basta colocá-lo entre parênteses, e para encontrar
este nome e também o que ele designa, basta sair dele, ir um dia
ao campo para fazer um passeio e, atravessando a rua, vocês encontram
o círculo delimitado por uma escuma(80), o que vocês encontram
é este ser do homem que reaparece no real e que se chama detrito.
Não é de
ontem, nós sabemos que o ser do homem enquanto rejeitado é
o que reaparece sob a forma destes pequenos círculos de ferro torcido
ao redor dos círculos habituais dos campistas onde nós achamos
uma certa acumulação, por pouco que sejamos pré-históricos
ou arqueólogos, nós devemos presumir que este rejeitado do
ser deve ter alguma coisa que não apareceu na primeira vez com Descartes,
com as origens da ciência, mas talvez marcou cada uma das travessias
essenciais que permitiram constituir sob formas perecíveis e sempre
precárias as etapas da humanidade.
Eu não tenho necessidade
de articular diante de vocês, em uma língua que não
pratico e que a tornaria impronunciável, o que se designa como sinal
de tal fase de desenvolvimento tecnológico sob a forma destes amontoados
de conchas que se encontram em certos zonas daquilo que nos resta das civilizações
pré-históricas.
O detrito é o ponto
a reter que representa, não somente como sinal, [mas] como algo
de essencial em torno do qual vai girar para nós o que interessa
do que nós temos a interrogar desta alienação.
A alienação
tem uma face patente, que não se trata de que sejamos o outro, ou
que os outros, como se diz, ao nos retornar, nos desfiguram ou nos deformam.
O fato da alienação não é que nós sejamos
retomados, representados no outro, mas é essencialmente fundado,
ao contrário, sobre a rejeição do Outro, na
medida em que este Outro é este que veio no lugar desta interrogação
do ser em torno da qual eu faço girar hoje, essencialmente, o limite,
a travessia do cogito.
Queira o céu, então,
que a alienação consistindo naquilo que nós achamos
no lugar do Outro, esteja a gosto. Para Descartes é o que
lhe permite a alegria de sua diligência nas primeiras regras que
representam sua obra original, de juventude, aquela cujo manuscrito foi
encontrado mais tarde e está de qualquer modo perdido nos papéis
de Leibniz.
O sum ergo deus est
é o prolongamento do cogito ergo sum. A operação,
certamente, é vantajosa, deixa inteiramente ao encargo de um outro
que não se assegura senão da instauração de
um ser como sendo o ser do Eu, um outro que o Deus da tradição
judaico-cristã facilita por ser aquele que se apresentou ele mesmo
como ser: Eu sou aquele que Eu sou(81). É certamente este fundamento
fideísta que fica tão profundamente ancorado ainda no pensamento
do séc. XVII, é aquele, que precisamente não é
totalmente por nós sustentado, se trata disto, de que ele seja riscado
subjetivamente e nos aliena realmente. É isto que eu já ilustrei
como liberdade ou morte. Maravilhosa intimação sem dúvida
que, nesta intimação, não recusaria este outro por
excelência que é a morte, mediante o que, já vos fiz
notar, lhe resta a liberdade de morrer.
Nestes domínios,
como já o formularam os estóicos: et num proper vitam,
vivadi perdere causas, para não perdê-las, por isso perderão
a vida?
Já não se
dizem as coisas assim tão claramente, mas para nós, o de
que se trata é de saber o que está presente nisto: ou Eu
não penso, ou Eu não sou. Quero dizer: Eu, como, não
sou.
Qual será o resultado,
o resultado no qual nós não temos escolha a partir do momento
em que este “Eu” como instauração do ser foi escolhido, nós
não temos escolha. É o “Eu não penso” em direção
ao qual nós devemos ir, porque esta instauração do
Eu, como pura e unicamente fundamento do ser, é precisamente o que,
desde então, coloca um termo, eu entendo um ponto final a toda interrogação,
a todas as démarches que fariam outra coisa do pensamento do que
aquilo que Freud fez, no seu tempo, com a ciência.
Das Denken,
escreve ele sobre a formulação do duplo princípio
do suceder psíquico, não é senão uma fórmula,
um fórmula de ensaio, alguma queda do trilhamento que está
sempre a ser feita com o menor investimento psíquico que nos permite
interrogar, traçar tão bem a via por onde nós temos
que achar a satisfação do que nos apressa, daquilo que nos
estimula, por alguma démarche traçada no real.
