Página de Luiz-Olyntho Telles da Silva
 
 
O ANALISTA NA SOCIEDADE 
por 
Luiz-Olyntho Telles da Silva
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                  A noite 
                  e a claridade do mundo 
                  tem, por origem, 
                  um mesmo homicídio. 
                             
                  EDMOND JABÈS, Estrela derrubada
        
 
        Hoje, 13 de junho, é dia de Santo Antônio, por coincidência o santo padroeiro desta Bento Gonçalves, cidade que acolhe as Jornadas Internas do Recorte de Psicanálise. E porque já há algum tempo aprendi a não desconsiderar a insistência do significante (a data desta jornada foi praticamente decidida pelas possibilidades deste Hotel, pois nós teríamos preferido realizá-la duas semanas antes), resolvi acompanhar um pouco os desdobramentos da data...  
          Memora-se nesta data o precoce passamento de Santo Antônio, um mês antes de completar seu trigésimo sétimo natalício, no ano de 1231. Suponho que a esta hora as solteiras já terão rezado o responso de Santo Antônio e logo este lhes ajudará a achar o noivo desejado. Pois a mim também não me parece mal invocá-lo nesta hora. Afinal, antes de começar a ajudar a solteiras a encontrar marido, Santo Antônio era invocado pelos fiéis sempre que um objeto era perdido. Os que estão mais adentrados no campo da psicanálise já sabem qual a importância disto: Lacan, com seu invento chamado “objeto pequeno a” destacou-o de modo irretocável. Santo Antônio aparece assim como uma reencarnação românica de Eros. Pois bem, mesmo sem querer avançar depressa demais e com cuidado para não desviar demasiadamente do caminho, esta associação de Eros com Santo Antônio - espero que não me acusem de iconoclasta - pode nos ajudar a ler o símbolo lógico de implicação colocado entre o sujeito e o objeto (por definição perdido) na fórmula do fantasma. 
          Hoje, se avançarmos um pouco mais no tempo, memora-se também o início da Insurreição Pernambucana, ocorrida no ano de 1645, quando André Vidal de Negreiros, Felipe Camarão, Henrique Dias e Fernandes Vieira insurgiram-se contra os invasores holandeses comandados por Maurício de Nassau. Não esqueçamos que Descartes lutou sob suas cores. 
          Avançamos mais um pouco, e no ano de 1763 assinalamos também nesta data o nascimento de José Bonifácio que depois veio a ter destacada atuação na independência do Brasil. O colégio onde fiz o curso secundário levava seu nome. 
          Hoje. Dia de lutadores, dia de fé. É com estas palavras que quero começar, pois parecem indicadas para falar também daquilo que é contemporâneo. 
          Hoje, há também um número tão grande de analistas, que quase se poderia dizer que a psicanálise conquistou a sociedade.  Todos  -  sabem que quando digo ‘todos’ estou me referindo a um determinado universo  -  todos conhecem algum psicanalista e muitos certamente contam com pelo menos um em seu círculo de amizades. 
          Se se tratasse de um plano de conquista poderíamos, ufanos, proclamar: vitória! E beijar a taça! - Quem não sabia o que era o gosto de beijar a taça da vitória, ou já não lembrava mais, teve no último domingo uma chance maravilhosa proporcionada pelo Guga em Roland Garros. É um beijo assim que todos Kuerten. 
          Mas nós sabemos que não se trata disto. Não se trata de um plano de conquista. Aliás, o que seria 'conquistar a sociedade'? - poderíamos perguntar! 
          Todos nós vimos o Guga conquistar todo aquele imenso, sofisticado e educado público de Roland Garros. Assistimos também pela TV ao entusiasmado público paulista entregar-se alegremente ao Guga. Do mesmo modo assistimos a critica internacional elogiando - entregando-se - a este nosso conterrâneo para quem o mais difícil - ele nos confessou- é ter de falar. Cada um de nós, a cada ace, a cada paralela, a cada voleio - a 190 km/h - fomos nos deixando conquistar por sua garra e beijamos com ele a taça da vitória. Poderíamos dizer o mesmo de Pelé, Cassius Klay, Kasparov, Senna, Michel Jordan, Mozart, os Beatles, as meninas do basquete, o Grêmio... Outros poderiam dizer Gengis Kahn, Assurbanibal, Alexandre... Incluiriam talvez Santos Dumont, Bill Gates... Enfim, tantos outros nomes que poderiam ser citados como conquistadores de sociedades. E não vamos esquecer os já citados heróis da Insurreição Pernambucana, conquistadores; nem tampouco de José Bonifácio, o Patriarca da Independência.
