Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista

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EM TEMPOS DE COVID 19
 
Luiz-Olyntho Telles da Silva
24 de março de 2020

 


Um antigo conto árabe diz que um homem, caminhando perto de Bagdá, de repente encontrou-se com a Peste e, logo após recuperar-se do susto, perguntou-lhe:
- Onde você vai?
A Peste respondeu-lhe, tão rápida quanto cáustica:
- Vou a Bagdá matar dez mil pessoas.
Dias depois, ambos voltaram a encontrar-se no caminho e o homem, indignado, queixa-se de ter sido enganado:
- Dissestes-me que ias matar dez mil pessoas e matastes quarenta mil!
- Não, disse a Peste. Matei só dez mil, como prometido, os demais morreram de medo.
Muito se tem dito sobre as precauções a serem tomadas frente ao Corona Vírus pelos profissionais das mais diferentes áreas, todos preocupados em dar sua contribuição. Todas sempre muito interessantes, tanto no sentido de nos protegermos como de protegermos os outros. Foi então que um colega, o Dr. Ricardo Landeira, lembrou desse antigo conto árabe, pelo que lhe agradeço por inspirar-me estas linhas.

Como ele diz, estamos frente a uma irrupção do Real. Repentinamente todos nos vimos na condição de isolamento, sem podermos nos encontrar com as pessoas queridas. O risco é de morte. Verdade que já não estamos na situação da peste negra, nem temos as famílias emparedadas em suas casas, entregues à própria sorte. A quarentena é só uma recomendação e os meios de comunicação contemporâneos aliviam de muito nosso isolamento.

Como também chamam a este vírus de chinês, lembrei de um ideograma da escrita desse povo: o de crise. É o mesmo para expressar oportunidade! Se é importante lavar às mãos e o rosto, usar gel com pelo menos 70 graus de álcool, ou um simples vinagre, que também é ótimo desinfetante, é preciso também perguntar-nos por nossa posição subjetiva frente a pandemia: seremos simples vítimas do destino ou nos aplicaremos em inventar algo com nosso tempo?

No final da semana, recebi por whatts um filme do Guri de Uruguaiana, a serviço da Prefeitura, tentando conscientizar as pessoas – os homens principalmente –, a ficarem em casa e, para fazer rir, usava um bordão que era mais ou menos assim: - A patroa está lá, mas não adianta chê, tem que aguentar! Claro, são palavras de guri e como tais têm que ser ouvidas. Mas a verdade é que falam de amor!




  
Alegoria de Amor e Tempo.
(Bronzino - Agnolo di Cosimo. Florença, 1503-1572)


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Fortuna crítica:

- Aguinaldo Severino:
ÔBeleza.
Lembrei deste:
"Havia um mercador em Bagdá que enviou seu servo ao mercado para comprar provisões. Pouco depois o servo voltou, pálido e trêmulo, e disse: Mestre, agora mesmo, quando eu estava no mercado, fui empurrado por ũa mulher da multidão; quando me virei, vi que era a Morte que me havia empurrado. Ela olhou para mim e fez um gesto de ameaça; ora, empreste-me seu cavalo e eu cavalgarei para longe desta cidade e evitarei meu destino. Irei para Samarra, e lá a Morte não me encontrará. O mercador emprestou-lhe seu cavalo e o servidor montou, fincou as esporas nos flancos dele e se foi tão rápido quanto o cavalo podia galopar. Então o mercador desceu ao mercado, me viu no meio da multidão e veio até mim, dizendo: por que você fez um gesto de ameaça para meu servo, quando o viu esta manhã? Aquele não foi um gesto de ameaça, respondi, foi apenas um movimento de surpresa. Fiquei espantada ao vê-lo em Bagdá, pois esta noite eu tinha um encontro marcado com ele em Samarra."
Encontro em Samarra, de Somerset Maugham.


- Débora Mutter:
Ótimo texto. Um alento para reflexão e lucidez em tempos tão difíceis, em especial, para rever nossa posição subjetiva frente a pandemia. Obrigada!