Este “Eu não
penso” é essencial, é aí onde devemos nos questionar
do que resulta da perda resultante desta escolha. Eu não sou, certamente,
e nele mesmo, tal qual nós há pouco o fundamos, a saber,
como essência do Eu, ele mesmo, é nisto que se resume a perda
da alienação?
Certamente não,
precisamente, alguma coisa aparece que é forma de negação,
mas de uma negação que não trata sobre o ser, mas
sobre o Eu ele mesmo, enquanto fundado sobre o “Eu não sou” (je
ne suis pas).
Conexo à escolha
do “Eu não penso” algo surge cuja essência é de não
ser “não Eu” no lugar do ergo enquanto que ele está
na interseção do “Eu não penso” com o “Eu não
sou”, que se suporta como ser de cogitação, este ergo,
neste lugar mesmo, aparece quem se sustenta de não ser Eu. Este
“não Eu”, essencial à articulação, para
estar assim na sua essência é o que Freud nos traz ao segundo
não do seu pensamento.
É aí que
está o maior perigo de erro. Na aproximação do eu
mesmo (no wo es war...) eu não pude fazer sentir bem onde
se aloja a essência que constitui o isso, e que torna tão
ridículo no que, me parece cair infalivelmente, qualquer um que
a este respeito permaneça nas veredas psicológicas, quero
dizer, enquanto que ele herda da tradição filosófica
antiga que de lá ele faz alguma coisa que é o “isso”
será sempre para aqueles, o que tal imbecil me buzinou nos ouvidos
durante dez anos de vizinhança: que o isso é um mau eu.
Ele não saberia
de nenhum modo formular qualquer coisa de parecido e, para concebê-lo,
é importante aperceber-se que este “isso” nesta estranha positividade
animática, toma do ser o “não” deste Eu que, parecendo este
Eu não sou, o que pode querer dizer que este estranho complemento
de que se trata neste não Eu?
É preciso saber
articulá-lo, dizê-lo, que efetivamente todos nossos delineamentos
disto de que se trata e do qual o isso nos articula, o isso, do qual se
trata, não é seguramente de nenhum modo a primeira pessoa,
o que seria um verdadeiro erro, que será rejeitado para as fileiras
do grotesco; é preciso dizê-lo bem, qualquer que seja o respeito
que nós tenhamos ao nome da história e do seu autor, de ter
sido levado a produzir que toda a psicologia de Freud era uma psicologia
na primeira pessoa e que alguns de meus alunos, durante seu pequeno relatório,
que faz parte do opúsculo que já vos distribui na última
vez, tenha sido obrigado a acreditar, ao repassar por aí, por ter
por um instante a ilusão que era mesmo uma via pela qual eu teria
levado vocês a formular o que é mesmo forçado a formular
o contrário, é em si mesmo um tipo de blefe ou escroqueria,
porque isso não tem nada a ver com a questão: o isso não
é nem a primeira, nem a segunda, nem mesmo a terceira – que se for
necessário crer em Benveniste – a terceira seria, para falar com
propriedade, aquela da qual se fala – senão...
Nós nos aproximamos
um pouco mais de enunciados tais como: “isso brilha”, “isso chove”, “isso
mexe”(82), mas isto é ainda cair no erro ao acreditar que este “isso”,
seria “isso” enquanto que ele se enuncia a si mesmo.
Ainda alguma coisa que
não tem suficiente relevo, este “ça” do qual se trata.
“Isso” é o que no discurso, enquanto estrutura lógica, é
tudo o que não é Eu, quer dizer: todo o resto da estrutura.
Quando eu digo estrutura,
estrutura lógica, entendam por isto estrutura gramatical. Não
é mais que o suporte daquilo do qual se trata na pulsão,
quero dizer, no fantasma, possa se exprimir assim em “Uma criança
é batida”.
Nenhum comentário,
nenhuma meta-linguagem dará conta daquilo que se introduz no mundo
com uma tal fórmula. Nada saberia duplicá-lo, nem explicá-lo.
A estrutura da frase: “uma criança é batida” não se
começa, ela se mostra. Não existe nenhuma physis que
possa dar conta de que uma criança seja batida.