        E Santo Antônio? Será também ele um conquistador? Já sabemos que ajuda a conquistar corações! Os que se dedicam a estudar a vida dos santos - os hagiólogos - saberão que teve uma luta destacada contra os hereges. O Tribunal da Inquisição Pontifícia foi instalado justamente no ano de sua morte. E entre os hereges contra os quais esteve lutando, destacam-se os cátaros, estes cuja heresia consistia em acreditar em um Deus feito de bondade e de maldade. Lacan os menciona quando trata da Grimmigkeit, da maldade. Mas o que nem sempre aparece na literatura é a carreira militar de Santo Antônio. Conhecido por suas atividades religiosas na cidade italiana de Pádua, era na verdade Lisboeta e nascera com o nome de Fernando. Quando entrou para a ordem dos Franciscanos é que adotou o nome de Antônio em homenagem a Santo Antão. De modo que é português. E quando, no século XVII, durante a guerra da Restauração, contra a Espanha, a vitória sorriu às armas lusas que haviam invocado a ajuda do Santo, Dom Pedro II, como testemunho de gratidão, baixou decreto nomeando Santo Antônio como soldado do 2º Regimento de Infantaria. Anos mais tarde, reconhecida a mesquinhez do posto, o governo português promoveu Santo Antônio a Capitão do Exército. E a rainha Dona Maria I, em 1780, promoveu-o a general. No Brasil, herdeiro das tradições portuguesas, em 26 de julho de 1814 Dom João VI, na época Regente do Brasil, nomeou Santo Antônio para o posto de tenente-coronel. Já em nossos dias, foi promovido a general e transferido para a Reserva, conforme figura nos documentos de nosso Exército Nacional, "depois de três séculos no serviço ativo do Exército" (segundo um de seus biógrafos).  Pois bem, que me dizem? Vamos incluí-lo na lista dos conquistadores?
 

          Como traço comum entre essas conquistas, pelo menos entre as que arrolei de bom grado como conquistas de hoje - e acredito que todos vamos estar de acordo com isto - está o fato de que elas nos trazem felicidade. Os conquistados ficamos felizes. 
          Mas se com a Psicanálise não estamos envolvidos em nenhum plano de felicidade, de liberação mundial ou mesmo nacional, se nossa sigla não é PNL, isto não quer dizer que estejamos contra a felicidade, nem mesmo que não acreditemos nela! Como qualquer mortal, nós também a perseguimos. Não creio que jamais tenham escutado falar de qualquer psicanalista que advogasse a carranca; podemos até admirar as do rio São Francisco, colecioná-las mesmo, mas nós não as construímos nem fazemos seu elogio. 
          Quando Freud propõe a infelicidade comum como meta da análise, ele a está propondo como porto para aqueles que, insatisfeitos, querem partir de Miséria Neurótica 
          Hoje, nós sabemos a importância da infância para a vida adulta. Não creio que hoje em dia alguém ainda coloque isso em dúvida. Quando Freud, porém, disse isso, a cem anos atrás, chamando a atenção para a importância da sexualidade infantil, quando ele disse que as teorias sexuais construidas pelas crianças marcavam de modo indelével o resto da vida do sujeito, ele foi rechaçado. Porque a verdade e o saber não podem ocupar o mesmo espaço no discurso da universidade, nem no discurso do amo, e nem mesmo no da histérica, a psicanálise nascente foi marginalizada. Vocês sabem destas bruxas que vem ao berço dos recém-nascidos fazer vaticínios, não é mesmo?! Pois em seu berço, à Psicanálise, as bruxas adivinharam: serás marginal! 
          Se Freud empenhou sua vida no aprofundamento da teoria psicanalítica, na sua difusão e em defesa de seus conceitos, isto nunca se deveu a algum afã em sair da marginalidade, em escapar da profecia. Pelo contrário, quando se pronunciou sobre isto ele foi enfático: quando a Psicanálise começa a ser muito aceita pela sociedade, isto é sinal de que está perdendo o fio, de que está deixando de ser cortante; o risco é que deixe de ser Psicanálise! 
