Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista

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Notaspsicanalíticas:                                       03

POR QUE A PSICANÁLISE?

 
Tenho estado explicando Zen por toda a minha vida – confessou uma vez o Mestre Bashô –, e, contudo, nunca pude compreendê-lo. Mas – disse seu interlocutor –, como podes explicar algo que tu mesmo não entendes? – Oh! –, exclamou Bashô. Também tenho que explicar isso?
(Koan da filosofia Zen)




 





A procura pelas últimas coisas, pelas últimas respostas, é sempre perturbadora, da ordem mesmo do escatológico. Andamos com alguma firmeza até certo ponto e, depois, apenas conjeturas. Nossos antepassados explicavam o desconhecido com mitos. Havia deuses, muitos deuses, e eles, muitas vezes, distraiam-se tecendo o destino dos homens - algo assim como no conto de Iberê Camargo, Sacos de Deus (1986), no qual, reclinado sobre almofadões de nuvens, o Pai do Céu tira, de um saco, o nome de um vivente e, de outro, um malefício ou benefício que, em seguida, é lido por um anjo: - Dor-de-cu para o Senhor X, sentencia, e Deus sorri -; enquanto àqueles só lhes restava usufruir ou sofrer. Encontrava-se aí um sentido para a diversidade dos homens, para suas diferenças. Mas as respostas às questões primeiras continuavam, e continuam, a não ser encontradas.

Nesse caminho, a aposta no monoteísmo foi, sem dúvida, momentosa. As capacidades, os poderes até então distribuídos entre os vários deuses, estavam reunidos em uma só pessoa.

Mais recentemente, com o advento da Ciência, e seu intrínseco requerimento de certeza e precisão, renunciou-se aos mitos, todos muito mentirosos. Para seu bom funcionamento, assim como a babá que quer o menino bem-cheiroso, ao jogar fora a água do banho despeja também o menino, a Ciência elimina também o sujeito. Este comete muitos erros, erros demais, tantos que não se pode confiar nele quando o requerimento de precisão é grande. Um paradoxo, sem dúvida! A busca do bem-estar para o homem exige sua própria supressão!

Pois foi exatamente na frincha desse paradoxo que Sigmund Freud encontrou espaço para inventar a Psicanálise. Muito cedo o Mestre vienense percebeu que o homem aspira ao pior e, acreditando nisso, abriu o século XX tomando uma frase de Virgílio como epígrafe para a sua magistral A Interpretação de sonhos: Flectere sineque superos, Acheronta movebo (se não posso dobrar os poderes supremos, moverei as regiões infernais – Eneida, VII, 312). O Aqueronta é o pior, mas representa também o interior do homem. É através do aí processado que o sujeito constrói seus sonhos e vê o mundo. E como os mitos desdenhados pela Ciência apresentam-se como uma representação desses primeiros processamentos, Freud encontrou aí os argumentos para ler o interior deste ser que aprendeu a falar e se relaciona com seus semelhantes por meio de uma sexualidade própria de sua espécie, a mais complexa de todas.

Se o monoteísmo tem uma data aproximada, de doze a treze séculos antes da nossa era, a conquista da fala não a tem. A estimativa do surgimento do homem há cerca de cinquenta mil anos - em um universo com aproximados quatorze milhões de anos -, é mera suposição. Provavelmente nossa pré-história é ainda mais antiga. Os registros de escrita regular remontam há cerca de sete mil anos, e as pinturas rupestres são ainda mais remotas, mas da conquista da fala não temos o menor registro. As palavras são levadas pelo vento. Sobram as imprecisas conjeturas.

No mundo, hoje, são faladas entre quatro mil e quinhentas e seis mil línguas diferentes. Embora sua grande maioria possa ser escrita, algumas resistem ao registro, sendo utilizadas apenas em pequenas comunidades, em geral muito primitivas. Mas, no início, seriam já tantas assim? Os modelos teóricos vigentes buscam a resposta desde duas posições aparentemente antagônicas: de um lado o minimalista Noam Chomsky, criador da gramática universal, vê a linguagem como sendo única para todos os homens, independente de fatores sociais e geográficos e, de outro, um dos fundadores da gramática funcional, Tomly Givon, acredita na dependência do contexto cultural.