Pode haver aí na
fhysis algo que necessite que ele se martele, mas que ele seja batido,
é outra coisa. E que este fantasma seja algo de tão essencial
ao funcionamento da pulsão é alguma coisa que nos faz simplesmente
lembrar que a pulsão é, já o demonstrei diante de
vocês, a propósito da pulsão escopofílica, ou
a propósito da pulsão sado-masoquista, que se traçou,
que isto é montagem gramatical, cujas inversões, reversões,
complexificações, não se ordenam de outro modo na
aplicação de diversas reversões, de negações
parciais e escolhidas, que não existe outra maneira de fazer funcionar
a relação do “Eu” enquanto que ser no mundo, do que
passá-lo por esta estrutura gramatical que não é outra
coisa que a essência do “isso”.
Eu não quero hoje
refazer esta lição. Eu tenho um caminho suficiente a percorrer
para que seja necessário que eu me contente em marcar a essência
do “ça” entanto que ele não é Eu. É
o resto da estrutura gramatical, e não é por acaso, Freud
sublinha na análise de Uma criança é batida,
jamais o sujeito, o Ich, o Eu, que, entretanto deve aí
tomar lugar, para nós na reconstrução que fazemos
disso na Ciência dos Sonhos(83) , que nós vamos lhe
dar a interpretação necessária, a saber: que em um
momento seja ele que seja o batido.
No enunciado do fantasma,
diz Freud, este tempo – e por causa – não foi nunca confessado,
porque o Eu como tal é precisamente excluído do fantasma.
Nós não
podemos nos dar conta disto, que marcando a linha da divisão complementar,
o Eu que fala, este puro ser que é como uma negação
do ser com o que resta como articulação do pensamento e que
é a estrutura gramatical da frase.
Isto não toma lugar
e interesse nada mais que por estar reaproximado do outro elemento da alternativa,
a saber: disto que será aí perdido.
A verdade da alienação
não se mostra senão na parte perdida.
Se vocês seguem
minha articulação do “eu não sou”, é importante
tentar explicar que está lá o essencial do que se trata no
inconsciente, porque tudo que se mostra no inconsciente se caracteriza
no que sem dúvida um só discípulo de Freud soube manter
como um traço essencial, a saber, pela surpresa; o fundamento desta
surpresa tal como ele aparece ao nível de toda interpretação
verdadeira, não é nada mais que esta dimensão do “Eu
não sou” e ela é essencial para a preservação
como caráter revelador nesta fenomenologia.
É por isto que
a palavra espirituosa é a mais reveladora e o mais característico
dos efeitos que eu chamei as formações do inconsciente.
O rir do qual se trata se produz ao nível deste “Eu não sou”.
Peguem um exemplo, não importa qual, e para pegar o primeiro, este
do familionário. Não é manifesto que efeito de derrisão
do que diz M. Hyacinthe quando ele diz que com Salomão Rotschild
ele está em uma relação verdadeiramente familionária,
ressoa da inexistência da posição do rico na medida
em que ela não é senão ficção. Trata-se
desta alguma coisa, onde aquele que fala, onde o sujeito se encontra nesta
inexistência mesma, onde ele é reduzido ele mesmo a uma espécie
de ser, para quem não há lugar em nenhuma parte, que reside
o efeito de derrisão deste “familionário”.
Está aí
ao contrário, o contrário do que acontece quando nós
definimos o isso. Vocês puderam reconhecer nesta referência
à estrutura gramatical, que se trata de um efeito de sentido. Nós
temos de fazer a Bedeutung, quer dizer, que aí onde Eu não
sou, o que se passa é alguma coisa a retomar da mesma maneira da
inversão que nos guiou há pouco: o Eu do Eu não
penso, se inverte, se aliena ele também em alguma coisa que é
um pensa coisas.
É isto que dá
seu verdadeiro sentido ao que Freud dá do inconsciente: que ele
é constituído por representações coisa.
Não é de
modo nenhum um obstáculo a que o inconsciente seja estruturado como
uma linguagem, não se trata de coisa indizível, mas de acontecimento
perfeitamente articulado porquanto ele toma o não como Bedeutung
sobre qualquer coisa que possa ordená-la para designar o que existe
de inconsciente quanto ao registro da existência e da sua relação
com o Eu.