          Essa felicidade massiva cujo gosto ainda hoje conservamos nos lábios, é resultado de uma identificação e o seu preço a alienação. Mas também é claro que todos temos direito ao domingo da vida.  
          O crescente interesse pela Psicanálise e a proliferação de psicanalistas podem ter aspectos comuns, mas certamente não são a mesma coisa. 
          Com interesse pela Psicanálise quero me referir à busca feita por outras áreas de conhecimento para incrementar seus próprios recursos. Não é demais lembrar que para a Psicanálise, interesse é um conceito, um conceito oposto justamente ao de egoísmo. É assim que Freud se refere quando quer falar da pulsão de conservação enquanto aplicada ao objeto. E a Psicanálise tem realmente proporcionado enfoques inovadores a outras ciências, a outros ramos do conhecimento.  
          Quanto à proliferação de psicanalistas, acredito ser necessário considerar pelo menos duas vertentes: uma delas sem dúvida é a do interesse genuíno, e a outra, pelo menos em nosso pais, se deve a um fracasso, é assim que eu entendo esta proliferação tomada como sintoma, um fracasso do sistema de ensino que, ao criticar o sistema de valores vigente, critica possivelmente necessária, acabou ficando sem nenhuma estrutura de valores, mais ou menos como o camelo que, de tanto querer chifres, acabou perdendo as orelhas. 
          Senão, vejamos: quando prestamos nossa atenção a produção destes [soi-disantes] analistas, não é difícil ver que suas preocupações estão dirigidas para o social. E essa certamente é uma preocupação, enquanto preocupação social, legítima. Um amigo me contava outro dia - aliás um amigo nascido aqui por perto, nestas montanhas, o Prof. Lauro Wittmann - ele me contava que enquanto estava preparando uma conferência para um público de seiscentas pessoas preocupadas, lá em Santa Catarina, com a educação da infância e da juventude, ele encontrou um dado estatístico que dizia que os investimentos feitos pelo governo na área de segurança, da ordem de algo como dois bilhões de dólares, poderiam equacionar toda a questão da educação e dos sem terra de nosso país, o que certamente diminuiria em muito os problemas de segurança. São Paulo e Rio de Janeiro - vi outro dia na TV - tem cerca de 70 assassinatos cada uma, contra 14 de Nova York e 7 ou 9 de Londres. Esta mesma notícia confirmava a informação que me havia sido passada pelo Prof. Lauro: os investimentos do governo brasileiro na área de segurança - dizia o noticiário - supera os investimentos em educação e saúde somados. 
          Se vocês conseguem ficar insensíveis a estes dados, eu lhes confesso: eu não consigo. E é justamente isso que me permite entender porque muitos psicanalistas se dirigem para o social. A Psicanálise tem mesmo algumas características que parecem aproximá-la da Psicologia Social, mas não passa de aparência, não é Psicologia Social. Tenhamos isso claro. Mas se me sensibilizo tanto com isso - poderiam perguntar-me - por quê é que eu mesmo não me dedico a isso? Não creio que a resposta seja fácil. Mas não posso deixar de dizer que em determinado momento de minha vida fiz uma opção, e a opção pela Psicanálise levou-me a reconhecer a especificidade de cada campo. Como disse o poeta Edmond Jabès: "A todo limite, seu ponto". 
          Não creio que os psicanalistas tenham que tomar o lugar dos economistas, dos sociólogos, dos pedagogos, e nem mesmo dos psicólogos. A Psicanálise não consta do campo das ciências humanas. Não creio mesmo que tenham de assumir o lugar dos políticos, dos governantes. Não se trata de dizer, enfim: deixa que eu faço! Agora, quando os políticos, os economistas, os sociólogos, etc., quiserem passar pelo processo analítico, isto possivelmente não será sem consequências. 
