Luiz-Olyntho Telles da Silva
Psicanalista |
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NOTAS PSICANALÍTICAS:
01
Os antecedentes do sujeito Quando lemos um texto, mesmo que gravado em braile, vemos um filme ou ouvimos uma história, uma coisa parece óbvia: nós o fazemos com nossos próprios recursos. Agora, algo que raramente nos perguntamos, é o que são esses recursos que chamamos de próprios? Serão nossos, assim como nossos ossos, nossa carne, nosso DNA? Terão nascido conosco, assim como nossas digitais? Qual a gênese de nossa capacidade de leitura? Não é difícil reconhecer os pais em um filho. Embora não seja raro ser a cara de um, focinho do outro, surpresas acontecem. Um determinado gene recessivo, por dizer assim, acorda, proporcionando uma morfologia esquecida pelas mais recentes gerações. A maior ou menor facilidade para aprender, seja a ler ou a fazer qualquer outro trabalho, isso sim pode depender da riqueza ou da pobreza de uma estrutura genética, mas o que não se pode deixar de reconhecer é que todas essas atividades precisam ser aprendidas. A falar e a ler ninguém nasce sabendo! E as marcas dessas primeiras aprendizagens tendem a formar trilhos (Freud dizia Bahnung) em nossa estrutura cognitiva - por onde tenderão a passar as novas experiências -, sem que, necessariamente, tenhamos consciência dela. Muitas vezes, quando uma mãezinha está ensinando seu bebê a dizer Papai, ela não tem consciência de todas as implicações de seu ato. Levada por seu amor, agora dirigido a ambos, ao seu marido e ao seu filho, tomada pelo gozo de ouvir seu rebento dizer Papá, ela não pensa em mais nada, como ademais, na hora do gozo, ninguém pensa senão no próprio gozo. Pode-se chamar a isso de implicações éticas de um ato. Ao designar um pai, com esse gesto simples, a mãe está orientando toda uma gênese. Porque ela poderia não dizer Diga Papai!, e sim Diga mamãe! E o mundo seria outro. Quando Moacir Scliar, influenciado por Harold Bloom, nos conta a história d’A mulher que escreveu a Bíblia, ele se aproxima dessa ideia da importância da mulher na criação do mundo, porque cada filho, na verdade é um mundo diferente. No modo como a mãe fala com seu bebê, no seu tom de voz, na sua inflexão, pelas repetições passam não apenas sua satisfação ou insatisfação com a vida, passa toda sua visão de mundo, suas crenças e seu sistema moral consolidado, ou não, por todas as aprendizagens havidas em sua vida. Ao indicar um pai, a mãe afirma não ser toda. Formam-se assim os recursos com os quais o sujeito percebe o mundo. Eles funcionam como uma espécie de filtro (Lacan diz phantasme) pelo qual cada um perceberá um mundo diferente. Fortuna crítica:
10.08.2013 |
CRÔNICAS DO AUTOR: |