Do mesmo modo, nós
vimos que o isso é um pensamento mordido por algo que é,
não o retorno do ser, mas como um desser [desêtre],
da mesma maneira a inexistência ao nível do inconsciente que
é mordido de um Eu penso que não é o “Eu”, e este
Eu penso que não é o “Eu”, o qual para poder por um
instante reuní-lo com o isso, eu o indiquei como um “isso fala”.
É entretanto um curto-circuito e um erro.
O modelo do inconsciente
é um “isso fala”, sem dúvida, mas com a condição
de que se aperceba bem de que não se trata de ser nulo, a saber:
o inconsciente não tem nada a fazer com o que Platão soube
conservar como sendo o nível do entusiasmo. Pode ter ali o Deus
no “isso fala”, ms o que caracterisa a função do inconsciente
é que não existe aí nada. Se o inconsciente, para
nós, deve estar certo, situado e definido, é por isto que
a poesia do nosso século não tem mais nada a fazer com a
poesia de um Píndaro.
Se o inconsciente teve
um papel de referência tal em tudo que foi tratado da nova poesia,
é precisamente nesta relação de um pensamento que
não é nada além do “Eu” do “Eu não penso”.
Por isto que ela vem morder o campo do Eu, enquanto que “Eu não
sou”.
Se dos dois círculos
que nós acabamos de adotar como representantes dos dois termos,
um só chega ao acesso do seu modo de alienação, se
estes dois termos não se opõem como constituindo relações
diferentes do “Eu” no pensamento da existência, é porque,
olhando de mais perto, os círculos onde este acaba de cernir vocês
vêem que em um tempo ulterior termina esta operação
em um quarto termo, termo quadrático. Este “Eu não
penso”, chamado não a se juntar ao “Eu não sou”, mas de qualquer
maneira a isto que eles se eclipsam, se ocultam um ao outro se recobrindo,
é ao lugar do “Eu não sou senão o isso”, que
virá, bem entendido, positivando em um “Eu sou isso”.
Não se trata senão
de puro imperativo, o imperativo que Freud formulou no “Wo Es war, soll
Ich werden”. Se este Wo Es war é alguma coisa, ele é
o que nós acabamos de dizer.
Se Ich “solo deve
aí verdejar”(84), é porque ele não o é. Não
é por nada que eu lembrei a toda hora o caráter exemplar
do sadomasoquismo. É certo que o ano não terminará
sem que interroguemos mais de perto o que há nesta relação
ao “Eu” como essencial da estrutura do masoquismo.
Eu lembro simplesmente
a aproximação que eu fiz da ideologia sádica com o
imperativo de Kant.
Este soll Ich werden
pode ser tão impraticável como o dever kantiano. É
porque Eu aí não estou [je n’y sois pás] que
o Eu é chamado, não como se escreveu,k porque ao menos aqui,
sua referência nos serve para desalojar o isso, mas a se alojar aí,
e se vocês me permitem este equívoco, a se alojar na sua lógica.
Inversamente, o que pode
aparecer também, é que a passagem de onde um círculo
está de algum modo ocultado, eclipsado pelo outro, e se produz em
sentido inverso, é que o inconsciente em sua essência poética
e de Bedeutung, vem ao lugar deste “Eu não penso” e o que
ele nos srevela é justamente o que, na Bedeutung do inconsciente
é tocado de sei eu qual caducidade no pensamento, do mesmo modo
que no primeiro título de ocultação, o que nós
temos é, no lugar do “Eu não sou”, a revelação
de algo que é a verdade da estrutura. Nós veremos qual é
este fator, nós veremos que é o objeto “a”.
Do mesmo modo, na outra
forma de ocultação, de defeito do pensamento, este buraco
na Bedeutung, isto a que nós não pudemos aceder senão
pelo caminho, inteiramente traçado por Freud, do processo de alienação,
seu sentido, sua revelação da incapacidade de toda Bedeutung
para cobrir o que aí é do sexo.
A essência da castração
é o que, nesta outra relação de ocultação
e de eclipse, se manifesta nisto: que a diferença sexual não
se suporta senão da Bedeutung de algo que falta sob o aspecto
do falo.
Eu lhes teria dado hoje
o traço, o aparelho ao redor do qual nós poderemos colocar
um certo número de questões, pudessem vocês ter entrevisto
o passo privilegiado que funciona como operador do objeto “a”, único
elemento a permanecer ainda escondido na explicação de hoje.
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