          Falava-lhes da marginalidade da Psicanálise: e quem não sabe que a marginalidade é um problema social? Mas - é preciso que se diga - não se trata da mesma marginalidade. Quando olhamos para as favelas, às margens das grandes cidades, a enorme quantidade de antenas de televisão é o que logo nos chama a atenção. - Roubadas? Pensarão logo os ingênuos. Não sei, mas não é isso o que importa. O que importa é que os valores dessa margem e desse texto são os mesmos: todos assistem aos mesmos programas. Os aparelhos receptores poderão ser mais ou menos sofisticados, mas as emissoras de TV são extremamente democráticas: seus programas estão disponíveis para todos. Quando o psicanalista se marginaliza, não é para ter uma TV de menor qualidade, menos sofisticada, mas sim para poder ver as coisas por outro ângulo, mais liberado das pressões do texto. 
          Assim que, quando Freud denuncia a perversão polimorfa das crianças, ele pode fazer isto porque consegue ver as coisas por outro ângulo, mais isento dos preconceitos sociais. Tratava-se disso. Freud, inclusive, diz claramente que não foi ele o responsável pela descoberta da importância da sexualidade. Esta importância lhe foi comunicada por três pessoas merecedoras de seu mais profundo respeito: Breuer, Charcot e Chrobak. O primeiro deles contara-lhe, em uma conversa casual que a origem das doenças nervosas das senhoras eram sempres secrets d'alcove, ou seja que tinham a ver com o leito conjugal. Do segundo escutou, enquanto este afirmava para Brouardel à propósito do caso de um jovem casal do Oriente - a mulher, um caso de doença grave, o homem impotente ou excessivamente desajeitado - que ... dans se cas pareils, c'est toujours la chose génital, toujours... toujours... toujours, enquanto saltitava animadamente na ponta dos pés, como era seu costume. A um lado, Freud, paralisado, pensava: mas se ele sabe disso, porque não diz nunca?  De Chrobak, o eminente ginecologista, à propósito de uma paciente que sofria de acessos de angústia sem sentido, escutou que se tratava de uma virgo intacta depois de dezoito anos de casamento com um marido impotente. E que nesses casos o único a fazer era resguardar a infelicidade doméstica com sua própria reputação, tolerando que dissessem dele, isso sim, impotente para curá-la, pois a única receita possível, embora bastante familiar, não era possível prescrever, e anotou no verso do receituário, não sem antes invocar a ajuda de Zeus, o seguinte: "Penis normalis dosin repetatur! 
           O fato de nenhum de seus ilustres mestres haver reconhecido a paternidade atribuída ajudou Freud a definir o inconsciente como um saber que não se sabe. Nas suas palavras: o sujeito sabe, mas como não sabe que sabe, pensa que não sabe! Breuer, Charcot e Chrobak sabiam, mas como não sabiam que sabiam, pensavam que não sabiam e, como consequência, posicionaram-se publicamente como aquele que não sabe. É a isto que Freud chamava de inconsciente. Protegido por uma camada de repressão, por uma camada de preconceitos, poderíamos dizer - os quais supõe a presença do grande Outro, do A maiúsculo - o sujeito não consegue dar um estatuto de verdade àquilo que sabe. Preso aos preconceitos do texto o sujeito não consegue ver as coisas por outro ângulo. 
          Manter-se prisioneiro destes preconceitos é o preço que o sujeito paga para manter a ilusão de ser amado por aqueles a quem atribui a posse do conceito. A isto chamo alienação. - Para poder ver as coisas por outro ângulo, Freud, o psicanalista enfim, paga com a marginalidade. 
          Não sei se ainda hoje será possível imaginar o choque recebido pela cultura, mormente a Cartesiana, da época, quando Freud privilegia, no aparelho psíquico, ao inconsciente. Na sua leitura, o consciente passa a ser apenas a pequena ponta externa do iceberg,  enquanto sua maior massa, submersa, representará o inconsciente dirigido pelas correntes marinhas, independentes dos ventos de superfície que sopram sua parte externa. O homem deixa de ser senhor de si mesmo. Espartacus estava enganado. O sujeito existe onde não pensa, e pensa onde não existe. O sujeito passa a ser excêntrico a si mesmo. Agora, o que não resta dúvida é que ainda hoje este reconhecimento é difícil de tolerar. 
