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A BELEZA
Luiz-Olyntho Telles da
Silva
Janeiro de 2020.
Gosto não se discute!
Ditado popular.
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E a beleza, ela se discute?
A questão não é de hoje. Platão e Aristóteles já se ocuparam do tema.
Platão colocou suas ideias em seus diálogos, especialmente no Hípias Maior,
no qual mostra Sócrates interessado diretamente no belo, em O Banquete,
o seu Simpósio, ocupando-se das formas do amor, e no Fedro,
discutindo sobre o domínio de uma arte. Aristóteles, por sua vez, registrou
suas opiniões na Poética. Nessas obras estão as bases de uma estética que
durou até a Renascença e, de certo modo, até hoje.
Diferenças de gosto, pelo que se vê, houve sempre, mas os teóricos de
distintas épocas, desde Aristóteles, estabeleceram acordos que deveriam reger
as diferentes artes. Assim, a poesia dramática, por exemplo, diferençava-se
da épica e da lírica, cada uma delas tinha suas subdivisões e cada uma dessas
suas regras próprias. Era o império das normas, que na França resistiu até
o século XVII e mesmo ao XVIII. Dá para imaginar que a crítica francesa de
então considerava a obra de Shakespeare feia, sem gosto e bárbara?! E por
quê? Simplesmente porque não estava de acordo com os cânones até então estipulados.
Depois, essas opiniões mudaram, claro! Mas, me digam: Não é verdade que todos
nós temos, ao mesmo tempo, uma resistência em aceitar o novo, e também uma
dificuldade em abrigar integralmente as normas vigentes?
Em todo o caso, o que parece ter mudado a situação foi a chegada do
Romantismo, lá pelo século XVIII. Seu método sustém o primado da intuição
e do sentimento frente a razão. Essa talvez tenha sido a grande contribuição
de Kant. Para esse filósofo, era preciso valorizar a intuição, um modo de
apreensão sensível do objeto. Aí, na intuição, está o princípio da estética,
da aísthesis, cujo sentido primeiro é o de sensação.
Ao meu entender, essa intuição kantiana está na base da compreensão
da beleza. Ela é melhor sentida quando a compreendemos. Erich Auerbach, que
esteve ensinando filologia em Istambul, publicou o curso aí ministrado, em
1943, com uma observação notável: cada civilização, em cada época, tem sua
própria concepção de beleza. Shakespeare e Racine, na sua opinião, são diferentes,
mas cada um tem seu próprio juízo estético: um, para procurar o belo, segue
o cânone literário; outro, buscando o mesmo fim, o infringe.
Depois de Auerbach ter visitado, na Turquia, as mesquitas construídas
por Mimar Sinan, viu que a beleza delas, talvez principalmente a de Selim,
em Edirne, na Região de Mármara, guardadas as distâncias, eram as mesmas das
métopas do Parthenon e até de toda a Acrópole, ou de uma catedral gótica,
ou, ainda, de um Buda indiano. Do mesmo modo, o Ulisses, de Joyce,
é diferente da Odisseia, de Homero; embora contem a mesma história,
cada um tem a sua beleza: Homero nos encanta, por exemplo, pelo multifacetado
arranjo de significantes, enquanto Joyce nos prende pela abundância das laudatórias
e precisas antonomásias. Diferentes entre si, o Quarteto de Alexandria,
de Durrel, A menina má, de Vargas Llosa, e O inverno e depois,
de Assis Brasil, por exemplo, tem cada um sua própria beleza. O mesmo acontece
com os poemas: seja de Camões, João Cabral de Melo Neto, Maria Carpi, Ana
Mariano ou José Eduardo Degrazia, ou ainda de Neruda, Juarroz, Juana de Ibarborou,
Eliot, ou Ezra Pound, cada um nos extasia, na fruição legítima do belo. A
pintura As senhoritas de Avignon, de Picasso, tem uma formosura que
lhe é própria, assim como A tempestade de neve: Aníbal a atravessar os
Alpes, de Turner, embora sejam belezas diferentes! Igualmente, Ninguém
e nós chegamos aqui, de Lenir de Miranda, e A manada de búfalos,
de Graça Craidy, dotes diferentes, mas sempre belezas. Em cada uma dessas
obras a harmonia organiza-se de um modo diferente.
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Fortuna crítica:
Ana Moscato Moscato:
A beleza está muito ligada ao desenrolar das nossas
vidas! o inconsciente? é belo o que nos toca , nos emociona!
Maria Teodora De Barros Oliveira:
E o seu texto também é belo!
Robson Pereira Gonçalves:
Continuo a entender o belo pelo primado do "maneirismo",
sem o ranço do cultismo e conceptismo, todavia via a sensação e a eleição
do afeto, como significantes do ato poético.
Eduardo Kugler:
A feiúra é um paralelo que ninguém se ocupa, mas que
deve gerar discussões filosóficas semelhantes e de igual estatura, pois com
a ausência desse elemento não temos referência para elegermos aquilo que
é belo. Já o gosto pega carona naquilo que flutua na superfície. Já que se
referiu a ditado popular, permita-me citar outro: "Quem ama o feio, bonito
lhe parece".
Graça Craidy:
Linda reflexão, Luiz-Olyntho, que nos enriquece e nos
faz ampliar o modo de acolher o belo. Obrigada pela inclusão da minha Manada
de Búfalos ao lado de mestres da pintura. Me comove e me faz muito feliz.
José Eduardo Degrazia:
O ensaio é uma forma literária que une a emoção da leitura
das obras com a ponderação estética e filosófica. E o texto, quando bem escrito,
é uma síntese da sensibilidade, do conhecimento, e da razão, e nisso és mestre.
Obrigado pela dedicatória e a menção ao meu nome.
José Luiz Caon:
De gostibus et coloris non est disputandum.
Sergius Gonzaga:
Muito bom.
Cristiane Koch Puperi:
Luiz-Olyntho Telles da Silva é um Lord, uma sensibilidade
e habilidade com as palavras e a beleza!
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