Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista

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O ENCANTAMENTO DOS SENTIDOS
O Sublime e a Beleza na teoria estética de Edmund Burke


p/Rogério Ferrer Koff
Santa Maria, Ed. da Universidade de Santa Maria, 2020, 176p.

Luiz-Olyntho Telles da Silva
Outubro de 2020.

Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa valer-te sempre como princípio de uma legislação universal.
KANT, Crítica da Razão Prática (Lei fundamental da razão pura prática).

Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda terra.

FRANCISCO PINTO DA FONTOURA, Hino do Rio Grande do Sul.











Esse livro do Prof. Rogério Koff (Prof. de Estética e História da Arte, além de Ética Jornalística e Sociologia da Comunicação e também de Criação de Roteiros para Cinema e Televisão, na Universidade Federal de Santa Maria, RS) encantou-me desde o início, quando conheci sua capa ainda pela internet. Depois, quando o tive em mãos, firmou-se minha opinião. Papel de boa qualidade, uma mancha bem cuidada, as fotografias bem posicionadas, os capítulos separados por cortinas ilustradas com um detalhe da capa, onde a Avalanche nos Alpes, pintada por Philip James de Loutherbourg, em 1803, estende-se desde a primeira face até as suas costas.

Ao avançar na leitura, aos poucos, configurou-se para mim a importância de Edmund Burke (1729-1797), antes de tudo um homem capaz de pensar com sua própria cabeça.

A Apresentação, do Prof. Robson Pereira Gonçalves (Prof. de Literatura na Universidade Federal de Santa Maria, RS), já nos adianta as ideias políticas do homenageado – pois, afinal, hoje, Burke é considerado o pai do conservadorismo –, ao lado de suas ideias relativas à filosofia da estética, entre as quais destacam-se os conceitos de sublime e de beleza, o primeiro incidindo sobre as paixões e a autoconservação, enquanto o segundo está ligado aos afetos, à ternura e ao social. Pierre Kaufmann, em uma intervenção no Seminário sobre a Ética da psicanálise, de Lacan – infelizmente não incluída na edição da coleção Zahar, nem na de Seuil –, na aula de 15 de junho de 1960, dedicada à tragédia de Antígona, também cita Burke para relacionar esses conceitos da estética, desde a fisiologia à sociabilidade.

O Prof. Robson também destaca a clareza das ideias do autor, Rogério Koff, mesmo para um leitor pouco voltado a estes campos específicos. Pois eu sou um desses. E por ler pouco sobre política, fiquei encantado por conhecer aí a origem francesa dos conceitos de direita e de esquerda, e também os de ideologia e de conservadorismo. Na definição de Burke, conservadores são aqueles capazes de reconhecer os próprios erros e mudar, porque o Estado que não pode ser reformado é incapaz de ser conservado.

Embora a obra política de Burke resulte de seu trabalho da maturidade, a estética é de uma publicação da juventude, O Encantamento dos Sentidos – dividido em cinco partes, constituídas, após a Apresentação, por uma Introdução, mais três Capítulos e as Considerações Finais – começa pela parte política, pois foi esta que o tornou conhecido. Mais recentemente é que estão retomando suas reflexões sobre o sublime e a beleza, esclarece o autor. Talvez um reconhecimento de que a política não é sem a estética.

Rogério Koff destaca, em Burke, a questão da proximidade da Revolução Americana da Independência (1776) com a Revolução Francesa (1789). Depois de ter defendido a demanda de independência dos americanos, posicionou-se criticamente em relação à decantada Revolução Francesa, quando foi deposta a Monarquia. O que parecia uma contradição era, na verdade, a mais pura coerência: o que os americanos reivindicavam era o apoio da lei, quebrada por uma iniciativa pessoal do Rei George III, enquanto os revolucionários franceses, reivindicando – e merecendo – liberdade, que Burke acreditava dever ser social, e que eu acredito signifique para todos, indo contra a lei, transformaram a França em um caos de leviandade e ferocidade, onde todas as espécies de crimes misturam-se com todas as espécies de loucuras. Contrário às ideias de Rousseau, Burke, nas palavras de Russel Kirk, endossadas pelo autor, sabia que os homens não são naturalmente bons, senão que são seres que mesclam o bem e o mal, [quando] mantidos em obediência à lei moral principalmente pela força do costume e do hábito, o que os revolucionários rejeitariam como um lixo deveras antiquado. A Revolução americana, por seu apelo a uma constituição já estabelecida, foi considerada conservadora.

As ideias de Edmund Burke sobre estética estão no livro Investigação Filosófica sobre a Origem de nossas Ideias do Sublime e da Beleza. Sua redação levou quase dez anos, um período cujo pano de fundo, como demonstra o autor, esteve dominado pelo Neoclassicismo e pelo Romantismo, sendo publicado, aos 28 anos do autor, em 1757. O Neoclássico buscava reviver o espírito das grandes civilizações antigas da Grécia e de Roma, destacando-se a honra e a fidelidade aos princípios; as paisagens românticas destacavam a fragilidade do homem frente às forças colossais da natureza. E Koff vai ilustrando todos esses detalhes com telas de Jacques-Louis David, Joseph Wright, o Loutherbourg da capa, etc., para destacar o conceito de sublime como oposto ao belo.

O sublime é o espantoso, explicita Koff em sua primeira manifestação. Depois, nas seguintes especificações, usa o termo assombroso – o astonishment de Burke –, derivado do grego Thauma (Θαῦμα). Chamou-me a atenção porque, se o Dicionário de Grego, do Padre Isidro Pereira, concorda com o autor, em suas aulas de Grego, o Prof. Donaldo Schüler preferia traduzir Thauma por Espanto, o pai de Íris, cujo arco faz a ligação da Terra com o Céu, e também pai das harpias, estas rapaces aves míticas. Mas o que importa é o sentimento do sublime estar ancorado no terror e no medo. Trata-se de um sentimento pessoal, voltado para a autoconservação. Quando o autor retoma os estudos do enigmático Longinus, do longínquo século III d.C., assombro aparece vinculado à Ekplêsis (Εχπλήξις), e, para esse verbete, Isidro Pereira oferece a tradução de espanto. A aproximação etimológica dos termos ficará por conta dos especialistas.

A contraposição de Burke a Longinus devia-se ao fato de a experiência do sublime representar para este uma elevação da mente. Verdade que, até hoje, muitos continuam fazendo a mesma associação – acredito tratar-se de um ideal. Otto Maria Carpeaux criticava Aldous Huxley por pensar assim: que boas obras eram produzidas por boas pessoas. Como Huxley gostava muito de enciclopédias, Carpeaux troçava dizendo que ele não tinha alcançado a letra V, abrigo, na Enciclopédia Britânica, do nome de Villon – François Villon, considerado um dos maiores poetas da França, formado pela Universidade de Paris e precursor do Romantismo, ainda no século XV, e que foi um ladrão, assaltante de diligências e também um assassino condenado e indultado diversas vezes.

Já a beleza, essa está ligada, conforme Burke, às propriedades do objeto, constituídas pela suavidade, pela harmonia e também pela delicadeza. Contemporâneo de Kant, para ele, a beleza funda-se no mero prazer positivo e incita na alma o sentimento que se chama amor. A beleza, ao provocar uma reação no organismo, caracteriza-se como um sentimento fisiológico. Se o sublime está relacionado ao terror, a beleza está fundada no prazer e voltada para o social.

Um destaque especial deve ser feito à escolha das ilustrações, por parte de Rogério Ferrer Koff que ainda examina a influências desses conceitos nos impressionistas, cubistas e abstratos. Uma beleza!