Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista



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O REPÚDIO DA DIPLOMACIA
Uma resenha ao romance Vento de Fogo, de Luís Dill

Luiz-Olyntho Telles da Silva

O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo o tempo é eternamente presente
Todo tempo é irredimível.

(T.S.ELIOT, Burnt Norton.)




O romance de Luís Dill, Vento de Fogo, é um capítulo da luta pelo poder na história da humanidade. Como um cientista, neutro, ele relata acontecimentos ocorridos no comecinho do século XX, na fictícia vila de Forquilha Seca, segundo distrito de Encruzilhada do Sul, quase no centro do Estado do Rio Grande do Sul.

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Herdeiros dos Farrapos e, mais de perto, também da revolução suja – a revolução das degolas, de 1893 –, dois estancieiros poderosos se digladiam. Um, republicano, correligionário de Júlio de Castilhos e de Borges de Medeiros, religioso quando lhe convém.  O outro, um homem muito grande, monarquista, viúvo de Dom Pedro II e sonhador, crente na importância da liberdade. O primeiro, que já não gostava do outro, fica muito ofendido quando este, sem lhe pedir a bênção, se casa com sua filha.

O conflito, tão antigo quanto a história do mundo, e tão atual – tenho de reconhecer –, lembra de perto a rebelião de Canudos, ocorrida no nordeste do Estado da Bahia, não fazia ainda nem dez anos. Um dos personagens, a propósito, lutou aí!  Romanceado antes por Euclydes da Cunha, em Os Sertões (1902), e também por Mario Vargas Llosa, no seu A Guerra do Fim do Mundo (1981), Canudos é relembrado agora por Luís Dill. Enquanto Euclydes viu, no extermínio dos adeptos de Antônio Conselheiro, um crime a ser denunciado, e Vargas Llosa um retrato dos conflitos na América Latina, conflitos dos miseráveis contra a elite política e econômica, Dill faz ressoar os orgulhos, os destemores e as ignorâncias.

*

Dividido em três partes, seus títulos – Janeiro a Março, Abril a Setembro e Outubro a Dezembro –, fazem lembrar as Horas, as deusas que presidiam as estações do ano: Eunomia, a legalidade, Irene, a paz e Dique, a justiça, justamente os três elementos em discussão no texto.

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O vento que move o título perpassa os vinte e um capítulos. Em sua primeira aparição ele é enunciado por um religioso que repete aos quatro ventos:

povo que não sabe ler nem escrever será sempre escravo.

Parte integrante de diversas culturas, os ventos foram deificados pelos gregos com os nomes de Bóreas, o vento norte, Zéfiro, o vento oeste, Euro, o vento leste e Noto, o vento sul – aqui chamado de Minuano –, todos eles filhos de Eos, a Aurora, e do titã Astreu. Para o profeta Ezequiel, não há dúvidas, os quatro ventos são a voz de Deus. E quando um dos estancieiros, depois de sofrer uma apoplexia que o deixou com a boca torta e bastante surdo do ouvido direito, disse que agora ouvia o vento, seu povo logo entendeu que ele ouvia a voz de Nosso Senhor. Embora ele mesmo estivesse longe de se colocar no mesmo lugar de um novo Conselheiro, estando mais interessado na proteção e no desenvolvimento do seu povo, pobre e carente de uma crença. Para ele, no entanto, como apontou Freud, o vento é a força da pulsão sexual:  mal sopra e já não lhe deixa ignorar nenhum odor di femina.


*

Seus personagens, sempre interessantes e bem construídos, cujo número passa de cinquenta, vão entrando em cena aos poucos, capítulo traz capítulo. O primeiro é um médico que, perseguido por maridos ciumentos da capital, veio esconder aí, em Forquilha Seca, os seus pecados e a si mesmo. O último é um Coronel do Exército, originário de Sergipe – o menor estado da Federação –, vindo a mando do governo do Estado Rio-grandense, em atenção à demanda do estancieiro ultrajado – seu correligionário –, e apoiado em pretextos, para acabar com o gigante pecaminoso e ameaçador.

Uma atenção especial, aliás, deve ser dada a construção dos nomes dos personagens: no de Laureano Lohweg, por exemplo, o estancieiro gigante, seu nome próprio, com origem latina, laurus, com o sentido de vitorioso, contém fina ironia, pois ele terminará como perdedor, enquanto seu nome de família, Lohweg, de origem alemã, conota caminho (weg) e fogo (loh), marcas indeléveis de sua vida. E não quero deixar passar o nome da criança recém-nascida no borralho: Aidê. O autor diz que é um nome francês, com a finalidade de colocá-la no caminho de grandes realizações. E é exatamente esta sua procedência: derivado do grego Χäidé, com o sentido de carícia, e também de Aídos, respeitável, significando que, independentemente de sua origem, será sempre respeitada. Não é o que sempre os melhores pais querem para seus filhos? Aidê, gestada ao longo de mais de oitenta páginas salteadas, representa a esperança da vida digna. E se essa mãe não revela o nome do pai, isso é só um despiste, pois os leitores sabem bem quem ele é.  Por fim, não há como negligenciar a presença de Cadete, um cão com nome militar, farejador dos diferentes ânimos em cada cena, lembrando que, além dos ficcionais, personagens reais, históricos, ajudam a compor e dar veracidade à narrativa, sempre com nomes bem escolhidos.

*

Está em jogo a luta de sempre: a do passado tentando impedir o surgimento do futuro. As armas e os estratagemas são sempre os instrumentos para eliminar as diferenças. E o sergipano surge, ao alvorecer do dia de Natal, com canhões, metralhadoras e espingardas de repetição, importadas da Europa e dos Estados Unidos, cerca a propriedade do gigante e todos aqueles que por lá se aquerenciaram, dando início ao tiroteio. Sua repulsa pela diplomacia não o faz perder tempo com palavras. O vento que o gigante irá escutar agora, será um vento de fogo.
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