           A cultura contemporânea pressiona em direção a hapiness, ao soft, e tudo tem que ser bastante light! E essa pressão toma a todos que querem estar, a todos que querem fazer parte do texto, fazer parte do contexto, se assim dizendo lhes facilita a compreensão. Não sei se será possível escutar o aprisionamento proporcionado pela compreensão? Se de um lado a palavra representa a faculdade de perceber, por outro, a lógica a caracteriza como o conjuntos dos elementos pertencentes a um determinado conceito. Quer dizer, a compreensão é um corolário da consciência. E isso poderia nos levar a um paradoxo! Mas não se trata disso, e sim de colocar cada coisa em seu lugar. Enquanto construtores de teorias, os psicanalistas, como qualquer homem de ciência, buscamos o rigor fornecido pela lógica. Foi nestes termos que Lacan, em conferência pronunciada nos Estados Unidos, lamentou não ser mais paranóico, porque a paranóia oferece a possibilidade do rigor. Mas enquanto possibilitador da prática analítica, precisa renunciar a compreensão, do mesmo modo que precisa renunciar ao desejo de curar. Com toda sua paciência, Freud recomendava aos analistas principiantes: não se apressem em curar, dediquem-se a analisar; a cura, se ela vier, sobrevirá por acréscimo. 
          Junto com a hapiness, o soft e o light, aparece o instantâneo e tudo tem que ser quick, tudo tem que ser muito rápido! Inclusive as psicoterapias. E as psicoterapias podem ser rápidas, breves, como se diz, inclusive em seus resultados. Lacan diz - e eu subscrevo - que as psicoterapias seriam ótimas se não levassem ao pior! Por quê?  Fundamentalmente porque se preocupam em curar o sintoma. Lembram do ditado que reza: o que se escurraça pela porta entra pela janela!? Pois é o que acontece com o sintoma; a diferença é que, depois de simplesmente esbatido, ele retorna robustecido. 
          O processo psicanalítico não pode se deixar submeter às pressões sociais de moda. As pressões sociais buscam a uniformização. Se todos usam o mesmo tipo de roupa isto facilita em muito sua fabricação, logo o preço fica mais acessível, mais pessoas podem comprar e o fabricante tem um lucro maior. Se o fabricante tem o monopólio, logo poderá aumentar o preço, sob um pretexto qualquer, aumentando o lucro ao custo da exploração, mas de uma exploração tão pequena que o bolso quase nada sentirá! É assim que funciona. Logo, se você não estiver contente com esse jeito de ser, se acreditar que seu tipo aparece melhor com outro desenho de roupa, precisará procurar um alfaiate que também não tenha se submetido às pressões sociais, e esse será também um alfaiate marginal, como será marginal o desenhista de jóias especiais, o escritor da contracultura, o filósofo dos novos tempos. 
          Freud chamou de ambivalência ao fenômeno que possibilita ao sujeito, por um lado, querer mudar e, por outro, fazer todo o possível - de modo inconsciente - para continuar como está, para manter o status quo. Manter o status quo significa continuar a olhar a realidade sempre pela mesma janela, pela janela construída pelos preconceitos - desnecessário dizer que se trata do preconceito do Outro. E o sujeito se submete a isto para não perder o amor do Outro. E é para manter as coisas deste modo que o sujeito resiste. Mas enquanto Freud coloca a resistência do lado do analisante, Lacan, seu leitor atento, irá colocá-la do lado do analista. E o que é que ele quer dizer com isto? Sabemos que esteve bastante ocupado em defender a psicanálise do edulcoramento proporcionado pelos analistas que fizeram escola nos Estados Unidos. Sua ânsia de adaptação ao american way of life havia tornado a psicanálise aguada, cegando seu corte. Se uma análise não vai bem, a responsabilidade é do analisante, diziam. E é mais ou menos por aí que Lacan jacula: a resistência é do psicanalista. Mas não podemos esquecer, contudo, que Lacan é francês... Por quê não? Pois bem, quem não sabe o que a resistência tem a ver com os franceses. Há mesmo uma expressão que junta as duas palavras: resistência francesa! E nós sabemos o que ela representou na segunda guerra mundial. Representou fundamentalmente um esforço para a preservação das liberdades democráticas, um esforço pela preservação dos valores conquistados pelo homem. Assim que, quando Lacan diz que a resistência é a do analista, penso que isso tem que ser tomado em consideração. Lacan não apenas muda a posição da resistência como também, muda seu sinal. O analista precisa resistir. O desejo do analista consiste nisto, consiste em resistir a pressão social para preservar o desejo de analisar. 
          Sua bênção Santo Antônio. 
 

 

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