Talvez Chomsky tenha razão! O Gênesis relata um tempo (Gn, 11, 1) em que todos falavam a mesma língua, até chegar o momento da construção, em Babel, de um zigurate para alcançar ao céu e a Deus, quando então foram punidos pela soberba com a destruição da torre e a incompreensão: os que aí trabalhavam já não conseguiam se entender na mesma língua. Ou acreditamos nisso, ou começamos a pensar em nossa assim chamada necessidade de comunicação; ela expressa uma precisão enorme de manifestar o que nos vai na alma, de dizer como cada um vê o mundo. Porque uma coisa é certa: o mundo de um não é o mesmo mundo visto pelo outro. Pequenas nuances percebidas por um, e não pelo outro, mudam todo o cenário. Mas o fato de cada um querer dizer as suas coisas, a la sua maniera, não quer dizer que a estrutura básica da linguagem seja diferente para cada variação dialetal. A mesma espécie deve funcionar com a mesma estrutura. Hoje, por exemplo, podemos identificar, mesmo em línguas tão díspares como o grego e o guarani, muitos mitos em comum sobre a origem do mundo, contados cada um a seu modo; isso sem falar nas tradições, nos folclores, repetidos nas culturas dos Maias e dos Astecas, dos Sumérios e dos Babilônios, dos Assírios e dos Indus, até da longínqua China. Mas o que temos em comum com os outros precisa ser expresso sempre de um modo muito particular. Não por nada, ainda hoje, quando todos os dicionários parecem já estar prontos, continuamos a construir neologismos! – É essa particular necessidade que a Psicanálise busca captar.

Não se trata de a Ciência, em si, estar mal. O que precisamos encontrar é um jeito de o sujeito poder viver plenamente sua realidade, sem se sentir alijado de seus direitos. E para isso o ponto de partida é a análise da história desse sujeito.

A possibilidade de captura de cada particularidade é dada ao analista pela angústia gerada pelo desencontro do sujeito consigo mesmo. Quando chega o momento em que o sujeito não se reconhece em suas atitudes, quando está em distonia com a imagem que tem de si, aí está o momento propício para o início de uma análise. Se uma vez Freud disse que o trabalho da análise consiste em levar o sujeito da miséria neurótica à infelicidade comum, figuras nas quais podemos ler dois lugares, quase geográficos, como dois portos, é possível dizer também que a análise pode ajuda-lo a viver melhor em seu próprio mundo, a reconhecer esse mundo e a nele reconhecer-se.

Se as religiões nos dizem que é possível viver em outro mundo, em geral nos prometendo uma vida melhor depois da morte, a Psicanálise entende como possível conquistar o outro mundo ainda nesta vida. O modelo é-nos fornecido pela literatura, a qual, me parece, pode ser apresentada como a arte de descrever mundos. Ao relatar um acontecimento, em um determinado ambiente, o escritor descreve um mundo. Ao escrever Germinal, por exemplo, Zola, na descrição do ambiente subterrâneo de uma mina (o mesmo subterrâneo que Dostoiévski descreve como um inferno de desejos insatisfeitos voltados para dentro), relata um mundo de conflitos causados pela opressão e cria uma greve como método para transformá-lo. Consciente de seu trabalho, Zola, naturalista, dirá: a arte é a natureza vista através de um temperamento. Lacan, nesse mesmo espírito, dirá que ele é visto através do fantasma, um filtro estruturado sempre pela relação do sujeito com seus objetos perdidos.  Freud, no lugar da greve, propõe a análise.

Podemos pensar ainda que somos levados a isto, a ver o mundo sempre de uma maneira particular, inventada, porque não temos um termo de comparação. Só conhecemos esse mundo e vivemos em um universo cuja totalidade é muito mais, infinitamente mais desconhecido do que conhecido. O poeta Roberto Juarroz uma vez disse assim, em sua Quinta poesia vertical:
 
O mundo é o segundo termo
de uma metáfora incompleta,
uma comparação
cujo primeiro elemento foi perdido.


Na falta de uma referência, somos obrigados a inventar e, quando as melhores condições de educação não nos são dadas, corremos o risco de nos sentirmos perdidos em meio às nossas próprias invenções. A Psicanálise nos oferece então a possibilidade de nos reconhecermos e alcançar justamente aquele mundo ao qual teríamos chegado se as melhores condições nos tivessem sido dadas.
 
Dez/2013



Fortuna Crítica:

Montevideo, 17.12.2013

Leí el texto de tu página. Me resultó muy interesante y profundo, propio de un tiempo conclusivo. Al contrario de los creyentes que desean desde la tierra poder ir al cielo, tú haces posible que el cielo baje a la tierra. Obra del psicoanálisis, el cielo y el infierno están en la tierra, en cada uno. Por ello es que mucha gente vive a-terrada.

RICARDO LANDEIRA
Psicanalista
 

   












CRÔNICAS DO AUTOR:

07.07.2013: Transitoriedade @
11.03.2013: Amor sem fim @
05.03.2013: O engano de Calvero @
06.02.2013: Garrafas ao mar @
27.11.2012: O belo gesto do maestro @
03.08.2012: A Messias @
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23.12.2011: Ler é uma grande aventura @
05.12.2011: Iluminura turca @
12.08.2011: O rapto de Lucrecia @
13.06.2011: Shirin Ebadi e o exílio @
1º.06.2011:  Música, Maestro! @
25.03.2011: Almas à venda @
31.07.2010: Corra como um coelho @
28.05.2010: Um tablao flamenco @
15.03.2010: Os vizinhos @
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