Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista

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23 XII 2011:
LER É UMA AVENTURA*

Luiz-Olyntho Telles da Silva


Há alguns anos publiquei um livro com o singelo título de Leituras. Buscava os efeitos de um autor sobre outro autor: Borges, depois de ler Cervantes, escrevendo aquele incrível Pierre Menard; Donaldo Schüler, depois de ler Ovídio, publicando o seu Narciso errante; Gerald Thomas, depois de ler Heiner Müller, encenando Quartett. As leituras que nos tocam produzem os mais variados efeitos. Sempre me impressionaram as leituras de presságios nas nuvens, nas folhas de chá, no voo dos pássaros, nas entranhas dos animais. Poder ler um quadro, uma escultura, a expressão dos olhos, uma contração da comissura dos lábios, aquele frisson a percorrer a espinha, os sonhos... De certo modo eu tive a sorte de descobrir muito cedo o valor mágico das letras. Embora a primeira tentativa de introduzir-me na leitura, por volta dos três anos de idade, tenha sofrido duros contratempos, aos cinco já estava lendo, e ainda lembro quando, no Dia da Criança, em outubro de 1950, já com sete anos, ganhei de meu pai a recém saída coleção das Obras Completas de Monteiro Lobato. Começava com As Reinações de Narizinho: ela tinha um par de besouros capazes de ouvir o pensamento das pessoas. Fantástico! Talvez tenha sido essa minha primeira grande viagem ao mundo interior. E houve outras. Quando, na adolescência, as interrogações sexuais se impuseram, busquei biografias. Li Lucrécia Bórgia, de Fred Bérence. Busquei aí, página trás pagina, pelas orgias sexuais que ouvira na escola, e nada; a preocupação de Bérence era com o mundo de Lucrécia. Conheci sua preceptora, Adriana de Mila, prima e confidente do Cardeal Bórgia, as pinturas de Pinturicchio, a política do final do século XV, início do XVI, e nada do imaginário sexo! Depois veio a biografia de Lady Wu, de Lin Yutang. Continuaram as decepções. Só anos mais tarde, depois de ter passado por Derrida, comecei a ter alguma compreensão das relações do sexo com a política, e hoje, olhando para trás, estou certo de que a leitura do Fausto, de Goethe, abriu-me as portas para essa percepção. Mas, se por um lado as leituras constituem um caminho aberto à imaginação, por outro não consigo imaginar como teria sido minha vida sem as leituras de Freud e Lacan, leitores incansáveis a apontar constantemente outras leituras cujo percurso termina por tornar verdadeiras as palavras de Lao Tsé, depois retomadas por António Machado: - o caminho se faz ao andar! Foi assim com Odisseu, em seu périplo por aquele mar interior: a cada passo uma nova aventura! E os lances surgem desdobrados em pelo menos duas cenas, uma terrestre, humana, e outra celeste, destacando os divinos conflitos. As leituras sempre me proporcionaram aventuras, viagens pelo mundo das maravilhas, como aconteceu com Marco Polo. Embora tenha naufragado em Ceuta, com Camões salvando os originais de seu épico, deixei-me arrastar e sofri com Miranda, mais uma vez, no ardiloso naufrágio causado pela tempestade shakespeariana orquestrada por Próspero, saindo daí, como o Enéas de Virgílio, para um admirável mundo novo. Foi quando conheci a América, pelos olhos de Colombo, a bordo do Santa Maria, escoltado por golfinhos metamorfoseados em lindas sereias. Foi nesse Mar das Caraíbas que vi erguer-se, mais tarde, pelas mãos de Erico Verissimo, a República do Sacramento e, nas mesmas águas sumir o Dr. Leonardo Gris, patriota honesto e ex-ministro do deposto governo anterior - uma paródia de nosso próprio país -, nos mesmos moldes do sumiço sofrido por Jesús Galindez, jogado de um avião por encomenda do despótico ditador da República Dominicana, Leónidas Rafael Trujillo. O Senhor Embaixador fez parte de uma série de leituras desenvolvidas mensalmente, ao longo de todo o ano passado, na Livraria Saraiva, em Porto Alegre. Neste ano que ora termina, ao contrário, meu programa mensal de leituras foi todo ele dedicado à uma única obra: A Divina Comédia. Entre as inúmeras aprendizagens proporcionadas, pelo menos uma merece destaque: - não é exatamente pelo pecado que os homens são condenados! Nos versos 16-8 do canto III do Inferno, Dante diz assim: Noi siam venuti al loco ov’ i’ t’ho detto / che tu vedrai le gente dolorose / c’hanno perduto il bem de l’intelletto. Pode-se ler aí que os homens são amaldiçoados quando perdem o bem do intelecto, quando perdem a razão, enveredando para motivos secundários ou mesmo quando não encontram um motivo apropriado para viver. E então, no final das contas, a grande aventura da vida bem pode ser a perseguição de um sonho, e este, como nos ensinou Calderón, precisa ser construído.

* Escrito por encomenda de Sidnei Ferreira, para o Blog Tabacaria, onde foi publicado.
H.J.Draper
Herbert James Draper - Ulysses and the Sirens

FORTUNA CRÍTICA:

23.12.2011:
Parabéns. Teu texto diz o que nós, amantes da leitura, queríamos que fosse dito.
Ana Mariano
26.12.2011:
Muito bem feita a costura desse itinerário da leitura. Emerge um grande amestrador de palavras.
Milton Wells

































































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